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O SISTEMA É INVENCÍVEL, DESDE 1500

Existe jeito para o Brasil. Só não é do jeito que a gente quer.

Hermínio Naddeo
Por: Hermínio Naddeo Fonte: Opinião
02/05/2025 às 13h48
O SISTEMA É INVENCÍVEL, DESDE 1500
Imagem Agência Brasil

Logo cedo, quando peguei meu celular, vi que um amigo me ligou ontem à noite, às 23:50. Como não atendi, em seguida ele deixou duas mensagens.  Achei estranho. Um amigo que raramente me liga, ligar às 23:50 e deixar duas mensagens de áudio, já imaginei que tinha alguma notícia ruim por trás. Mas não era.

Meu amigo estava indignado com a soltura de Fernando Collor. Ele começa questionando que comorbidades teria Collor para merecer tamanha demonstração humanitária do STF e da PGR. E questiona se as tais comorbidades seriam “cleptomania, corrupção, falta de vergonha”... Bem, estão alegando que ele tem Parkinson, apneia do sono e transtorno bipolar afetivo. Uau!

E continua meu amigo… “Collor foi criado pela mídia. Como ele não deu todos os quinhões a quem achava que tinha que receber e, derrubaram ele! Ai ele ficou quietinho, sorrateiro, e entregaram uma subsidiária da Petrobras na mão dele, para ele roubar bilhões – a gente fala milhões, mas sabe que é bilhões, e agora prenderam o cara, a gente pensa que moralizou um pouquinho, e soltam ele de novo ”.

Na sua expressão de indignação, esse meu amigo chega a dizer que, se fosse eu, desistiria de escrever textos, se desculpa por dizer, e em seguida afirma que “esse país não tem jeito", país de políticos vagabundos, de gente lixo, país de %{{%%ltplaceholder%%}}amp;()#, ¨%$#*(*, e outras coisas indizíveis por aqui, mas que você pode traduzir como achar melhor.

Aí ele fala da suprema corte, fala de crime organizado, fala da ideia esdrúxula de Rodrigo Pacheco se candidatar ao governo de Minas Gerais e conclui com a frase mais expressiva de sua indignação, quando diz que “o sistema é invencível, desde 1500” (que dá título a este artigo), solta um "pqp", me pede desculpas pelo desabafo e me sugere escrever um artigo sobre essa situação do Collor.

Dia 28 de abril, postei no X (antigo Twitter – sempre fico na dúvida se é preciso avisar isso, mas...) que as pessoas fizessem suas apostas em quanto tempo Collor ficaria preso. Apostei em uma semana. E foi exatamente uma semana, ele foi preso no dia 23 de abril. Era óbvio. Ninguém cala Fernando Collor como calou Daniel Silveira.

O sistema não perdoa Collor por apoiar Jair Bolsonaro em 2022. A corrupção seria perdoável, se ele não tivesse apoiado a direita contra Lula na última eleição. Mesmo assim, Collor não é um arquivo que se queime como fizeram com Celso Daniel; não é uma cabeleireira Débora, que não tem os mesmos meios e conhecimentos que Collor tem, que não sabe o que ele sabe.

Sérgio Cabral, condenado a mais de 400 anos de prisão, vive em uma cobertura de frente para o mar, com piscina de borda infinita, e já teve anuladas sentenças provenientes de confissões dele mesmo, inclusive validando e produzindo provas. Dias Toffoli anulou as sentenças de Antonio Palocci, o mais profundo testemunho de réu confesso produzido na Lava Jato.

Quando leio ou escuto alguém dizendo 'esse país não tem jeito', penso no quanto essa definição acaba por nos isentar da responsabilidade de participar de uma mudança. Se não tem jeito, para que me esforçar se meu esforço não servirá para nada? E não critico quem vê a coisa dessa maneira.

Existe jeito para o Brasil. Só não é do jeito que a gente quer.

Não é imediato. Não depende apenas do que acontece dentro do Brasil. Não é o fato do topo da pirâmide mandar, mas de ter uma enorme base que obedece. Não acontecesse sem povo, sem participação e sem embasamento que o habilite a observar o todo para analisar o que realmente está acontecendo. E, fundamentalmente, não acontece sem vontade de fazer acontecer.

Em 2022, o Brasil foi avisado do que aconteceria caso Lula fosse eleito. E foi eleito. Sob suspeita, ou não, ele é o presidente do Brasil e está fazendo exatamente o que disse que faria. Lula está realizando seu sonho de revolucionar nosso país nos moldes venezuelanos e está fazendo isso com raiva, se vingando do povo brasileiro que comemorou sua prisão e não o respeita, ocupando o cargo que tem.

Enquanto nos preocupamos com o que Lula faz lá no topo, deixamos de dar atenção para coisas nas quais podemos e devemos participar. Os conselhos municipais e estaduais estão ocupados pela base que sustenta esse topo, definindo normas que são impostas às câmaras de municipais e assembleias legislativas, colocando vereadores e deputados estaduais em “saia justa”, transformando em leis, municipais e estaduais, absurdos que impactam na saúde, na educação, na assistência social, na infraestrutura, na economia, na segurança pública, e por aí vai.

Muitas destas leis acabam se transformando em leis federais, e, absurdo após absurdo, por falta de conhecimento e participação, tudo é normalizado pela sociedade, aos poucos vai se transformando em cultura, e os absurdos vão sendo impostos na mesma proporção que a sociedade vai se afastando de participar da decisão.

Pais que não frequentam reuniões escolares, moradores que não sabem nada sobre a associação de moradores de sua localidade, cidadãos que não sabem do que acontecem nos conselhos, nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas, na câmara dos deputados, no sendo federal... Mas sabe tudo o que acontece no BBB, no futebol, no TikTok...

Além do entretenimento e da tecnologia, que muda a dinâmica da juventude atual, muitos pais jovens, até por questões de trabalho, não participam. Possivelmente, porque seus pais já não participavam de nada, talvez nem seus avós tivessem participado para ser exemplo para a família. Gerações que leram e escutaram muitas vezes que o Brasil não tem jeito. Tem jeito sim. Mas leva tempo.

Por que ainda escrevo meus artigos?

Porque, se você leu, já valeu a pena ter escrito, mesmo que você tenha sido a única pessoa que leu. Porque não consigo deixar de expressar a maneira como vejo os acontecimentos, por vocação, sei lá, de despertar em quem me lê um ponto de vista que colabore na maneira como forma sua opinião - mesmo que diferente da minha.

Para que um amigo indignado pense em mim às 23:50, quando se sente vontade de pôr para fora sua indignação cheia de questionamentos e desânimos, me sugerindo escrever um artigo sobre isso?

Escrever é meu jeito de participar da mudança possível na qual acredito, certo de que não estarei mais por aqui quando acontecer com a profundidade necessária para produzir os efeitos que todos esperamos. Talvez seja por isso que continuo escrevendo, e pelo incentivo dos leitores e amigos que fazem alguma referência ao meu trabalho quando pensam em política, é quando minha participação faz algum efeito.

 

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Lúcio Laboissiere Há 1 semana BH - MGNaddeo, Você mescla uma visão realista com o otimismo de quem consegue realizar algo saindo da inércia e deixando para trás o "muro das lamentações". É disso que precisamos. As pessoas precisam parar de entregar o seu poder aos outros. Esses outros, que normalmente dominam tudo devido à nossa inação e ao desamparo aprendido, estão felizes com a nossa indignação vazia. Vamos seguir adiante com muita força, com esperança na vitória que vem àqueles que perseveram até o fim sem parar de semear.
Fonseca PEDRO Há 2 semanas Rio de JaneiroSIMPLESMENTE UMA DELÍCIA DE REAL. PÔ, VIVI TUDINHO DE 1946 ATÉ HJ.
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