No início desta semana o governo conversou com representantes do setor supermercadista brasileiro em busca de uma alternativa para reduzir os preços ao consumidor. Uma das opções aventadas foi o aumento na data de validade dos produtos, que não deu certo e obrigou, mais uma vez, o governo recuar na intenção de implementar uma medida que visava amenizar a imagem do caos econômico no qual se encontra, ao menos na visão dos consumidores. A desculpa é a mesma utilizada no caso do PIX: a pressão das redes sociais. Será mesmo?
Começo com perguntas: o que faria com que um produto que, em tese, tem sua validade definida por critérios técnicos valer por mais tempo? Qual seria o milagre para um pacote de bolacha valer um ou dois meses a mais do que vale hoje? Então, pego aqui emprestado um trecho da consultoria vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul:
“O prazo de validade depende de diversos fatores intrínsecos e extrínsecos ao produto, dentre eles: a formulação dos ingredientes, as condições higiênico-sanitárias ao longo do processo produtivo, condições de armazenamento, os métodos de processamento ou até o tipo de embalagem a ser utilizada. Além disso, existem quatro parâmetros que influenciam diretamente na vida de prateleira de um produto, são eles: o microbiológico, o físico-químico, o bioquímico e o sensorial.”
De quebra, deixo mais um link da mesma entidade que aprofunda o tema sob o título “Shelf life: a importância para a qualidade e segurança dos alimentos”. E para quem não sabe, “Shelf Life” significa prazo de validade. Quem se interessar em ler o artigo verá que a definição do prazo de validade de um produto não é algo que se resolve com uma canetada – como outras tantas coisas que deveriam demandar mais do que uma caneta e a vontade de alguém para serem resolvidas. Mas vamos em frente.
É interessante constatar como este governo procura soluções mágicas para os problemas que não se interessa em resolver. Para um governo que vive de narrativas totalmente descompassadas da realidade, é mais óbvio contratar um marqueteiro para produzir ilusões na sua comunicação do que enfrentar os fatos que impactam fundamentalmente na situação econômica do país - e dos contribuintes.
Um país de dimensões continentais precisa investir e explorar sua estrutura logística pensando na utilização de todos os modais possíveis que permitam um rápido escoamento da produção. Temos cerca de 10 mil quilômetros de costa marítima, mas uma navegação de cabotagem pouco explorada e cara, além de portos com altos custos tarifários.
Temos 30 mil quilômetros de malha ferroviária, enquanto, em números brutos, os Estados Unidos têm 293 mil quilômetros, a China tem 124 mil quilômetros, o Canadá tem 78 mil quilômetros, a Rússia tem 85 mil quilômetros e a Índia tem 68 mil quilômetros, só falando de países com imensas extensões territoriais. O Brasil é 23, 8 vezes maior que a Alemanha, mas temos 13 mil quilômetros a menos de trilhos. Praticamente empatamos com a França, que tem 29 mil quilômetros de trilhos numa área 15,4 vezes menor que a nossa, e com ganhamos por pouco da Itália, que tem 24 mil quilômetros de trilhos e é 28 vezes menor que o Brasil. E um detalhe crucial: mais de 50% da malha ferroviária brasileira está concentrada na região sudeste. Aqui você encontra dados da malha ferroviária mundial.
Assim sendo, resta ao Brasil o transporte de cargas via malha rodoviária, que tem 1,7 milhão de quilômetros, malconservadas e mal administradas, diante das necessidades de um país que quer crescer e ainda move sua frota de caminhões com diesel importado porque não temos refinarias com capacidade para refinar nosso petróleo para transformar em diesel. Inclua aí o transporte aéreo de cargas, que também é dependente da importação de gasolina de aviação, que não produzimos. E nos dois casos, diesel e gasolina de aviação pagos em dólar.
Falar de legislação trabalhista é chega a ser piada, e nem vou me estender muito sobre o tema neste artigo, pois é, por si só, um tema que dá mais uns 5 artigos individuais. Mas, registro que temos um sistema que garante mais direitos do que deveres, que impede que o cidadão ganhe dinheiro e impede que o patrão pague melhor seu funcionário. Nosso sistema educacional não produz talentos e tem, desde o ensino fundamental, o viés de preparar pessoas para serem empregadas de alguém ou aprender, desde cedo, a depender do estado. Além disso, o investimento na formação de empreendedores é quase nula, os programas neste sentido são todos enviesados e direcionados à dependência do estado. Para a maioria, o MEI é somente uma forma de não ficar desempregado. E penso que não preciso falar da Justiça Trabalhista, uma aberração que todos sabem do que é capaz.
Por todos os fatores acima, o Brasil, há décadas, vive um processo de desindustrialização pela impossibilidade de competir com os produtos importados, quase todos produzidos e distribuídos em condições extremamente mais favoráveis do que as nossas, viajando milhares de quilômetros até chegar aqui e, mesmo com o custo Brasil embutido em seus preços quando chegam no nosso solo, conseguem ser mais baratos do que o que produzimos aqui. Quem vai querer investir em expandir ou construir novas indústrias na proporção que o país precisa?
O tema “Impostos” é mais um que não é preciso falar muito. Além de altíssimos, injustos e com legislações complexas (a própria reforma tributária aprovada é um monstrengo), o dinheiro é extremamente malgasto, não produz avanços, enriquece muitos e empobrece a maioria, sustenta uma casta de vagabundos com vida nababesca, e encarecem tudo da pior maneira possível. Mais um tema que merece outro artigo.
Chego então às verbas dos supermercados, algo pouquíssimo conhecido dos consumidores. Supermercados têm um leque de cobranças de verbas que também merecem um artigo a parte, mas darei umas pinceladas aqui: verbas de introdução de produtos, verbas de inauguração de lojas, verbas de publicidade, verbas para folhetos promocionais, verbas para pontas de gôndolas, ilhas e espaços promocionais, verbas para degustação e abordagem de clientes nas lojas, verbas de inauguração de concorrentes (quando o concorrente inaugura uma loja muito próxima, que vai dividir o mercado local durante o período de inauguração), verbas de ampliação, verbas por vencimento de estoque, exigência de promotores de vendas...
Cada rede tem seu próprio cardápio de verbas que, em muitos casos, chegam a mais de uma dezena. E, advinha, quem paga isso tudo? Sim, é você, pois cada % cobrado da indústria é embutido por ela no preço do produto. E não toquei na sonegação de impostos, uma característica do segmento.
O governo brasileiro não tem dinheiro para investir no que é preciso por dois motivos: gasta muito mal e o viés ideológico de plantão não tem interesse em desenvolver o Brasil, pois se fizer isso jamais se elegerá novamente. Muito pode ser feito para promover melhoras e desenvolvimento, mas ninguém quer abrir mão do seu naco. Portanto, não há ilusionista capaz de resolver os problemas de comunicação quando o objetivo é apenas construir narrativas, identificar culpados que não tem culpa e continuar a não fazer o que poderia e é sua obrigação fazer.
Mas, se você deseja comemorar alguma coisa, temos o judiciário mais caro do mundo, teremos o segundo imposto de valor agregado (IVA) mais caro do mundo, somos um dos recordistas em homicídios, somos uma das principais rotas de tráfico de drogas, estamos nos últimos lugares no PISA (que mede o nível educacional no mundo); com o Butão e Bangladesh temos as urnas eletrônicas mais seguras do mundo e somos, talvez, o único país cujo presidente da república é um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em 3 instâncias da justiça que foi tirado da cadeia para se sentar na cadeira que ocupa.
Juro que queria ter sido mais sucinto neste artigo, juro. Mas, mesmo abreviando temas de conhecimento geral, e deixando para trás algumas coisas, não consegui.
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