As hidrovias federais do Brasil, essenciais para o transporte e a economia, permanecem em estado de abandono, enquanto o governo propõe, por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, ampliar as atribuições da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para fiscalizar essas vias. A iniciativa, que transforma a PRF em Polícia Viária Federal, busca reforçar a segurança, mas esbarra em uma realidade evidente - a falta de investimentos para recuperar e manter as hidrovias.
Sem recursos suficientes, a promessa de controle pode não passar de uma medida paliativa diante de décadas de descaso e suspeitas de corrupção.
Hidrovias: Infraestrutura Prejudicada e Crime em Alta
Com 63 mil quilômetros de rios navegáveis, o Brasil utiliza apenas 19 mil para transporte, conforme o Plano Nacional de Logística do Ministério da Infraestrutura. Hidrovias estratégicas, como as dos rios Madeira e São Francisco, enfrentam problemas graves de assoreamento, ausência de sinalização e deterioração da infraestrutura. O Tribunal de Contas da União (TCU), em auditoria realizada em 2023, constatou que apenas 30% das hidrovias federais estão em condições adequadas para navegação, deixando o restante em situação crítica.
Esse abandono abre espaço para a criminalidade. No Amazonas, pirataria e roubo de cargas em hidrovias geram prejuízos de R$ 100 milhões anuais, e mais de 4 milhões de litros de combustível foram roubados de embarcações nos últimos 18 meses, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), nos dados apresentados em reunião no início de abril de 2025. Além disso, o tráfico de drogas e armas prospera em trechos onde a presença do Estado é mínima, evidenciando a fragilidade do sistema.
PEC da Segurança e as Novas Funções da PRF
A PEC da Segurança Pública, apresentada ao Congresso em março de 2025, propõe expandir o papel da PRF, agora designada Polícia Viária Federal, para patrulhar hidrovias, ferrovias e rodovias federais. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, defendeu a medida como essencial para combater crimes nas vias aquáticas, afirmando em encontro com governadores que “as hidrovias são rotas vulneráveis que exigem ação integrada”, conforme registrado pela Agência Brasil. A proposta prevê a inclusão da PRF no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), articulando-a com a Polícia Federal.
O diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Oliveira, empossado em 2023, planeja fortalecer a corporação, que hoje conta com 13 mil agentes, número estagnado desde o governo anterior. Em entrevista ao Estratégia Concursos, ele destacou a necessidade de novos concursos, mas o orçamento do MJSP para 2025, fixado em R$ 18 bilhões (Portal da Transparência), não prevê recursos adicionais significativos para ampliar pessoal ou equipar a PRF para essa nova missão.
Falta de Investimentos e Suspeitas de Corrupção
A precariedade das hidrovias não é apenas resultado de falta de prioridade, mas também de gestão ineficiente e indícios de desvios. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), responsável pela manutenção dessas vias, recebeu apenas R$ 1,2 bilhão em 2024 para gerir rodovias, ferrovias e hidrovias. Um relatório do TCU, publicado em março de 2025, revelou que 60% dos projetos de dragagem — fundamentais para viabilizar a navegação — não foram executados devido a “insuficiência de recursos e falhas de planejamento”.
Mais grave ainda são as suspeitas de corrupção. Em 2022, o Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para apurar o desvio de R$ 45 milhões em contratos de manutenção da Hidrovia Tietê-Paraná, envolvendo empresas fictícias e licitações irregulares, conforme noticiado pelo G1. Até o momento, não houve condenações, mas a investigação permanece ativa, lançando sombras sobre a gestão dos recursos. O ex-ministro dos Transportes Marcelo Sampaio, que deixou o cargo em 2022 após promessas não cumpridas de revitalização, foi sucedido por Sílvio Costa Filho, atual titular do Ministério de Portos e Aeroportos. Em reunião com Lewandowski em 2 de abril de 2025, segundo o MJSP, Costa Filho reconheceu que “a integração entre segurança e infraestrutura é essencial, mas depende de financiamento adequado”.
Impactos e Desafios
A ampliação das funções da PRF pela PEC da Segurança Pública pode fortalecer o combate ao crime nas hidrovias, mas, sem investimentos para revitalizar a infraestrutura, a medida corre o risco de ser insuficiente. O avanço do crime organizado em regiões como o Rio Solimões reflete a ausência prolongada do Estado, enquanto o transporte de cargas segue caro e ineficiente, afetando diretamente a economia e a população. As suspeitas de corrupção, somadas à escassez de recursos, agravam um cenário em que boas intenções não se traduzem em resultados concretos. Para o cidadão, resta a incerteza: como fiscalizar o que nunca foi priorizado?