Dizem que a salvação da democracia reside nas urnas.
Ingenuidade.
Não nas urnas eletrônicas, aquelas caixas mágicas em que apenas uns poucos iniciados — curiosamente sempre os mesmos — podem atestar, com ar grave e cenho franzido, que a vontade popular foi perfeitamente traduzida em números místicos e irrecorríveis.
Não. A verdadeira urna que poderá libertar a humanidade é outra: a urna funerária.
Talvez tenha chegado o momento de reconhecermos que o maior inimigo da democracia é a própria política, e que a única votação verdadeiramente honesta será aquela que selará, com tampa de carvalho e epitáfio de mármore, o cadáver inchado do sistema representativo.
Se a urna eletrônica nos prometeu transparência e nos deu opacidade, que a urna funerária nos prometa esquecimento e nos entregue, enfim, a lógica.
Chegamos ao tempo em que o “fim da política” não será, como temiam os antigos, o triunfo da tirania — será o triunfo da matemática.
A substituição da retórica pelo algoritmo.
A migração do voto comprado para o comando criptografado.
O fim das campanhas eleitorais, dos debates acalorados, das lágrimas fingidas, das promessas vãs.
E, acima de tudo, o fim daquela mais tóxica das vaidades: o político profissional.
Em seu lugar, o e-Government — incorruptível, imune a paixões eleitorais, surdo às chantagens do fisiologismo, incapaz de beijar criancinhas ou vender ministérios.
Uma administração lógica, objetiva, científica, cruelmente justa — tão justa que seria, para muitos, insuportável.
Assim, ao invés de renovar mandatos, renovaremos apenas firmwares.
Ao invés de alianças espúrias, estabeleceremos integrações de API.
Ao invés de ministros com “trânsito livre” em gabinetes suspeitos, teremos protocolos de autenticação multifatorial.
E será belo.
Não no sentido romântico, mas no sentido platônico: belo como a forma pura, como a equação perfeita, como a ideia de justiça sem rosto.
Por isso, quando nos perguntarem se acreditamos na salvação pelas urnas, poderemos responder, com sorriso irônico:
“Sim. Mas que seja a urna certa. Que a humanidade, por uma vez, vote pelo seu próprio funeral — e viva, enfim, sob o governo da lógica.”