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A CRISE SILENCIOSA DA ÁGUA NO NORDESTE

MILHÕES SEM SOLUÇÃO À VISTA

Maria Rosa M Pires
Por: Maria Rosa M Pires
08/04/2025 às 13h23
A CRISE SILENCIOSA DA ÁGUA NO NORDESTE

Enquanto o presidente Lula exibe sorrisos ao lado de executivos do Mercado Livre e o Congresso se debruça sobre tarifas contra Trump, uma crise silenciosa engole o Nordeste brasileiro. Milhões de famílias no semiárido acordam sem saber se terão água potável para beber, cozinhar ou sobreviver ao dia. Em 2025, a seca que castiga a região já ultrapassa uma década em áreas como o sertão da Paraíba e do Ceará, e os números gritam o que as manchetes ignoram: 30% das famílias nordestinas ainda dependem de carros-pipa, segundo o IBGE em 2024. Mas, e as soluções? Essas andam a passos de tartaruga.

O programa federal de cisternas, que já foi esperança para quem vive com o pires na mão esperando chuva, entregou apenas 15 mil unidades em 2024, conforme relatório do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS). A demanda, porém, é de pelo menos 100 mil, estima a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede de organizações que acompanha o problema de perto. Isso significa que 85 mil famílias ficaram na fila, olhando para o céu seco e para promessas que não chegam. Por que ninguém fala disso? Talvez porque um cano furado no sertão não rende foto bonita em Brasília nem ecoa nos fóruns internacionais. Mas, para quem vive lá, é uma bomba-relógio que explode em doenças, lavouras perdidas e sonhos adiados.

Números que Contam a História

O semiárido nordestino abriga cerca de 28 milhões de pessoas — 12% da população brasileira, segundo o Censo 2022 do IBGE. É a região seca mais povoada do planeta, e a irregularidade das chuvas, somada a solos rasos e rios intermitentes, torna a água um luxo. Em 2024, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) alertou -  “as chuvas no Nordeste caíram 20% em relação à média histórica, e as projeções para 2040 apontam uma redução de até 40% na disponibilidade hídrica por causa das mudanças climáticas”. Enquanto isso, 9,2 milhões de nordestinos — ou 33% da região — não têm acesso regular a água potável, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2023. E foi nesse cenário que Jair Bolsonaro, em junho de 2020, concluiu trechos cruciais da Transposição do Rio São Francisco, levando água a milhares de pessoas em estados como Ceará e Paraíba — um alívio concreto após anos de atrasos. Mas, sob Lula, a obra teria sido fechada sem dó, segundo críticos, cortando o fluxo e jogando a região de volta a problemas sociais e econômicos que pareciam superados, como a dependência de carros-pipa e a miséria hídrica.

A Operação Carro-Pipa, coordenada pelo Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) e pelo Exército, tenta apagar o fogo. Em 2023, ela levou 8,5 bilhões de litros de água a 4,4 mil comunidades, beneficiando 16,4 milhões de pessoas, com um custo de R$ 542,4 milhões, segundo o MIDR. Em 2024, o investimento caiu para R$ 500 milhões, atendendo 344 municípios em emergência, mas a entrega ainda é insuficiente. Cada família recebe 20 litros por pessoa por dia — o mínimo para beber e cozinhar —, mas a logística falha: em novembro de 2024, a operação parou por dias em seis estados por falta de repasse, deixando 1,25 milhão de pessoas na seca, como denunciou o UOL.

Cisternas: Um Sonho que Não Decola

O Programa Cisternas, lançado em 2003 no governo Lula, já foi um símbolo de convivência com o semiárido. Até 2018, entregou 1,2 milhão de unidades, segundo a ASA, armazenando água da chuva para consumo humano e agricultura. Mas o ritmo despencou. Em 2014, eram 12.426 cisternas por mês; em 2019, caiu para 2.588; e, em 2024, mal chegou a 1.250 mensais. O orçamento encolheu — de R$ 1,5 bilhão em 2015 para R$ 300 milhões em 2024, ajustados pela inflação, conforme o Portal da Transparência. O MDS culpa entraves burocráticos e a crise fiscal, mas, para os sertanejos, é só mais uma promessa que evaporou.

“Eu olho pro telhado e rezo pra chover, mas cisternas? Aqui ninguém vê faz anos”, diz Maria José, 53, de São José do Egito (PE). Ela é uma das 400 mil famílias na fila, segundo estimativas da ASA baseadas em cadastros locais. Sem água armazenada, o jeito é esperar o carro-pipa — quando ele vem.

Impactos que Não Saem no Jornal

A falta d’água não é só sede. É febre nos filhos por doenças como diarreia — que subiram 15% no Nordeste em 2024, segundo o Ministério da Saúde. É o milho que não cresce, com perdas agrícolas de R$ 6 bilhões entre 2010 e 2015, e que seguem em alta, conforme o antigo Ministério da Integração Nacional. É a vida parada, com mulheres caminhando quilômetros por um balde, enquanto o debate em Brasília fica nas tarifas e nos holofotes.

O governo Lula, em 2023, prometeu “segurança hídrica” como prioridade. O ministro Waldez Góes, do MIDR, destacou a Operação Carro-Pipa como “crucial” e anunciou planos para ampliar cisternas. Mas, em 2025, o discurso não virou cano. A ANA sugere investir R$ 10 bilhões até 2030 em infraestrutura hídrica no Nordeste, mas o orçamento federal para 2025 mal chega a R$ 1 bilhão para o setor, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).

Uma Crise Sem Fim?

A seca no semiárido não é nova, mas está piorando. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) prevê secas mais longas e intensas nas próximas décadas. Sem ação concreta, os 28 milhões de nordestinos do semiárido — quase um Brasil pequeno — seguem reféns de uma crise que não faz barulho em Brasília. “A gente vive como pode, não como quer”, resume Maria José. Enquanto o país olha para o exterior, o sertão pede um gole d’água — e uma voz que ecoe além do silêncio.

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