O desfecho da vida de Rubens Paiva, assassinado pelo regime militar, é uma daquelas atrocidades históricas, como tantas outras, que, por mais explicada que seja, jamais encontrará concordância, não importa o ponto de vista pelo qual seja analisada. Faz parte de um momento obscuro da realidade brasileira, fortemente influenciado pela guerra fria que o mundo vivia naquele momento, que tanto produziu vítimas e falsas vítimas, quanto heróis e falsos heróis, dependendo de quem narra, como narra, e de quem a conhece, e em que contexto a conhece.
Assassinatos não podem ser justificados em nenhuma circunstância, mesmo que possam até ser explicados e esclarecidos. O caso de Rubens Paiva é um deles. O Brasil empreendia o combate a grupos terroristas, empolgados com a revolução cubana empreendida por Fidel Castro, que pretendiam implantar o comunismo no Brasil, tendo praticado assassinatos, sequestros, assaltos e atentados. Rubens Paiva era envolvido com alguns dos personagens destes grupos, o que o levou a ser preso, torturado e assassinado.
Rubens Paiva se tornou um mártir do período do regime militar de 1964 a 1985, enquanto o Sargento Mário Kozel Filho, assassinado friamente pelo grupo terrorista de Dilma Rousseff, costuma ser uma mera citação desimportante dentro da mesma história. A anistia, ampla, geral e irrestrita, deveria ter pacificado e enterrado o assunto nas calendas da história. Mas os militares da época, responsáveis pela repressão, assassinatos e sumiços de terroristas e militantes de esquerda continuam a ser responsabilizados pelos seus atos, e terroristas como Fernando Gabeira, Dilma Rousseff, Franklin Martins, José Genoíno, Eduardo Jorge e tantos outros, foram de fato anistiados, indenizados pelo estado, recebem pensões do governo e ainda fizeram carreiras políticas, com a própria Dilma chegando à presidência da república.
Pelo ponto de vista da família de Rubens Paiva, um marido e pai de uma família foi arrancado da sua casa e assassinado. Ninguém pode pedir que sua viúva ou seus filhos possam enxergar isso de outra maneira. A história de uma família foi interrompida, seus projetos, seus sonhos, seus sentimentos foram destruídos em questão de minutos. Um pai saiu de casa preso e nunca mais voltou, nunca foi sequer enterrado, promovendo um luto que provavelmente só terminará quando a viúva e seus filhos vierem a falecer. Não adianta saber o que aconteceu, não importa que exista um atestado de óbito legalizando a morte de Rubéns Paiva. Nenhum fato concreto tirará desta família a dor da sua própria história.
O livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2015, é um relato legítimo de um filho que narra a luta de uma família interrompida, contada a partir de sua leitura pessoal dos acontecimentos, da dor de sofreram, a coragem necessária para seguir em frente, da valentia de sua mãe. E não há nenhum problema que o cinema conte histórias como a de Rubens Paiva. Pelo contrário, o presente se explica pelos acontecimentos do passado, servindo, sobretudo, de alerta para que erros e atrocidades provocados por autoritarismo, abuso de autoridade, arbitrariedades e torturas nunca mais se repitam.
Por outro lado, existe problema quando tais histórias são contadas carregadas de romantismo, alteradas ou inserindo licenças poéticas que descaracterizam fatos e personagens. Outros pontos são o momento e o motivo trazidos de volta, e o verniz utilizado para serem apresentadas ao mundo. E são estas características que, provavelmente, mais incomodam em “Ainda Estou Aqui” e acabam deixando em segundo plano a representatividade da própria história.
Fernanda Torres, em suas entrevistas nos Estados Unidos, baseia sua defesa no filme em uma mentira. Ela diz que o filme de Walter Salles só foi possível porque Lula é o presidente do Brasil, como se a produção tivesse sido impossível de realizar no governo de Jair Bolsonaro. Esta simples premissa mentirosa revela a promoção militante feita a respeito do filme, utilizando um apelo político-ideológico que deixa de lado a vida de Rubens Paiva para se somar à campanha difamatória empreendida pela esquerda contra Bolsonaro e continuar a demonizar os militares.
O filme “Ainda Estou Aqui” foi financiado por Walter Moreira Salles, sem Lei Rouanet, sem dinheiro público e sem participação alguma de Lula ou do governo brasileiro. Salles é dono de um patrimônio pessoal de 4,4 Bilhões de dólares, considerado o terceiro cineasta mais rico do mundo, atrás apenas de Stephen Spielberg e George Lucas. Diferentemente dos dois, porém, Salles não construiu sua fortuna com sua carreira cinematográfica. Walter Salles é herdeiro de uma das maiores fortunas do Brasil, originada no sistema bancário através do Unibanco, que veio a se fundir com o Itaú. Além disso, a família Moreira Salles é dona da maior mina de nióbio do Brasil e maior produtora mundial do mineral raro.
No que diz respeito à Fernanda Torres, ao preferir adotar uma postura ideológica ao promover o filme que protagoniza, despreza seu próprio talento, tendo preferido sensibilizar Hollywood se somando ao antagonismo declarado do meio à direita e ao conservadorismo, lá representados por Donald Trump, ao invés de valorizar sua carreira como atriz, o que deveria ser o maior motivo para angariar simpatias e votos ao filme e à sua indicação ao Oscar de melhor atriz.
Filha de Fernanda Montenegro, que também concorreu ao Oscar de melhor atriz pelo filme Central do Brasil, outra produção de Moreira Salles, e que em “Ainda Estou Aqui” interpreta Eunice Paiva mais velha, Fernanda Torres não apenas repete a carreira da mãe no cinema, como também o faz na militância de esquerda, sendo frequentemente vista dando declarações rasas sobre temas que claramente não domina, como foi o caso da entrevista que deu quando esteve na ONU durante a presença de Lula na última Assembleia Geral, a convite de Janja.
Graças ao looby e ao investimento financeiro feito nos Estados Unidos para promover o filme “Ainda Estou Aqui”, na noite de ontem, Walter Salles ganhou o primeiro Oscar para o Brasil como melhor filme estrangeiro. Já Fernanda Torres, tal qual sua mãe, ficou só na indicação mesmo. Ter sido premiada com um Globo de Ouro já foi uma façanha. Já ganhar o Oscar de melhor atriz, por um filme cuja história não tem referência histórica para os membros da academia, falado em português, o que no entendimento de especialistas limita a análise da atuação de um ator ou atriz, nem o looby, nem o investimento vultoso foram capazes de obter.
Walter Salles, com uma carreira internacional consagrada, já tem seu lugar na Academia de Cinema, sendo, um de seus eleitores. Já Fernanda Torres, coloca pela primeira vez seu nome em destaque, e não me surpreenderia, no entanto, que, dada a visibilidade, possa tentar uma carreira em Hollywood, tantas foram as portas abertas através deste episódio.
Mas, no que diz respeito à fila do Oscar, ela pode se juntar à sua mãe e continuar dizendo: ainda estou aqui!