Num estúdio refrigerado, vestindo a couraça da sabedoria de redação e a armadura de credenciais do mainstream, Eliane Cantanhêde — sim, ela mesma, colunista de toga e juíza dos conflitos do Oriente — lançou ao mundo a pergunta que nenhum estrategista, militar ou analista ousou formular:
“Mas por que os mísseis do Irã não matam mais ninguém? Só uma mortezinha aqui, outra ali…”
Com um sorriso que beira o deboche e um ar de quem está pedindo mais emoção no noticiário, a comentarista conseguiu em poucos segundos o que o regime dos aiatolás não conseguiu com 300 mísseis: expor seu despreparo técnico, sua leviandade ética e — por que não? — um certo perfume azedo de antissemitismo disfarçado de tecnicalidade mal formulada.
Depois veio a desculpa: “Formulei mal a pergunta técnica.” Ah, claro. Porque todo mundo sabe que a técnica moderna de jornalismo investigativo envolve rir enquanto se questiona a baixa taxa de mortalidade de judeus num ataque de mísseis balísticos. Deve estar no manual. Capítulo: “Como soar fria e superior enquanto confunde eficácia militar com falta de espetáculo sangrento.”
Vamos esclarecer, já que nem todos os comentaristas têm esse costume:
Israel não tem baixa mortalidade porque os mísseis iranianos são de brinquedo. Tem baixa mortalidade porque investe há décadas em bunkers, sistemas antimísseis (sim, aquele tal de Domo de Ferro que funciona melhor que o sensor de ironia da GloboNews), educação civil para emergência e inteligência militar.
Morrer pouco em ataques de mísseis não é um problema técnico — é uma vitória da civilização contra a barbárie.
Mas no Brasil, ao que tudo indica, há quem sinta saudades da carnificina. Gente que assiste noticiário torcendo por uma contagem de corpos mais robusta, como se a eficácia de um ataque se medisse pelo tamanho do velório coletivo. Talvez isso aumente os pontos no Ibope.
Eliane, com todo respeito, o Brasil não é mais o Brasil de Oswaldo Aranha, o estadista que presidiu a sessão da ONU que criou o Estado de Israel. Não. Hoje temos formadores de opinião que se perguntam, com tom de lamento, por que a carnificina não foi mais eficiente.
Desculpe, Israel. Desculpe, povo judeu. Este não é mais o país que uma vez liderou a luta pela sua dignidade.
Mas não percam a esperança. Oswaldo Aranha pode estar morto, mas pelo menos — vejam só — morreu de causas naturais, o que certamente decepcionaria alguns comentaristas que preferem “mortezinhas” de impacto.