Era uma vez uma democracia. Não perfeita, mas funcional — pelo menos no papel timbrado das constituições. Essa democracia, ao longo das décadas, gostava de se ver ao espelho, vestida de pluralismo, liberdade de imprensa e debate público. Bonita, mas vaidosa. Com o tempo, começaram a aparecer rugas, especialmente ao redor da boca — e foi aí que começaram os gritos.
Sim, gritos. Manchetes. Quebras de sigilo. Vaza-jatos. Especialistas de Twitter. Juristas de TikTok. E o apocalipse anunciado… todos os dias, em até cinco episódios. A mídia tradicional, coitada, vendida por um grama de verba institucional e dois de publicidade estatal, perdeu o glamour. Virou a senhora decrépita da informação. Mas a tal da “nova mídia” — os valentes dos vídeos caseiros, do tripé torto e da retórica inflamada — não fez diferente. Apenas filmou a decadência de outro ângulo.
O que temos hoje é a bolificação total da opinião. A democracia foi particionada, não por correntes filosóficas, mas por hashtags. E pior: hashtags com erros de ortografia. Não há mais debate público. Há lives. E nos intervalos, shorts com fundo de trap music. A tragédia da democracia moderna é que ela já não produz cidadãos — ela produz seguidores. E seguidores, sabemos, não leem. Eles clicam, compartilham, colapsam emocionalmente e voltam no dia seguinte para mais uma dose de indignação fresca.
A isso poderíamos chamar de “infotoxicação bolhificada” — um nome que nenhum instituto sério usaria, mas que resume bem a epidemia. A realidade virou um poliedro de sabão: múltiplas bolhas frágeis, escorregadias, que refletem o arco-íris de convicções fabricadas, prontas para estourar na próxima polêmica reciclada. A pauta única — seja o Foro de São Paulo, o foro íntimo ou o foro privilegiado — se estica até o limite da credulidade, porque é mais fácil manter a audiência no mesmo frame do que educá-la a pensar fora dele.
E assim, os nossos intrépidos comunicadores alternativos, sedentos por engajamento, reproduzem a histeria de que tanto zombavam. A manchete virou grito, o grito virou roteiro, e o roteiro virou plano de negócios. A opinião virou produto de escala. A verdade? Uma variável secundária, talvez útil para SEO.
Chegamos então ao paradoxo final: a liberdade de expressão, quando usada como desculpa para a expressão sem liberdade interior, se torna apenas ruído. E como todo ruído constante, ela anestesia. O sujeito já não ouve o mundo — ele apenas ouve a si mesmo reverberado em múltiplas bolhas, com eco digital, palmas automáticas e monetização ativada.
A democracia, antes vibrante, está hoje trancada num closet espelhado, cercada de bolhas. E como toda diva decadente, ela ainda acredita que está sendo aplaudida, quando na verdade está apenas sendo assistida. Sozinha.
Eu acompanho muitos YouTubers e expoentes — seletivamente — seja pelo carisma, pela inteligência, pela competência… ou por todos esses ingredientes juntos. Alguns, inclusive, eu apoio financeiramente. Mas fiquem avisados: estou de olho!