Quando a polícia precisa fazer a reconstituição de um crime, uma das maiores dificuldades é conseguir que todos os elementos envolvidos participem da encenação. Um dos problemas é que em se tratando de vários criminosos envolvidos, os mesmos não participam simultaneamente, sendo substituídos por policiais que fazem o papel de figurantes para demarcar os espaços e simular as atitudes dos outros comparsas. E tem também o fato de, quase sempre, o criminoso estar algemado enquanto mostra o que fez.
Porém, nada melhor do que poder voltar à cena do crime sem estar algemado, e, ao invés de estar participando de uma reconstituição, estar lá para praticar o crime novamente, sem policiais presentes e sem o menor receio de ser preso por isso. Não se trata de audácia, ousadia ou desafio à justiça. Na verdade, tudo chancelado pela justiça, que, como se fosse a coisa mais normal do mundo, se dispôs a rasgar a constituição, jogar qualquer resquício de vergonha na cara no lixo e anular condenações para que não faltasse nenhum detalhe. Aliás, tem um vice que não fazia parte do crime anterior, mas que está feliz de estar presente e se livrado do ostracismo ao qual estava condenado.
A derrota da esquerda nas eleições municipais mexeu profundamente com os bastidores da política, fundamentalmente com o PT. Mas, mexeu também com os bastidores do judiciário, onde estão os verdadeiros garantidores de todo tipo de criminalidade existente no país. Através dos resultados eleitorais nos municípios, a ascensão da direita e da centro-direita fez soar um alarme nas duas instituições que viram aí um prenúncio do cenário provável para as eleições de 2026, tanto para a presidência da república quanto para os governos estaduais, senado, câmara dos deputados e assembleias legislativas. Tal sinalização obrigou que ações drásticas fossem tomadas para tentar, desde já, interferir no rumo que a política brasileira está tomando.
Não adiantou sacanearem o governo Bolsonaro durante 4 anos, torná-lo inelegível, prenderem jornalistas e políticos em pleno mandato, praticarem censura nas redes sociais e na imprensa, contar com as narrativas da imprensa amiga, soltarem Dilmo da cadeia para colocá-lo na presidência da república, prenderem 2000 mil pessoas sob falso argumento de golpe de estado, desmontarem por completo a Operação Lava Jato, livrar de penas e condenações todos os empresários envolvidos no maior esquema de corrupção da história da humanidade. Faltava alguma coisa. Na verdade, faltava alguém. Agora não falta mais.
A anulação das sentenças de José Dirceu, torná-lo ficha limpa, não aumenta sua capacidade de organizar e articular as ações da esquerda, o que nunca deixou de fazer mesmo quando estava preso. Entretanto, agora ficha limpa, ele não apenas ganha mais liberdade para atuar, mas, principalmente, ganha legalidade para sair das sombras, fazer articulações à luz do dia e, aí vem o pulo do gato, assumir cargos públicos, como, por exemplo, um ministério ou uma secretaria especial no governo federal. Além disso, tem seus direitos políticos restituídos, podendo ser eleito presidente do PT em um momento onde o cargo está em discussão depois da fracassada presidência de Gleisi Hoffmann, que, antipática, radical e sem noção, junto ao conjunto da obra mensalão + petrolão, uma peça chave para que o PT esteja, agora, no rodapé da política brasileira.
A presença atuante de José Dirceu, diante dos holofotes, e provavelmente com um impulsionamento vigoroso da imprensa amiga, visa também reabilitar sua imagem pública em busca de um mandato de deputado federal ou senador, ou quem sabe, até mesmo (se forem muito loucos ou confiarem muito em caixinhas mágicas) para a presidência da república em uma sucessão de Dilmo. Mesmo já tendo 78 anos, José Dirceu goza de uma lucidez e inteligência inquestionáveis, pena que sempre usada para o mal da nação e em benefício próprio. E é exatamente este conjunto o que Dilmo nunca teve e nunca permitiu no comando do PT, exceto o próprio Dirceu, a quem, claramente, se rende ao ponto de ter colocado o sistema para trabalhar pela sua liberdade plena.
Desde sempre, a chantagem é a ferramenta de trabalho mais poderosa de José Dirceu, e ele sempre sou usá-la a seu favor, a favor do partido que ajudou a fundar e a favor do núcleo que trabalhou para que o Brasil se transformasse no país de bandidos no qual vivemos e a política brasileira num balcão de negócios cujas bases das negociações só se comparam ao que fazem facções criminosas, quadrilhas e cartéis de tráfico de armas e drogas. Pouca gente sabe o quanto sabe e de quem sabe, exceto, óbvio, quem está no seu “caderninho” e é vítima dele.
Quanto a quem o soltou, qualquer coisa que eu, ou qualquer outra pessoa disser, é chover no molhado, além de serem no máximo inferências sem provas - e ainda receber um processo por causa disso. Mas não é errado afirmar que, como dizia Marco Aurélio Mello e suas intervenções perdedoras enquanto estava na corte, “causa espécie” que a legalização política de José Dirceu tenha acontecido exatamente após a derrota acachapante do PT nas eleições municipais, momento no qual o partido e o governo precisam desesperadamente de alguém que articule com firmeza com personagens como Gilberto Kassab e Valdemar da Costa Neto, outrora parceiros de crime do PT, nem que para isso seja necessário usar a ferramenta que José Dirceu utiliza com habilidade quase inigualável.
O que dá para afirmar, quase com certeza, é que a cena do crime está completa novamente – e ainda com um chuchu de brinde.
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