Ser anti-woke não é sinónimo de ser o contrário de woke. Adotar a atitude antagónica porque sim degenera o activismo em mero finca pé de adolescente a opor-se à sociedade para provar aos olhos dos outros a sua diferença (que eu diria pseudo-diferença).
Devemos destoar do rebanho por nortearmos a nossa conduta pela tolerância, por sermos senhores do nosso nariz e – pecado costumeiro dos chamados anti-wokes – não metermos o nariz onde não somos chamados. No fundo, por pautarmos as nossas ações pela decência e um sentido de mesura que não abunda na modernidade.
Comungar coisas com os wokes não nos torna imediatamente parte da cambada. Os conservadores, a que eu prefiro chamar de conservadores do século XXI por acreditarem na moral fundadora da civilização judaico-cristã, devem despender mais horas a aprender com o liberalismo clássico. E menos a chamar de wokes alguns tipos por afetos e práticas que não vêm para o caso, nem acrescentam em nada em batalhas culturais. Vou citar algumas para ilustrar o argumento.
Gostar de gatos
Começo pelo pecado capital. Ser fã de entes de quatro patas, em especial gatos, resulta em atestados de coração macio e doçura inaceitável. (Daí que curtir cães seja possível, sendo o tamanho dos ditos proporcional às nossas chances de ficar bem na fotografia).
Gostar de gatos pode não ser um problema se tivermos filhos. Também aqui é uma quesstão numérica. Sugere-se que o número de rebentos indubitavelmente supere os bichanos.
Viajar frequentemente
A casa e a comunidade devem ser o bastante. Quando muito, visitar outras capelinhas. (E uso o termo capelinhas no sentido figurado e literal).
Desdém pela cultura alheia marca pontos. Nada de abrir um portátil no meio da praia. Aliás, as próprias fotos balneares nas redes sociais apenas são permitidas com o intuito de exibir o artefacto religioso ao pescoço.
Usar jeans ou roupa desportiva
Tão depressa a wokalhada não te perdoará o uso de camisa como o grupo que a eles se opõe não vê com bons olhos o uso de jeans. Demasiado desportivo. Ou displicente, para soar resbuscada a crítica.
Subindo ao tronco, requerem-se botões. Para assegurar aquele sentido de cerimónia que assegura seriedade.
Eis o império da aparência. Em que as nossas indumentárias se tornaram ideologias, senão mesmo fardas.
Embasbacar-se com o pôr do sol
Com sorte, a malta chata encontrará algum fascínio com o nascer do sol. Das duas uma: com o propósito de agradecer ao divino ou para mostrar ao mundo que são machos e não ficam de cu na cama a manhã inteira. Em ambos os casos, convém ilustrar o embasbacamento vespertino nos Instagrames deste mundo com a devida foto (e legenda acompanhar para evitar dúvidas) a condizer.
Pôr do sol, não pensar. Ninguém de bem tem tempo – oh diletantes! - para passear por volta das seis ou sete da tarde.
Ir ao teatro ou ler poesia
Não é preciso abrir mão das artes. Ainda sobram a ópera e os concertos de música clássica. Ou seja, espaços em que o pessoal se preocupa com as vestimentas e toma banho antes de sair de casa.
Espera. T.S. Eliot, Yeats, Pound e, de alguma maneira, Fernando Pessoa não eram propriamente poetas progressistas. Escreveram em verso, logo não interessa. Azar.
Esclarecimento
Anti woke consiste em estar contra as massas ditarem o nosso quotidiano e espaços tão privados como o pensamento. No fundo, um retorno ao respeito absoluto pelas determinações do indivíduo, empoderando a sua livre vontade de acordo com os preceitos de Nietzeche.
Mais inovação e criatividade, menos censura e castração. Demarquem-nos da cambada woke ao abrirmos as portas a libertarianos e anarco-capitalistas.
Evitemos tornar-se uma cópia travestida de roupas conversadoras. Para cretinos identitários, já, temos os wokes.