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O PAÍS DA CHANTAGISTOCRACIA

Ninguém larga a mão de ninguém

Hermínio Naddeo
Por: Hermínio Naddeo Fonte: Opinião
15/04/2025 às 17h31
O PAÍS DA CHANTAGISTOCRACIA
Imagem criada por IA

Era uma vez um país onde um grande escândalo de corrupção foi revelado pela justiça, envolvendo desvio de dinheiro público via funcionários colocados em postos chave da administração do governo e de empresas estatais, e que também envolvia empresários de vários setores, também muitos políticos e, dizem, até mesmo o judiciário tava no rolo. Com isso, um ex-presidente da república acabou sendo preso e com ele quase toda a quadrilha envolvida. Parecia que a coisa tava resolvida. Mas não tava nem perto disso.

Acontece que o ex-presidente sabia demais, e o pessoal dele também sabia demais. Enquanto o povo do tal país pensava enxergar uma luz no fim do túnel, tava vendo mesmo o farol de um trem desgovernado vindo em sua direção. Veio, passou por cima de tudo e de todos, e o ex-presidente foi tirado da cadeia, acabou virando presidente de novo, e com ele foram soltos e ‘perdoados’ todos os membros da quadrilha, que hoje ocupam novamente todos os cantos do governo.

Da mesma maneira, os empresários envolvidos também foram perdoados, tiveram multas canceladas e voltaram a negociar com o governo. Até penas de réus confessos foram anuladas, com devolução de dinheiro roubado e tudo mais, e vivem todos felizes. A explicação para toda essa reviravolta foi que o juiz e o promotor na primeira instância trocaram mensagens por aplicativos discutindo os processos, o que os tornou ‘suspeitos’.

Mas, o mais grave mesmo foi o CEP da 13ª Vara Federal de Curitiba. Mesmo após afirmarem diversas vezes que tava tudo certo, um juiz descobriu a gravidade do erro e anulou tudo. Um absurdo jurídico, escatológico, como gostam de dizer os juízes quando se deparam com alguma monstruosidade. Um erro mais grave do que condenar um inocente à morte. Coisas que só acontecem em republiquetas, regimes autoritários, ditaduras, nas quais as autoridades sabem dos graves segredos umas das outras e ninguém larga a mão de ninguém.

Eventualmente, paro e penso qual teria sido o grande motivo para que nossos grandiosos, digníssimos e respeitados magistrados tenham mudado tanto de comportamento desde a eleição de Jair Bolsonaro. Era só antipatia mesmo? Desrespeito? O que mais teria de tão forte a ponto de fazer Gilmar Mendes, constrangidamente, ‘desvotar’ o vigoroso voto que deu favorável à prisão após condenação em segunda instância da mesma maneira vigorosa, pouco importando se estava desdizendo tudo o que disse antes.

Como será que funcionam as conversas no frente a frente nos corredores e gabinetes? Será que é na cara dura, tipo “se você não fizer isso, eu conto aquilo?”, ou “fazendo assim, você ganha tanto”, ou ainda “se não fizer isso, a gente sabe quem são sua esposa, filhos, irmãos, sobrinhos, onde estudam, onde frequentam...”? Ou será que tem um trâmite mais cerimonioso, usando intermediários?

E com senadores e deputados? Chama para conversar no gabinete, senta no sofá para tomar um café, entra no assunto e joga uma pasta bem gordinha de processos e joga na mesa de centro. Pois, nobre deputado, nobre senador, por acaso este processo veio parar nas minhas mãos, envolve seu pai que é prefeito, sua mãe, sua irmã, seu cunhado, seus primos…’ Deve ser alguma coisa desse jeito. Dinheiro nesse caso só rola ao contrário, sabe como?

A chantagistocracia não é um sistema de governo. É uma doença do estado, não importa se o regime é uma ditadura ou uma democracia. Ela corrói o estado por dentro, em todos os níveis, e as relações institucionais passam a se dar através da chantagem, sem que ninguém ameace ninguém ao mesmo tempo, em que todo mundo ameaça todo mundo.

Se você já ouviu se referirem à bomba atômica como arma de dissuasão, ou chantagem atômica, significa ter algo tão poderoso na mão que faz o oponente temer a resposta e desistir de atacar ou só atacar em caso de desespero.

Um bom exemplo disso foi Roberto Jefferson, quando denunciou o Mensalão. Passaram a perna nele numa baita grana, ele ficou bravo, tinha o que dizer e abriu o bico. E deu no que deu. Mas, se ele tivesse recebido a grana dele, não teria feito nada. Teria sido mais barato pagar o combinado.

Agora, vemos os parlamentares que assinaram o pedido de urgência da PEC da anistia sendo chantageados por todos os lados, um lado chantageando o outro para chantagear o terceiro, ameaças utilizando processos, emendas não impositivas, cargos nos diversos escalões, tudo sendo usado para forçar deputados a retirar suas assinaturas do pedido, magistrados envolvidos em pressão política, e os jornais noticiando essas coisas com a mesma naturalidade das fofocas colunas de famosos, tudo normal.

A imprensa extra-oficial não fala mais de crimes, de escândalos, avaliza censura, apoia incondicionalmente ilegalidades e inconstitucionalidades, revelando a intimidade que tem com magistrados, lendo mensagens recebidas no celular, ao vivo, como se estivesse lendo a mensagem de uma pessoa muito próxima, aceitando até se passar por ‘menino de recados’ do Sistema para aqueles que têm com o que se preocupar.

Contudo, não se trata de um novo padrão de jornalismo que se revela só porque tem lado e por isso não se preocupa em mentir, deturpar, aumentar ou mesmo criar factoides. Trata-se de dinheiro. Se não falar bem, não andar aliado ao que o Sistema quer, não tem verba. No lugar, eles dão ameaças, processos, afinal, a concessão pertence ao próprio Sistema.

Se você pensava que os pilares da república eram o executivo, o legislativo e o judiciário, está por fora da engenharia republicana. Eles avançaram muito. Alicerçaram tudo num único pilar, o da chantagem. É por meio dela que nossa república funciona, que somos controlados, censurados, perseguidos, amedrontados, até ficarmos calados. Não temos nada para os chantagear de volta.

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FlavioHá 2 semanas Belo Horizonte MgParabéns Hermínio! Você é o cara! Mais inteligente, mais bem coordenado nas palavras! Mais corajoso para falar o que os outros não tem coragem. Seus artigos são perfeitos! Fica até difícil de comentar, você fala tudo que pensamos! Muito obrigado!
MariHá 2 semanas FlorianópolisEstamos no meio disso tudo e nós que sofremos com tanta corrupção e roubalheira. Eleger um presidiário foi o auge da burrice!
André LimaHá 2 semanas prSensacional
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