Vai me dizer que você já não suspeitava que esse angu era mais caroço que angu? Vai me dizer que você nunca suspeitou que existia uma ala paralela nessa bagunça toda que produzia essa fartura de materiais sobre a vida alheia, quem sabe até a sua ou a minha? Vai me dizer que você acreditava – mesmo – que tudo o que aconteceu na alta casa judiciária e na alta casa eleitoral desde 2017, em especial nos últimos 5 anos, foi feito sob a mais ampla e transparente lisura que o rito exige?
Bem, se você me lê, ou lê alguns dos colegas da Revista No Ponto Do Fato, é sinal que você não suspeitava, suspeitou ou acreditou em nada disso. Pelo contrário, sempre teve certeza de que estamos nas mãos de gente muito perigosa, com vieses autoritários e, já que chegaram até aqui sem ninguém se opor a eles, dispostos a ir até onde for possível para controlar o país e instalar aqui um regime que eu já nem saberia dizer o nome. Em artigo recente que postei no X, se não me engano, eu arrisquei que seja uma Ditacracia ou uma Demodura. Continuo na dúvida.
Ficar entrando nos meandros de quem falou o que para quem, com ordem de quem, para punir quem, é chover no molhado. Os noticiários estão lotados de reproduções dos diálogos em detalhe. O ponto do fato aqui é que, agora, é público e notório que mais uma sequência de ilegalidades foi revelada, se juntando a tantas outras que começaram no dia em que o presidente da alta corte na época, em conluio com o presidente do Senado também à época, rasgaram a Constituição Federal a quatro mãos e preservaram os direitos políticos da estocadora de vento, que deveriam ser cassados junto com o mandato, como manda a lei. Depois vieram com a revisão da prisão após condenação em segunda instância, infernizaram o governo Bolsonaro do dia da posse até hoje, no meio liberaram Dilmo da cadeia, colocaram ele na presidência da república, e a Constituição Federal que se DANE.
A questão importante é se alguém vai fazer alguma coisa que não seja manifestação no domingo para balançar bandeirinha. Se isso resolvesse, nada disso teria acontecido. Não resolve. E se não for às ruas para ficar, melhor ficar em casa. A coisa só vai funcionar quando as pessoas entenderem o propósito final de ir às ruas. Não adianta juntar milhares de pessoas que vão ouvir, gritar, bradar, chorar, e depois vão para casa com a sensação de dever cumprido, nutrida pelo gritos, brados e choros, e, ansiosamente, fica aguardando um novo escândalo para ir às ruas num domingo mais uma vez. E mesmo assim costuma-se aguardar um compilado de escândalos para serem reclamados num domingo só.
Fácil falar, né? Mas tem que começar de algum jeito, e considero uma maneira excelente o modelo que foi usado na campanha das Diretas Já, quando as manifestações eram feitas perto das 19 horas, em locais centrais, facilitando a vida de quem quer participar, mas muitas vezes não tem grana para se deslocar num domingo para a Avenida Paulista, ou Praia de Copacabana ou cenários semelhantes. Fora a quantidade de motivação que a pessoa tem que ter para sair de casa num domingo, se deslocar, enfrentar horas de sol ou de chuva – ou os dois no mesmo dia. Tem que ter muita vontade de agitar bandeira e ouvir discurso, mas a vontade de provocar a mudança fica quase sempre na retórica.
Vivemos em um estado policialesco, com perseguição judicial-político-ideológica. Só a sequência dessas palavras já demonstra que algo errado não está certo. Mas, enquanto estava na esfera da política, sobre a qual sempre soubemos da podridão, e ainda tivemos a Lava Jato a nos esmiuçar os detalhes, a gente estava até gostando. Quando era com o oponente, então, mais ainda. Mas, quando o jogo virou, nós demoramos a entender o tamanho do B.O. e já era tarde. O estado policialesco está na nossa porta, escolhendo em qual vai bater, e pode ser qualquer uma que possa desagradar o enredo planejado. E tome desmonetização, suspensão de site, rede social, canal, ganha pão honesto de muita gente que comete o crime de dar sua opinião sobre os fatos. E o Dilmo é presidente da república.
As &moralidades nos transformaram num país cujo momento político costuma anteceder à processos ditatoriais ou autocráticos. O maior exemplo é a casa alta judiciária, que em 5 anos tomou conta do Brasil, políticos, jornalistas, empresas, empresários, cidadãos comuns, qualquer “Mané” que perdeu para a força do estado por ter opinião ou por ter pintado uma estátua com batom. Foi esta mesma casa que contribui escandalosamente para que o governo Bolsonaro não andasse, para que ficasse permanente exposto, para que não se divulgasse para mostrar o que o governo fazia de bom, sempre criminalizando quaisquer ações, tendo como braço a imprensa velha, avalizando qualquer bobagem que tenha timbre oficial como se fosse a única verdade possível para os fatos.
Arrisco dizer que surpresa com estes acontecimentos, se é que você teve alguma, se deve mais ao fato do assunto estar sendo divulgado do que dos acontecimentos propriamente ditos. Que existia, claro que existia! E ainda vai existir por muito tempo. Nessa empreitada, todos são coniventes, “parças”, ou chame como quiser. Tudo ali é negócio, e têm negócios ali que nem teoria da conspiração consegue propor. E ele sabe que pode, porque tem um nível de segurança de que realmente está absolutamente seguro, e porque ninguém ousou colocar freios, e tem “parças” ali que não concordam com tudo – mas não tem coragem de discordar de nada.
Há uma controvérsia sobre quem manda em quem, mas vou colocar em uma pergunta?
A resposta vale alguns milhões de dólares. Enredos políticos costumam revelar vilões improváveis, condenar inocentes, e estamos vendo isto acontecer há muito tempo, como nunca antes neste país, eu diria. Quem de fato manda nessa bagunça? Quem é a hierarquia? Quem manda em quem? Quem define o que? Ou alguém acha que é tudo no vai da valsa? Estamos falando de uma organização, independentemente da sua finalidade, é uma organização, e a finalidade é a pior de todas. Poder, dinheiro, poder, dinheiro, poder, dinheiro, e nunca sai disso. O que não está certo na equação é que, tanto o poder, quanto o dinheiro, são obtidos com o acometimento de crimes. E a conta somos nós que pagamos. Ficamos apegados a ideia das lagostas e dos vinhos premiados, mas, para essa formação que tem lá, se fosse coxinha com Ki-Suco já seria caro.
Até a &moralidade precisa ter um limite, mas existe pouca disposição e pouca força para promover mudanças onde elas precisam acontecer. Vejo constantemente a cobrança sobre o presidente do senado, mas não é possível esquecer que antes dele – e provavelmente depois novamente – quem sentava na cadeira era Alcolumbre, que hoje preside a CCJ do Senado. As mangas das togas começaram a ser colocadas de fora quando ele era presidente, e ainda contava com Maia comandando a outra casa. As conivências com os desmandos vêm de lá, e o que acontece hoje, e aconteceria com qualquer outro da turma que estivesse por lá, é mera questão de gravidade, de cima para baixo e agora está caindo no nosso colo.
O horizonte próximo não prenuncia mudanças. O sistema é forte, e reage cada vez mais forte quando é colocado contra a parede. O pior é que faz efeito. Dezenas de milhares de advogados já não sabem mais o que é o Direito, professores de Direito têm vergonha de ensinar o que está na Constituição Federal e ao mesmo tempo ter que explicar porque ela não é cumprida, ou então inventar malabarismos retóricos e distorcidos para validar a invalidade. As &moralidades continuarão, com força inversa desproporcional. Cada vez que levarem uma pancada, revidarão mais e mais forte, até que essa briga dê em alguma coisa, ou nos livramos deles, ou eles se livram de nós - o que já estão meio caminho andando, e continuam sem freio.
Espero que o tema não cai no esquecimento, como, por exemplo, a enchente no Rio Grande do Sul, a ditadura venezuelana, as maletas do Renan, os 51 milhões das malas do Gedel que foram devolvidos para ele, o presidiário que foi tirado da cadeia para ser presidente... É memória curta demais para um país que precisa e gostaria de evoluir. Mas até disso a gente esquece.
Tem alguma novidade aí?
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