É absolutamente razoável dar anistia aos presos e condenados pelo “8 de janeiro”. Mas não é a coisa certa a fazer. O certo, diante da forma como tudo aconteceu até agora, seria a anulação de todos os processos, eivados de ilegalidades, mentiras, abusos de autoridade e interesses que nada tem a ver com o que as pessoas fizeram – sendo que a esmagadora maioria dessas pessoas não fez nada além de estar no lugar errado na hora errada. Entra aí o que meu pai me dizia: você quer estar certo ou ter razão? Parece a mesma coisa, mas não é.
Ao invés da Constituição Federal e dos códigos que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, Alexandre de Moraes parece ter jogado no lixo tudo o que aprendeu sobre o Direito e usado nas ações penais contra os manifestantes e na retórica para a sociedade algumas das técnicas descritas no livro “38 estratégias para vencer qualquer debate – A arte de ter razão”, de Arthur Schopenhauer, que replico abaixo:
Pág. 15 - Item 5 - "Tendência erradicável de todas as pessoas ao pensamento absoluto, enquanto nossos valores, conceitos e conhecimentos são relativos";
Pág. 19 - "A lógica tem a ver com o conteúdo da argumentação e a dialética com o convencimento dos demais";
Pág. 37 - "Há dois modos de vencer uma discussão: a) ad rem (foco na questão); b) ad hominem (foco no oponente)";
Pág. 62 - Estratégia 8 - "Desestabilize o oponente: Ao provocar raiva, o oponente perde o equilíbrio e a racionalidade para julgar corretamente e perceber a própria vantagem [se houver]";
Pág. 72 - Estratégia 14 - "Acuando os tímidos: Se o oponente é tímido e o atacante é audacioso e tem boa voz, pode-se conseguir ter razão. Isso pertence à 'fallacia non causae ut causae' (ilusão por meio da pressuposição da prova sem prova)";
Pág. 90 - Estratégia 28 - "Ganhe a simpatia da audiência e ridicularize o adversário: Quando não se tem nenhum argumentum ad rem, nem mesmo um ad hominem, então se faz um ad auditores, isto é, uma objeção inválida, cuja falta de validade apenas um especialista consegue ver: o oponente, mas não a plateia. Em especial quando a objeção à afirmação dele é tratada como algo ridículo. As pessoas estão prontas para rir, e temos o riso como nosso aliado";
Pág. 126 - Apêndice II - "Quando A percebe que os pensamentos de B sobre o mesmo assunto se distanciam dos seus, ele não reavalia primeiro seus próprios pensamentos para encontrar os erros, mas pressupõe que o erro esteja no pensamento alheio. Ou seja, o ser humano é arrogante por natureza".
Alexandre de Moraes quer as duas coisas ao mesmo tempo, ter a razão por necessidade, estar certo porque é arrogante. Aliás, na atual composição do STF, esse não parece ser um problema exclusivamente dele. Talvez o livro de Schopenhauer tenha sido distribuído a todos os ministros da corte. A necessidade da razão e da arrogância, além de premissas dos ministros, sugere um imperativo fundamental para continuarem a perpetrar o medo na sociedade. Qualquer sinalização em contrário pode significar fraqueza, o que é inadmissível para quem tem uma missão a cumprir.
A contínua retórica da defesa da democracia, do combate ao fascismo, nazismo, discurso de ódio, denominando a extrema-direita como o inimigo a ser batido são exemplos explícitos do que diz a página 19, o “uso da dialética para convencimento das pessoas”, pois não existe lógica em tal argumentação que não encontra elementos na realidade para sustentá-la. Os presos e processados do “8 de janeiro” são reféns em um estratagema que mira a direita conservadora brasileira, mais especificamente Jair Bolsonaro.
O julgamento marcado para 25 de março próximo, no qual a 1ª Turma do STF se reunirá para definir se aceita a denúncia feita pela PGR, é apenas um rito de passagem para o verdadeiro julgamento, cuja sentença já está pronta mesmo antes do processo todo começar, já que o “8 de janeiro”, em todas as suas nuances, foi planejado para que chegássemos ao ponto em que estamos.
Foi noticiado que Jair Bolsonaro se reuniu com Gilberto Kassab, até então inimigos políticos, para fazer com que a pauta da anistia possa progredir no Congresso Nacional. Mas esta é uma visão simplista do fato. Ao negociar com Kassab, Bolsonaro negociou mesmo foi com o “Sistema”, sendo Kassab, o verdadeiro padrinho político de Moraes, um mero interlocutor. O que Bolsonaro, de fato, deu em troca da liberdade dos presos do “8 de janeiro”, só saberemos mais para a frente, mas não foi de graça ou por mera empatia de Kassab.
A atitude de Bolsonaro deixa claro que, nesse caso, ele não está preocupado em estar certo ou ter razão, mas que se use a razão na soltura dessas pessoas, ainda que o certo fosse anular todos os processos. Se é somente uma questão de altruísmo, também só saberemos adiante. O que sabemos é que Bolsonaro abriu mão de ser um dos beneficiados caso o projeto de anistia vá adiante, o que deixa o campo aberto para que o STF continue sua saga persecutória, o condene à prisão e entregue sua cabeça em uma bandeja para o “Sistema”.
Será a maior surpresa do século, talvez deste e do século passado juntos, se Bolsonaro não for julgado culpado do crime que nunca cometeu. Contudo, além de fatores internos e externos que pudessem levar a um engavetamento do processo contra ele, seria necessário também que um espírito de sobriedade e lucidez se abatesse sobre os ministros do STF, algo que não parece ser crível dada a psicopatia de vários deles, aliada a compromissos escusos com setores que nada tem a ver com justiça ou política, mas que mandam muito mais do que nós, simples mortais, conseguimos imaginar (ou até imaginamos, mas é melhor não falar).
No fim das contas, vivemos em um país onde nada está certo, comandado por quem não tem razão, que, pelo poder da caneta, torna nosso futuro cada vez mais incerto e nos deixa cada dia com mais medo de ter razão.
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