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1984. AINDA NÃO SAÍMOS DAQUI.

E sem tomarmos as ruas, provavelmente demoraremos a sair.

Hermínio Naddeo
Por: Hermínio Naddeo Fonte: OPinião
09/04/2025 às 14h47
1984. AINDA NÃO SAÍMOS DAQUI.
Imagem WEB

Onde estivemos nos últimos 40 anos?

Deus foi generoso com o território brasileiro. Privou a gente de catástrofes naturais de grandes proporções, como, por exemplo, terremotos, maremotos, tsunamis e vulcões. O que vemos, no máximo, são situações como a do Rio Grande do Sul, que são casos eventuais – que nem deveriam acontecer. Ele também nos livrou de guerras e grandes desastres causados pelo homem, como o caso de Chernobyl ou Fukushima, que não só ceifaram vidas como também inutilizaram os territórios atingidos. Situações como as de Mariana e Brumadinho também são exceções, que nunca precisariam ou deveriam acontecer. Mas, dada à ausência de eventos dessa natureza, Ele nos brindou com tragédias sociais que parecem insolúveis.

Desde a queda da monarquia, o Brasil nunca foi, de fato, um país estável. Dizer que desde 1984 vivemos o maior período de estabilidade democrática significa olhar apenas as aparências. Ter direito (e obrigação) de votar sem saber se o voto foi de fato computado como você registrou, sem possibilidade de conferir, não é sinônimo de democracia. Ter uma imprensa livre, ideologizada, que ganha muito dinheiro para vender a versão que o governo deseja, também não é democracia. Tratar bandidos de todas as espécies com privilégios e direitos que são negados às pessoas que não cometem crimes está longe de ter alguma coisa a ver com democracia. Aparelhar as instituições públicas com doutrinados e doutrinadores de um único espectro ideológico menos ainda.

Em 1984 fomos para as ruas embalados em canções de Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, e achávamos tudo lindo, aquele monte de gente pedindo por democracia, aqueles políticos anistiados nos palanques dando suas vivas garantias de que justiça havia sido feita, emissoras de TV fazendo cobertura ao vivo; e a gente cantava o Hino Nacional, tinha gente que pedia chorosamente pelo direito de votar para presidente, e fazia isso olhando para as caras de Lula, Fernando Henrique, Brizola, Miguel Arraes, José Dirceu, sem saber que estava mesmo era dando o aval para tudo o que acontece hoje no nosso país. Nós que estivemos nas ruas em 1984 fomos ludibriados com um discurso sobre democracia. O que vivemos hoje é reflexo dos erros de avaliação que cometemos lá atrás.

A defeituosa democracia ainda é o regime ideal.

Há mais de 20 anos li uma crônica escrita por Gabriel García Márquez no Jornal do Brasil (a qual já procurei e nunca encontrei) na qual ele dizia que a ditadura é um regime mais honesto que a ditadura, porque nele tudo é às claras, você sabe o que pode e o que não pode fazer e sabe quais são as consequências quando você não faz. Sabe o que pode e não pode ser dito, sobre quem pode e quem não pode dizer. Resumindo: na ditadura, você sabe quem está no controle. Já na democracia, o cidadão acha que está no controle, mas, diante das mudanças provocadas no mundo nos últimos 5 a 6 anos, em um país como o Brasil, acaba descobrindo que não está. Basta ver o índice de abstenção eleitoral nos países onde o voto não é obrigatório, é sempre uma minoria escolhendo pela maioria.

Acontece que, com todos os seus defeitos, não inventaram nada melhor que a democracia, assim como não inventaram nada melhor que o capitalismo. Todas as outras propostas de governança são baseadas em algum tipo de totalitarismo ou absolutismo baseado em alguma ideologia, ou teocracia. A maioria conquistada – e mantida – pela força do estado, com um imenso aparato policialesco ou judiciário, para reprimir dissidentes. E a gente começa a entender que está vivendo em um regime mantido pela força do estado quando entende que o simples direito de falar o que pensa deixou de ser um direito e passou a ser controlado pela caneta de um juiz, um único juiz, sem um mísero voto, com sua caneta nervosa, controlando a vida de 220 milhões de pessoas. Para efeito de comparação, no auge do Império Romano, o imperador comandava uma população de 70 milhões de pessoas, que correspondiam a 21% da população mundial da época, que era de cerca de 330 milhões de pessoas.

Como sair de 1984?

Existe diferença entre comício e manifestação. Talvez esteja aí um gargalo que precisa ser melhor observado pela direita. Comício é “reunião pública de cidadãos, geralmente a céu aberto, em que se fazem protestos e/ou críticas de caráter social, ou político, ou em que um candidato a cargo eletivo expõe seus projetos e ideias”. Manifestações são ações realizadas pelo povo de uma nação em defesa de uma causa. Reivindicações políticas, crises econômicas e mudanças sociais. Para diferenciar melhor, a queda de Collor foi uma manifestação popular, só que foi orquestrada, insuflada e administrada pela esquerda. Apesar de a crise dos 20 centavos ter nascido de um movimento de rua, as manifestações ganharam vida própria e se transformaram em manifestações populares - posteriormente sequestradas por políticos que encontraram nos jovens líderes certa fraqueza pela ascensão política e deu no que deu.

Um caminho para sair de 1984 passa necessariamente pela inclusão de jovens interessados em viver num país melhor, mas penso que isso não será conquistado através dos políticos tradicionais, esse movimento precisa ser debaixo para cima, com o resgate de manifestações promovidas por movimentos organizados, com pautas definidas, com a retomada de uma periodicidade de eventos que represente de fato a urgência da indignação e das reivindicações da população. Quem dá credibilidade para a indignidade de alguém que só protesta a cada 6 meses e acha que isso é suficiente?

Quem bota fé em manifestação que só dá público quando é convocada por político? É manifestação ou comício? Como resgatarmos o engajamento em manifestações sem políticos, promovidas por movimentos organizados? Isso precisa ser pensado, inclusive dias e horários. Apenas relembrando, dos 27 comícios (eram comícios mesmo) das Diretas Já, 19 foram feitos em dias de semana, em local de fácil acesso e após as 18 horas.

Já são mais de 40 anos assistindo Lula bradar contra a fome. Contando com o governo Dilma e os 2 anos deste mandato, Lula governou o Brasil por quase 18 anos. Ao final de 2026, esse pessoal terá governado o Brasil por 20 anos, praticamente a metade dos 42 anos da redemocratização e 20 anos durante os últimos 23. Não acabou com a fome. E não vai acabar. Até o povo mais simples já começa a entender que trocar dinheiro por voto não acaba com a fome, não eleva em nada a condição social e não traz dignidade. Dentro desse grupo de pessoas, quantos não são os jovens que buscam um futuro melhor e podem ser alcançados pela direita, mas que procuram novas lideranças, muitas vezes equivocadamente, como aconteceu com Pablo Marçal que arrebatou corações e logo em seguida se mostrou um (mais um) engodo.

Pois, então, ainda não saímos daqui. Continuamos pedindo pela mesma democracia de 1984, só que agora sabemos o que ela realmente significa e quem é quem “no palanque”, vemos que os artistas são os mesmos (muito mais ricos), conseguimos perceber como a palavra democracia não combina nas bocas de muitos políticos e outras tantas autoridades e enxergar com clareza que são os vilões do momento e quais os métodos que eles usam. Vivemos, em estágio adiantado, os efeitos de um estratagema de controle social muito bem-sucedido em países como Cuba, Venezuela e Nicarágua, que se utiliza do mesmo modus operandi para eliminar adversários da disputa política, nem que para isso seja necessário dar-lhe uma facada ou colocá-lo na cadeia.

Não há outra saída se quisermos fazer valer nossa cidadania. Precisamos resgatar a participação dos jovens e retomar as ruas com a mesma frequência e urgência com que o Estado avança sobre nossos direitos e liberdades. Nossa participação neste processo não pode ficar restrita a ir para rua ver Bolsonaro sendo obrigado a se defender publicamente da perseguição que o “Sistema” por crimes que ele não cometeu, ele mesmo, com toda sua representatividade, sofrendo ataques ilegais a seus direitos e liberdades, com fins claramente vingativos e eleitorais, operacionalizados por um sistema que já há um bom tempo deixou de ser justiça e que pode ser chamado de justiçamento, sem medo de errar.

Há 41 anos estávamos nas ruas, pedindo democracia e liberdade para que o Brasil nunca chegasse a viver algo parecido com A distopia de George Orwel, o livro 1984. Parece que só“corremos atrás do rabo” esse tempo todo. Só chegamos nela!

 

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Sandra BritoHá 3 semanas Campina Grande - PBO artigo traz uma radiografia da falaciosa "redemocratização", iniciada em 1984, até o dias atuais, cuja ditadura de toga afronta os demais poderes e a democracia. O povo segue acorrentado, oprimido, sem possibilidade de se defender. Curiosamente,é o mesmo ano que dá o título da icônica obra distópica de George Orwell,1984. Vale a leitura e compartilhamento.
André LimaHá 3 semanas prParabéns
Mariana LopesHá 3 semanas FlorianópolisConteúdo muito interessante, as pessoas realmente deviam buscar esse meio para ficar um pouco mais por dentro da realidade. Vale muito a pena!
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