O sentido de palavras como "absurdo e escândalo" já perdeu a importância. Há mais de 20 anos vivemos em meio a absurdos e escândalos de tamanha proporção que nada mais nos espanta. A narrativa que está sendo construída desde o 8/1/2023 apenas ganhou mais um capítulo com o que aconteceu ontem na porta do STF.
Não diria ser improvável que Francisco até tenha mesmo pensado em matar um ministro ou um político qualquer, o que, deixo claro, não apoio e nem apoiaria. Mas, tratar disso como uma trama que envolva um grupo interessado em promover um golpe faz de quem tenta emplacar a narrativa mais maluco do que o maluco que no fim tirou a própria vida.
Sejam quais tenham sido os motivos de Francisco, se tivesse ficado vivo, duvido que fosse tratado como uma pessoa com problemas mentais, como fizeram com Adélio Bispo. Ele teria sido preso, iriam arrumar um jeito de relacioná-lo a Bolsonaro - como já tentam ao salientar o tempo todo que era do PL - e usar isso tudo para fortalecer a ideia de que há no país uma conspiração que visa sequestrar e matar autoridades para tomar o poder.
Ao contrário, com Adélio Bispo, tudo foi feito para dissociá-lo de todo e qualquer político, e da esquerda, tratando o mesmo, imediatamente, como louco, sem que até hoje saibamos, por exemplo, como se deu o fato dele ter dado entrada na Câmara dos Deputados no mesmo momento que esfaqueada Bolsonaro, e sem sabermos para o gabinete de quem ele iria com essa falsa entrada no congresso. E nem mesmo quem financiou os advogados que prontamente o atenderam sabemos ainda, como também não sabemos até hoje o que tinha nos seus celulares e notebook, quem financiava suas viagens.
Usar o episódio do doido do Francisco para condenar as redes sociais é outra maluquice mais maluca que o próprio maluco. Adélio Bispo exalava ódio no Facebook quase diariamente. Nunca vi ninguém dizer que se tratava de discurso de ódio.
Por tudo que li até agora, todos os artefatos usados por Francisco neste episódio lamentável, ou eram fogos de artifício, ou foram feitos com pólvora retirada de fogos de artifício, o que, para causar o estrago que as autoridades tanto temem, precisaria de uma quantidade de pólvora que só seria retirada de dezenas de milhares desses artefatos para causar um dano capaz de derrubar um prédio.
Tentar relacionar o recado escrito no espelho da casa que Francisco usava em Ceilândia com a mulher que está presa por escrever com batom na estátua da justiça é só uma demonstração da necessidade de sustentar uma narrativa que só pode fazer sentido para quem precisa dela para reforçar seu autoritarismo.
Francisco Wanderley Luís era só uma pessoa cheia de problemas pessoais e psicológicos, muitos deles causados pela insuportável pressão que o estado policialesco e autoritário está causando em muitos cidadãos. Quem chega ao ponto de praticar atos que têm a própria morte como resultado não é uma pessoa em seu estado normal de consciência. E se essa pessoa pensa que seus atos são capazes de mudar o rumo da história não é um mártir, mas um alucinado para o qual só a misericórdia divina pode restar.
Infelizmente, graças a esta insanidade, os verdadeiros insanos, com as canetas nas mãos, só aumentarão o peso de suas mãos na nossa combalida democracia. E a extrema narrativa ganha mais uma vez.
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