O conhecimento liberta. Essa é uma das verdades incontestáveis da humanidade, que nenhum governante ou regime é capaz de desmentir, ou esconder, pois ela é e sempre foi o motor que fez a humanidade evoluir. Toda proposta de censura imposta ao ser humano se resume ao exato oposto: toda falta de conhecimento aprisiona. Um exemplo simples é o analfabetismo.
Cito um caso recente. Em função da pintura de um imóvel, me relacionei com um pintor para o qual eu mandava mensagens escritas pelo WhatsApp e não recebia respostas. Só era respondido quando enviava áudios. Conversando pessoalmente, ele me revelou ser analfabeto. Perguntei como ele fazia para identificar os interlocutores quando precisava conversar e ele me disse que era pelas fotos dos perfis, ou por áudios enviados quando os perfis não tinham fotos. Um homem de 52 anos e que não se interessa mais por aprender a ler e escrever, o que eu chamaria de autoaprisionamento.
O povo brasileiro, que só se informa por meio de áudios e vídeos, vive no que eu chamaria de analfabetismo em regime semi-aberto. A evolução da tecnologia parece andar par e passo da involução da capacidade cognitiva, um risco que se amplia cada vez mais com o (mal) uso da Inteligência Artificial, o que, para muitos, começa a dispensar exatamente o que nos difere dos demais seres vivos que habitam este planeta. Quem não lê, não consegue entender ou dar significado aos acontecimentos por conta própria, não desenvolve complexamente a capacidade de pensar, e entende o mundo pelo que ouve ou vê na voz e na interpretação de terceiros.
A maioria dos brasileiros não compreende o que acontece no Brasil, muito menos no mundo. Não faz a menor ideia do que é IOF, inflação, taxa Selic, reunião do Copom, Banco Central, estado democrático de direito, cláusula pétrea e todo tipo siglas e de expressões que a mídia televisada e falada cospe nos noticiários sempre acompanhadas do viés ideológico que se aproveita da simplicidade e limitação dos analfabetos em regime semi-aberto de consciência. Não compreende como tais siglas e expressões impactam direta e diariamente suas vidas, e medem a economia através das contas que é obrigado a pagar.
É querer muito que esta maioria se junte aos que lutam contra a oligarquia corrupta que comanda este país. Para ela, políticos e juízes são personagens dos quais gostam ou não gostam pelo que ouvem e não pelo que são capazes de pensar. Débora, a cabeleireira do batom, é terrorista porque os noticiários disseram que é e não porque a justiça a acusa de ser, já que o que vale é a narrativa ao invés do embasamento jurídico pelo qual foi condenada. A economia "vai bem" porque Miriam Leitão e Willian Bonner dizem isso todos os dias, ao mesmo tempo que acusam os verdadeiros geradores de riqueza de serem os únicos causadores da pobreza.
Poucos entendem o que significa separação de poderes, usurpação de poderes, ADIs, ADOs, ADCs, ADPFs (veja quadro abaixo), como são usadas, quem pode usar ou quando pode ser usada. E quando o governo vai ao STF com uma ADI questionando decisão do Congresso Nacional de derrubar o aumento do IOF, para o analfabeto em regime semi-aberto, isso soa “grego”, sem a menor noção de quem está certo ou errado na história, sendo provável formar sua opinião pelo dito no Jornal Nacional.
Pergunte a um cidadão ou cidadã na rua o que pensa a respeito do evento de Gilmar Mendes em Portugal, o que acha dos ministros do STF terem se dado direito a ter segurança para o resto da vida, se acham correto políticos e juízes desfilarem pelos céus do país em jatinhos da FAB ou se refestelarem em almoços, jantares, coquetéis, painéis, simpósios e eventos frequentados por advogados e empresários que têm interesses na criação, alteração ou revogação de leis ou causas de bilhões no judiciário.
Estamos vivendo uma guerra entre os poderes da república e a maioria da população brasileira não faz a menor ideia de que isso está acontecendo. O embate entre o Congresso Nacional e o governo está chegando a um ponto extremamente crítico; e a provável entrada do judiciário nessa briga pode significar a maior crise institucional da nossa história. O pano de fundo é o IOF, mas o que está em jogo é a gastança desenfreada de um governo irresponsável, corrupção, emendas parlamentares (mais uma coisa a perguntar se o povo sabe o que significa), eleições 2026 e, sobretudo, poder.
Curiosamente, o caos também pode ser libertador. Resta saber quem explode primeiro.
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