Nos meus 20 e poucos anos, talvez até menos, li um artigo de Gabriel García Márquez, publicado no O Globo ou Jornal do Brasil, na qual ele expunha uma visão pessoal da ditadura e da democracia. Segundo “Gabo”, como era chamado, a ditadura é um regime mais honesto do que a democracia. Enquanto na democracia a ideia de que as liberdades nos permitem tudo, quando, de fato, não é bem assim que funciona, na ditadura todos sabem o que podem e o que não podem. Não existiriam dúvidas na ditadura, como as certezas em uma democracia não seriam assim tão certas. Infelizmente, nunca mais achei este artigo — e procurei algumas vezes.
Penso que o que vivemos no Brasil é o misto desta definição de García Márquez, o que diria ser o tipo de regime mais desonesto possível, pois, não se assume que vivemos em uma ditadura, mas também não se “desassume” que já não é mais uma democracia. Está na Constituição Federal que, nos artigos que estão nela e nas leis derivadas destes artigos que estão nos códigos do direito, nossas liberdades nos permitem tudo. Mas, sabemos bem que não é assim que funciona. Em tese, cada um de nós pode dizer o que quiser para quantas pessoas quiser pelos meios que quiser. Na prática, isto só vale até que um censor de toga decida, por si só, ou, convenientemente, provocado por parceiros — ops! — terceiros, que nada disso pode.
A fiscalização permanente do que é dito nas redes sociais, e a ideia permanente de que elas têm que ser “regulamentadas”, nada a ver com discurso de ódio, fake news ou desinformação. Trata-se, mesmo, de tentar controlar os danos que a verdade causa ao sistema. Colocá-las sob controle é fazer com que deixem de ser redes sociais para se transformarem em redes socialistas, com base no mesmo princípio de igualdade que tal regime promete, sempre nivelando por baixo, pela mediocridade, de modo que o discurso seja sempre raso — e nunca contra o regime.
Os bilhões de reais “investidos” na velha imprensa, na mídia paga, são inúteis porque àqueles que antes ficavam na sala para assistir o que o jornalismo padrão falava, hoje estão na internet lendo, vendo e ouvindo a realidade com a qual convivem diariamente. E não apenas isso. Também estão produzindo conteúdo. A tecnologia transformou qualquer cidadão em repórter, escritor e opinador. Ok. Tem muita coisa ruim? De baixo nível? De baixa qualidade? Tem. Mas tem porque não existe o filtro do politicamente correto, não têm cenários caríssimos, não têm apresentadores com roupas elegantes, não têm vinhetas produzidas por Hans Donner, não tem ilusionismo midiático.
Com a internet e o celular as pessoas se apresentam como são, de cara limpa, com as roupas que usam diariamente, sem maquiagem, sem iluminação, sem pauta ou texto rebuscado. Emitem suas opiniões de acordo com seu próprio entendimento. Falam para milhares de pessoas o que antes só conseguiam falar para quem estava ao seu redor. E o que o sistema não entende e abomina é que isso é a verdadeira democracia, da qual se origina a liberdade de expressão, o livre pensamento — e talvez este último item o mais grave para o sistema. Pessoas que pensam livremente e, também, expressam livremente o que pensam são as que o sistema não conseguirá converter, sendo prioridade calar todas elas para que não “contaminem” outras pessoas com as mesmas ideias e propósito.
O Brasil está andando numa linha extremamente tênue entre a ditadura e a democracia porque sabe o preço das duas. Em pleno ano de 2024, assumir uma ditadura tem um custo altíssimo para um país do tamanho do nosso: pela repercussão que isso causaria na imagem e nos negócios do país diante do mundo, mesmo sendo ele, hoje, lotados de globalistas, socialistas e gente que adoraria fazer o mesmo em seu país. Mas não para aí. Como baixar por decreto uma ditadura num país com 210 milhões de habitantes? E quem quiser comparar com a China, é muito simples. Quando Mao Tse Tung baixou a ditadura por lá, a China era um país esfacelado, extremamente pobre, acabava de sair do domínio japonês num pós-guerra no qual cada país estava preocupado com seus próprios BOs, e ainda assim foi preciso matar 70 milhões de chineses para conseguirem o que queriam. Não tinha internet, direitos humanos, ONU e ninguém preocupado ou com poder para falar nada.
Por outro lado, manter uma democracia com tudo aquilo com o qual ela se define e o que ela representa é dar um atestado de desistência de implementar no Brasil o socialismo com o, qual Dilmo e sua turma sempre sonharam. E também não fica só nisso. A manutenção da democracia significa, necessariamente, a culpabilidade e punição de todos que atentaram, de verdade (nada a ver com o 8 de janeiro) contra ela, com abuso e autoridade, autoritarismo, ilegalidades e inconstitucionalidades em série, subversão da realidade. E esse é o preço que eles não estão dispostos a pagar.
Este meio-termo, entre uma ditacracia ou democradura, porém, não conseguirá se sustentar por muito mais tempo, e devemos agradecer, principalmente, ao Dilmo. O desgoverno ao qual estamos submetidos está contribuindo fortemente para que o povo brasileiro, inclusive quem votou nele ou o apoiou, se revolte com a realidade dos fatos. Em apenas 1 ano e 5 meses já estamos em uma situação próximo do que a estocadora de ventos levou 5 anos e meio para fazer. Em sua saga para se vingar de seus algozes e da população que comemorou sua prisão, Dilmo meteu o pé no acelerador para garantir que em sua lápide possa constar escrito “aqui jaz o cara que se vingou do Brasil”.
A decisão final sobre o que seremos em breve, só depende de nós, cidadãos e eleitores que têm o mínimo de discernimento para contribuir para sermos um país melhor, seja votando direito, que significa jamais votar na esquerda novamente, ou compartilhando ideias e pensamentos que ajudem a esclarecer os incautos e os incapacitados cognitivamente, enquanto ainda temos essa prerrogativa. O primeiro passo para isso (e espero que os amigos gaúchos prestem bem atenção neste trecho) está nas eleições municipais daqui a 5 meses. Cada prefeito ou vereador de esquerda eleito é uma pá de cal a mais no futuro do município, do estado e do país. E se forem muitos, em 2026 a coisa poderá ficar ainda pior, pois a base de uma eleição geral está na capacidade política de um município eleger os candidatos apoiados pelos políticos da situação local.
Quanto mais medo tivermos do ministro Senka-Belo e seus togados amestrados, mais terreno estamos dando para que o projeto “cala boca não morreu p... nenhuma” avance sobre nós. Pense que eles podem até nos calar nas redes sociais, mas não podem nos proibir de pensar e conversar com as pessoas na nossa vida privada. Mais do que isso, não podem e não tem capacidade para prender ou matar milhões de pessoas como fizeram os comunistas russos, chineses, cubanos, norte-coreanos, nicaraguenses e venezuelanos quando resolveram se apropriar de seus países. Não estamos mais no precário início do século XX, não estamos no pós-guerra e não temos o tamanho territorial ou populacional da Nicarágua ou da Venezuela. E o mais importante: nós acordamos.
Gabriel García Márquez era um comunista apaixonado pelo poder e pelos poderosos, especialmente os ditadores. Mas, como disse seu biógrafo britânico, Gerald Martin, os ditadores também eram apaixonados por “Gabo”, e ele sabia muito bem se aproveitar disso.
Que o Brasil não viva sua própria versão de "Cem anos de solidão" (acredite, li 3 vezes). "Nos tempos do cólera" já estamos vivendo, mas, ao contrário do romance de García Márquez, não tem O amor. É ódio mesmo, e a cólera não é uma doença, é de um doente.
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