Primeiro, eu tomaria a forma de ministro da fazenda, para ter acesso direto ao dinheiro, ao poder de decisão sobre o orçamento e, principalmente, às conversas sussurradas na calada da noite. Afinal, nenhum demônio-responsável-por-controlar-líder-político gosta de admitir que precisa de conselhos no quesito “equilíbrio fiscal”, mas, no fundo, a palavra de um “especialista” sempre soará sedutora. E eu seria essa presença sutil: um anjo disfarçado de tecnocrata, escolhendo cuidadosamente cada vírgula para alinhar as finanças do país aos objetivos do meu “chefe demoníaco”… Mas, no fundo, trabalhando para que toda a engrenagem desabe de forma espetacular.
Assim que eu entrasse nos gabinetes de Distopil, um lugar onde os corredores escuros sussurram leis e os holofotes são sempre enganadores, faria questão de parecer amigável, quase submisso. Carregaria pilhas de relatórios – tabelas, projeções orçamentárias, demonstrativos de como o Estado pode crescer de maneira “ordenada”. Enquanto o demônio que me acompanha – o mais astuto da legião – folheasse minhas planilhas, eu o tranquilizaria: “Não se preocupe, Excelência, é preciso investir pesado em infraestrutura estatal para gerar emprego, movimentar a economia e, por que não, garantir o controle sobre as narrativas.”
1. Propondo gastos elevados que se auto-sabotam
No início, eu falaria com entusiasmo sobre a importância de grandes obras públicas: estádios monumentais, pontes que não levam a lugar algum, universidades sem estrutura, mas com nomes pomposos. O demônio adoraria, pois, quanto maiores os gastos, maior a dependência das pessoas do Estado – e, no pensamento demoníaco, maior a submissão. No entanto, eu sutilmente inflaria os custos, indicaria empreiteiras suspeitas, recomendaria acordos escusos que, embora parecessem vantajosos no papel, estariam fadados a desmoronar.
Como anjo, minha estratégia seria inserir custos excessivos em itens mínimos, sugestões de “reforma” orçamentária que, embora tornassem a máquina estatal maior, inevitavelmente caminhariam para o colapso. Assim, meu “amigo demônio” pensaria: “Maravilha! Mais dinheiro público para nossas manobras.” Mas ao final de cada megaempreendimento, a dívida do país subiria tanto que até os demônios começariam a suar – afinal, demônio algum gosta de ver suas artimanhas voltarem contra si.
2. Incentivando a censura, mas semeando a discórdia
A legião demoníaca em Distopil não poderia implementar o socialismo sem controlar a narrativa: então as estratégias de censura seriam cruciais. Aqui, eu entraria em cena com minha retórica suave, sugerindo a criação de uma nova agência reguladora de mídia para “proteger o povo das fake news”. Em tese, o demônio aplaudiria de pé. Mas eu, astuto, redigiria leis tão detalhadas e burocráticas que, no fim, seria impossível saber quem censura quem.
Entregaria relatórios com linguagem jurídica altamente confusa – algo digno de confundir até o maior dos advogados infernais. Em minha proposta, cada palavra poderia ter quinhentas interpretações distintas e, claro, geraria um caos jurídico que obrigaria o próprio governo a recuar. Em paralelo, estimularia o surgimento de meios alternativos de comunicação (pequenos canais, publicações comunitárias e blogues independentes) que escapariam do radar do Estado. Seria a forma perfeita de sabotar, de dentro para fora, a tentativa de centralizar a informação.
3. Semeando a dúvida para sabotar a perseguição política
A perseguição a opositores, aos poucos, se tornaria comum em Distopil, com mandados de prisão saindo como “santinhos” de campanha. Aqui, meu papel seria igualmente sedutor, pois, se o demônio confia em mim, ouvirá meus argumentos. Então, eu explicaria que, para parecer “mais benevolente diante da comunidade internacional”, é preciso disfarçar a perseguição. Eu sugeriria métodos complexos de investigação, criação de instâncias especiais, com equipes caras, levas e mais levas de burocratas, analistas, auditores… Quanto mais gente, mais chances de vazamentos de informações.
Na aparência, fortaleceriam o controle; na prática, um número enorme de servidores engajados em investigações intermináveis tornaria a perseguição lenta, cheia de falhas e cada vez mais popular na mídia alternativa. Logo, de maneira sutil, a população começaria a enxergar os exageros, as arbitrariedades – e o projeto de silenciar a oposição acabaria se transformando em um escândalo permanente.
4. Gerando contradições no discurso oficial
Um dos pilares do socialismo autoritário é o controle das massas por meio de narrativas unificadas. Como anjo sagaz, eu sugeriria ao demônio no poder que criasse diferentes discursos para cada público: algo diferente para os trabalhadores urbanos, outro completamente distinto para os universitários, e ainda outro para os empresários que ainda resistem. Eu os convenceria de que “segmentar a mensagem é fundamental”.
No entanto, ao segmentar demais, o governo cairia em contradições internas. Grupos distintos receberiam promessas mutuamente excludentes. Aqueles que não fossem contemplados passariam a desconfiar das intenções do líder. O caldo de cultura de Distopil transbordaria em polêmica, corroendo o suporte popular. De dentro do próprio sistema, a discórdia facilitaria a ruína do projeto autoritário.
5. Mantendo a confiança do demônio
Naturalmente, eu precisaria manter minha aparência de ministro confiável, o grande estrategista que estuda modelos de nações passadas, citando Karl Marx, Lênin, Mao Tsé-Tung, sempre com um sorriso de canto de boca e aquela falsa admiração pela “engenhosidade” das ditaduras. Seria fundamental demonstrar conhecimento de teorias e práticas de planejamentos centralizados, além de citar passagens de livros como A Revolução dos Bichos (George Orwell) de maneira enviesada, como se fosse um manual de instruções, e não um alerta.
Ao mesmo tempo, eu me aproveitaria de cada oportunidade para semear a dúvida nas reuniões: “Excelência, não acha melhor punir estes opositores apenas depois de ganharmos a confiança popular? Talvez seja mais conveniente deixá-los falar agora, para que possamos mapeá-los melhor…”. Tais conselhos serviriam, na verdade, para dar tempo aos críticos de se fortalecer, de mobilizar resistência e de expor as artimanhas do Estado.
6. O colapso inevitável
Quando o país de Distopil finalmente estivesse atolado em dívidas, com a censura inviável, a perseguição política desacreditada e a população descrente nas promessas do governo, chegaria o momento da queda. Talvez um movimento popular surgisse, grandes protestos se espalhassem pelas ruas, alguns apoiadores do regime passassem a questionar seus métodos. E eu, como anjo, teria feito a minha parte, sem nunca precisar recorrer à força: apenas ideias certas, oferecidas no momento certo, com as intenções certas… e, claro, mantendo minha pose de tecnocrata obediente.
Nessa hora, o demônio – aquele que me via como aliado, quase como um irmão de “luta” – se daria conta de que minhas sugestões funcionaram como engrenagens enferrujadas dentro de seu belo relógio de manipulações. O líder político, sempre assombrado pelos conselhos demoníacos, perceberia tarde demais que todo seu projeto se tornara inviável.
E eu, por fim, sairia de fininho, como quem não quer nada, deixando apenas no ar a impressão de que toda a derrocada de Distopil fora orquestrada por suas próprias contradições. Talvez, mais tarde, eu me apresentasse a outro governante ambicioso que quisesse “testar o socialismo”. Nessa minha missão invisível de anjo disfarçado, repetiria a fórmula sem hesitar: aparentar fortalecer o demônio por dentro, enquanto, silenciosamente, esvazio suas estruturas com eficiência quase divina.