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Opinião 8 DE JANEIRO

O GOLPE. DO GOLPE QUE NUNCA ACONTECEU.

Teria sido um crime perfeito. Só esqueceram de combinar com a realidade.

08/01/2025 às 17h54 Atualizada em 08/01/2025 às 18h49
Por: Hermínio Naddeo Fonte: Opinião
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Foto Web
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Assisti às cenas com um misto de satisfação e medo. Sentia satisfação em ver um povo finalmente mostrando ser povo, ser pátria, saindo da posição estática do acampamento em frente ao quartel de Brasília e fazendo valer o sol e a chuva que tomou durante mais de dois meses a espera de um milagre. O milagre estava acontecendo diante dos meus olhos, mostrado por todos os meios de comunicação. Ingenuamente, entendi a inoperância das forças de segurança como complacência, apoio àquele povo indignado. Ao mesmo tempo, senti medo quando vi o vandalismo, e o que parecia complacência e apoio começou a “ter cheiro de armadilha”. E era mesmo.

As cenas e as informações da armadilha que foi a invasão do Capitólio, um ano antes, vieram na minha cabeça. O que eu via era, na verdade, o remake de um roteiro que havia sido ardilosamente escrito e encenado com o mesmo propósito, pela mesma turma, com o mesmo propósito. Foi como se tivessem comprado os direitos autorais para produzir um remake, tendo o povo como protagonista, sem ensaio, sem dublês, sem cachês, transmitido ao vivo e a cores, em HD, 4k, produzindo imagens em baixa e alta resolução. Um verdadeiro espetáculo circense, no qual os palhaços éramos nós.

A confirmação veio no dia seguinte, logo cedo. Os acampados na frente do quartel em Brasília, já na noite anterior, foram cercados por tropas do exército. A perfídia já tinha sido arquitetada, antes mesmo da encenação acontecer. As pessoas foram convencidas a entrar em ônibus previamente contratados, sob o argumento de que seriam levadas dali para a rodoviária a fim de retornarem para suas casas. O espaço e a equipe da Polícia Federal já estavam devidamente preparados para receber as centenas de pessoas que ali seriam “depositadas”. Até mesmo os presídios de Brasília tinham recebido centenas de colchões com antecedência.

Teria sido um crime perfeito. Só esqueceram de combinar com a realidade.

As mesmas câmeras que mostraram ao mundo o descontentamento de um povo com o resultado questionável de uma eleição dirigida, mostraram, também, que o vandalismo tinha cara de encomendado. Milhares de imagens mostravam que aquele povo indignado estava ainda mais indignado com os vândalos que quebravam tudo que viam pela frente. Imagens de câmeras de segurança revelaram dezenas de pessoas que já estavam dentro dos imóveis do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional muito antes do povo chegar.

Pessoas que circulavam livremente pelos andares e corredores, policiais e seguranças que até facilitavam suas entradas e apontavam caminhos, seguranças que se esgueiravam por escadas para sair dali antes que os vândalos chegassem. Tudo gravado, provando a orquestração prévia da destruição, a preparação da arapuca, a conivência da segurança que, ao invés de proteger o patrimônio público, facilitou os acontecimentos, abrindo e deixando abertas portas que, normalmente, permanecem fechadas a chave nos fins de semana. Rostos que se exibiam diante das câmeras de segurança com a tranquilidade de que sairiam dali impunemente, como, de fato, aconteceu.

Na contramão disso tudo, centenas de pessoas que sequer se aproximaram dos edifícios públicos foram presas sob acusações de crimes que não cometeram e jamais cometeriam, porque nunca foi este o objetivo. Ninguém ali queria tomar o poder. Ninguém ali queria derrubar o governo. Ninguém ali queria matar ou machucar qualquer pessoa. A única coisa que o povo queria era mostrar sua indignação com a podridão que levou um ex-presidiário condenado em três instâncias a ser retirado da cadeia para ser alçado à presidência da república, por um processo eleitoral viciado, absolutamente questionável e conduzido por pessoas que em momento algum fizeram questão de esconder sua parcialidade.

Pessoas foram condenadas a cumprir penas extremamente severas por crimes que não cometeram. Vidas foram ceifadas, retiradas da sociedade sem motivos justos, por motivos injustos, apenas para dar vazão à vaidade de meia dúzia de burocratas empoderados. Pessoas morreram inocentes na cadeia sem receberem o mínimo de misericórdia de seus algozes, enquanto bandidos reais, por crimes hediondos, são liberados diariamente em prol de uma agenda clara de destruição da sociedade brasileira. Bíblias, camisas verde-amarelas, bandeiras, estilingues e bolinhas de gude, até batom, foram transformados em armas letais, como se fossem capazes de derrubar um regime de governo, num domingo, quando os edifícios públicos estavam vazios, e a maioria dos pretensos alvos sequer estavam em Brasília, alguns, ao que tudo indica, propositalmente fora.

Cabeleireiras, manicures, pipoqueiros, padres, pedreiros, transeuntes, ciclistas, desempregados, médicos, advogados, jornalistas, donas de casa, moradores de rua, pessoas de todas as profissões, de todos os estados, das mais diversas origens, raças e crenças, foram transformados em soldados revolucionários capazes de derrubar autoridades que só andam com um miniexército fortemente armado à sua volta, que só se deslocam em veículos blindados, que não vão nem ao banheiro sem a presença de seus seguranças, que inclusive entram antes para verificar se o local é seguro – se não houver quem experimente antes suas comidas para garantir que não estão envenenadas.

Ilegalidades, inconstitucionalidades, abuso de poder, injustiças das mais variadas possíveis, crimes, corrupção. Não existe um projeto de Brasil. Só existe um projeto de poder, de tirania, de demolição do tecido social brasileiro, de desagregação, de ruptura com tudo que possa lembrar o Brasil, que caminha para o colapso social, econômico e territorial. Não é por acaso que a emissora de televisão que funciona como órgão extraoficial do governo vai reeditar exatamente a novela Vale Tudo, aquela em que, no final, o corrupto sai ileso a bordo de um jatinho, dando “uma banana” para o país.

Sim, vivemos a época do Vale Tudo, que inclui o golpe, do golpe que não aconteceu.

Não foi o primeiro. Não será o último.

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Hermínio Naddeo
Hermínio Naddeo
Sobre Escritor/Jornalista, mestrado em palpitologia, doutorado em opinologia, pós-doutorado em falastronismo - Registro MT 22619/MG
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