Sim, a democracia está em risco, mas nas mãos de quem só está onde está para garantir que ela exista, o que não se resume ao judiciário...
Pode um juiz tirar de sua cabeça um crime para o qual não há lei que o enquadre como crime? Pode uma pessoa ser acusada por um crime que não existe? Afinal, quem serve a quem? A lei serve ao juiz ou o juiz serve à lei?
Nosso Código Penal, em seus artigos 1° e 2°, prevê o seguinte:
Art.1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Quem veio primeiro, a lei ou o juiz? As atribuições e regulamentações da justiça foram atribuídas por lei, portanto da existência dos juízes; ou foram os juízes que definiram as leis e suas próprias atribuições?
Penso que as respostas são óbvias até para quem nunca pensou no assunto. Uma constituição é elaborada por congressistas constituintes, não por juízes. É a constituição que estabelece o ordenamento jurídico, que gera o conjunto de leis e os códigos e penas inerentes a elas, pesos e contrapesos, em todas as áreas da sociedade, pública ou privada. Dentro deste conjunto está a criação do cargo de juízes, das instâncias em que atuam, da maneira como o cargo e as instâncias são exercidos e administrados, o que podem e o que não podem fazer. E não está nas atribuições de um juiz criar leis, muito menos crimes.
A função dos juízes foi criada para garantir o exercício da lei, como ela foi definida pela Constituição, o mais literalmente possível. Juízes não são anteriores ou contemporâneos às leis, mas um dos resultados delas, para funcionarem. Ninguém está acima da lei, principalmente, e especialmente, quando a lei não existe.
Ainda pagaremos caro pela leniência com os absurdos praticados pela atual composição do Supremo Tribunal Federal, em colegiado, monocrática e, pior, por omissão. Estamos assistindo à invasão de nossa liberdade e privacidade como se fosse um filme, uma novela, algo que só acontece com os outros.
Ei! Acorda aí! Os que esses juízes estão fazendo dizem respeito a você, à sua liberdade, ao modo de vida que você conhece, ao seu direito de ler o que escrevo e opinar a respeito disso do jeito que quiser. Esses juízes estão acabando com nossa liberdade, destruindo o que há de mais básico na democracia. E do jeito que a coisa está indo, vai chegar em você, pode chegar a mim só por ter me atrevido a escrever esse artigo e ter feito ele chegar até você.
A diferença atual entre a verdade e a mentira é o que a cabeça de um juiz decidir que é uma coisa ou outra, mesmo que ele, além de infringir a lei, esteja mentindo para te fazer acreditar nisso. Temos visto isso fartamente em decisões de julgamentos, interpretações e reinterpretações das leis, inquéritos ilegais e inconstitucionais, perseguições, tudo sob a fachada do "salvar vidas e salvar a democracia".
Sim, a democracia está em risco, mas nas mãos de quem só está onde está para garantir que ela exista, o que não se resume ao judiciário, nesse aspecto todos os poderes da república tem a mesma obrigação. A diferença é que o executivo só consegue subverter a democracia se for um poder totalitário, ou se cooptar o judiciário através da força, da corrupção ou do aparelhamento, o que, diga-se de passagem, já foi feito em praticamente todas as instâncias e no ministério público.
A despeito do que pensamos a respeito das pessoas, não podemos fingir que não estamos vendo o que está acontecendo com o jornalista Alan dos Santos, com o presidente de um partido político, Roberto Jefferson, com jornalistas como Oswaldo Eustáquio e Wellington Macedo, com Sara Winter, com Daniel Silveira, deputado federal no exercício de seu mandato e munido de imunidade parlamentar, o que foi feito com Francisco Franceschini, cassado por opinião, e agora está se repetindo com Carla Zambelli, podendo, inclusive, atingir outros quatro deputados federais eleitos pelo quociente eleitoral, puxados pelos votos dela, que, assim como ela, podem ser cassados sem terem cometido crime algum.
Da mesma maneira, não dá para fingir que não vimos diversas pessoas que tiveram busca e apreensão em suas casas, canais que foram arbitrariamente desmonetizados, empresas como o Terça Livre fechadas, empresários incriminados por conversas privadas de WhatsApp, sem que nenhum dos envolvidos conseguisse saber sequer o que constava no processo contra eles ou saber que os crimes dos quais são acusados não existem no ordenamento jurídico brasileiro.
Não bastasse tudo isso, temos o escandaloso, vergonhoso, vexaminoso e ditatorial 8 de janeiro, com centenas de pessoas presas sem crime algum, sem a personalização dos processos, condenadas a sentenças de quase duas décadas enquanto traficantes, corruptos, homicidas, pedófilos e todo tipo de meliantes são soltos nas audiências de custódia, quando a principal preocupação de juízes é saber se foram bem tratados na condução até a delegacia e se estão confortáveis, se aceitam cafezinho ou se o ar condicionado está incomodando.
Amigo, amiga, isso vai chegar mais forte até nós todos, porque já chega e a gente está fingindo que não vê. Se uma publicação ou postagem de alguém não chega até você porque foi censurada por alguma plataforma, sua liberdade já foi afetada. Se o direito de alguém expressar sua opinião livremente foi tolhido pelos termos de uso e política de privacidade ou pela canetada de um juiz, a sua liberdade, é você mesmo, já foi afetada. Tiraram de você o direito de receber aquela informação e a liberdade de decidir o que fazer com ela.
Não é pelo Alan dos Santos, ótimo jornalista, mas arrogante. Não é por Roberto Jefferson, em quem não confio. Não é por Oswaldo Eustáquio, cujo estilo de jornalismo eu nem gosto. Não é por Wellington Macedo, que eu mal conhecia. Nem por Sara Winter, que acho uma tola oportunista. E nem é por Daniel Silveira, por ser de direita. Até gosto do Franceschini, mas tenho pouquíssima (quase nenhuma) simpatia por Carla Zambelli. É porque, se não pararmos de fingir que essas coisas estão acontecendo com eles, não conseguiremos fingir quando acontecer a cada um de nós.
É preciso que o Brasil volte a ter ordem se quiser ter progresso. Derrubaram Bolsonaro porque ele invocou a ordem, e eles sabem que o progresso oriundo dela reelegeria Jair Bolsonaro. Já não se importam mais com as leis. O que importa é atingir o objetivo de sufocar um movimento genuíno do povo brasileiro, que quer um país com liberdade, com democracia de fato, com um estado que promova desenvolvimento social ao invés de escravizar a sociedade sob um regime autoritário que só se instala e sobrevive através da opressão do estado sobre o cidadão.
Na verdade, o que veio primeiro não foi a lei e nem o juiz. A lei criou o juiz, mas não deu a ele o poder de criar lei, muito menos o direito à interpretação criativa das leis, menos ainda de se valer delas para perseguir inimigos ou adversários. O que veio primeiro foi a função do Estado, como provedor da ordem social, os direitos e deveres consagrados pela Constituição Federal e pela própria Carta da ONU. E exatamente por isso a lei não deu aos juízes o direito de exercerem atividades políticas e partidárias, mesmo que os atuais o façam descaradamente.
E quando juízes ignoram a lei com a desfaçatez que vemos atualmente, eles ignoram, mesmo, a nós, cidadãos, que somos a verdadeira origem das leis, legítimos mandatários do poder que cria as leis que criam juízes. Mas parece que até nós mesmos nos esquecemos disso.
P.S. - Este artigo foi publicado por mim originalmente em 25/10/2021 na plataforma pingback, e ligeiramente adaptado para o contexto atual.
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