Me recordo do dia em que vi a minha mãe chorando compulsivamente, ouvia um rádio preto de antena que estava falando sobre a morte de alguém muito amado por ela. Com o seu abdômen prensado contra a pia de cimento, ela batia com o lado da faca no frango congelado, cortava o tempero e chorava. Eu, criança, perguntei o que estava acontecendo. A sua resposta foi: “O presidente do Brasil morreu. Um homem tão bom”...
Ela se debulhava em lágrimas. Enquanto a voz abafada do meu avô se misturava ao som do rádio que falhava em demasia a sua frequência AM, consegui capitar uma frase dele, entre um gole de café e outro: "O Brasil é um bicho que só anda quando sangra". Ele apontava para um jornal amarelado com a foto de um homem de terno. Não sei quem era. Hoje, olhando para trás, vejo que ele falava de algo muito maior: sobre uma sina que atravessa montanhas, rios e tempos, cortando o ventre de quem ousa sonhar com o progresso desse país. Minas Gerais, terra de montanhas e intrigas, é onde essa sina gosta de fincar seu punhal paradoxal.
Além do célebre fruto nacional da cidade de Diamantina–MG, Juscelino Kubitschek, que foi Presidente do Brasil de 31 de janeiro de 1956 a 31 de janeiro de 1961, marcando o país com o lema "50 anos em 5" — uma promessa de desenvolvimento acelerado —, que culminou na construção de Brasília, a nova capital. Parece haver uma coincidência conspiratória do destino nessa ponte aérea entre Minas e Brasília contra o desenvolvimento ou a libertação do povo brasileiro.
Três homens carregaram essa marca no abdômen: Tancredo Neves, João Rosa e Jair Bolsonaro. Cada um, a seu modo, viu o aço — ou a doença — rasgar suas entranhas. E o número sete, com suas cirurgias repetidas, paira como um espectro, unindo essas histórias. Mas é Bolsonaro quem transforma essa ferida em grito, em espelho. Sobrevivendo, ele mostra ao povo as facadas que o Brasil sempre levou — não só no corpo, mas na alma, nas promessas roubadas, na corrupção que sangra o país há décadas.
Tancredo, o mineiro conciliador, foi o primeiro a sentir o corte. Em 1985, às vésperas de assumir a Presidência e trazer a sonhada democracia de volta, mas seu abdômen cedeu: após sete cirurgias, 38 dias de agonia, e a morte em 21 de abril — dia de Tiradentes, outro mineiro sacrificado. Diverticulite, dizem os laudos. Sabotagem! Exclama o povo. E pelo jeito, a minha mãe fazia coro a esse grito. Perto dele, João Rosa, seu mordomo leal, caiu com as mesmas dores, no mesmo instante. Sete operações depois, morreu um dia após o patrão, em 22 de abril — o dia do descobrimento Brasil—. Coincidência? Ou um recado de que o poder, dizendo: "aqui, exige-se preço de sangue"?
Sete operações abdominais conectam esses homens, como se o estado, em suas entranhas, guardasse um segredo que insiste em se manifestar na carne dos que ousam moldar o rumo da nação. Sempre no momento em que o Brasil está em fase de desenvolvimento ou evolução social e política. Será que Minas, em momentos em que o Brasil está clamando por uma nova "Inconfidência", prefere o peso da tradição ao brilho da modernidade; mesmo que isso signifique sangrar mais?
É o que fica suspenso no ar quando analisamos a queda do jatinho de Eduardo Campos — espelhando o acidente com Ulysses Guimarães —, que seria potencialmente o presidente da República de 2014, mas que cedeu o seu lugar — morreu — para dois mineiros disputarem o posto: Aécio Neves (você já conhece o sobrenome) e Dilma Rousseff. Esta última ganhou a eleição daquele ano. E assim, o Brasil seguiu, cortado sete vezes mais pelas urnas.
Fato é que, depois da redemocratização, aconteceram sete eleições diretas, sete cortes na história: 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014. Cada uma delas, uma facada na esperança, na confiança, na moral e no anseio do povo por liberdade — que viveu desiludido e sangrando sob promessas quebradas e mãos gananciosas.
Até que, em 2018, após perceber que a diverticulite social e política não tinha cura, Deus se compadeceu e a medicação chegou. Uma força nova, de efeito antibiótico firme, prometendo se instalar nas entranhas do Brasil e extirpar a doença de uma vez por todas. O “médico”, Bolsonaro.
A multidão se unia para celebrar do lado de fora do hospital, na expectativa da "operação abdominal" que ele prometia fazer, eliminando todas as anomalias e secreções do paciente: o Brasil.
Mas Minas Gerais apareceu de novo no cenário, para cortar o abdômen do Brasil outra vez, dessa feita, em Juiz de Fora, o punhal da desgraça rasgou o abdômen de Jair Bolsonaro. O seu algoz, Adélio Bispo, advinha? Sim, mineiro de Montes Claros, tentou matar Jair com uma facada frontal. Na direção do coração de Bolsonaro, mas atingiu o coração de cada brasileiro esperançoso. Aquele foi um dia de tristeza muito parecido com o dia em que a minha mãe chorava pela morte de Tancredo. Tudo ficou cinza e, aquele povo que vibrava alegre das ruas do Brasil e de Minas, choravam e se entristeciam. Todos esperavam aquela triste notícia de 1 de maio de 1994.
E o cenário se repetia: dores abdominais, várias cirurgias, mídia em polvorosa, apoiadores ansiosos nas redes, muitos procurando culpados, notícias distorcidas; tudo lembrava o fantasma de Tancredo e de João Rosa. Mas Jair não caiu. Sobreviveu aos cortes profundos— e, na oitava eleição [2018], após os sete cortes, subiu ao poder como um símbolo vivo das feridas que o Brasil carrega.
Cada ponto em seu corpo, hoje, reflete as facadas que o povo tomou: os desvios, a corrupção, o descaso que cortam mais fundo que aço. "Quase morri", ele diz, e o povo responde: "Nós também".
Por que o abdômen?
Porque é onde guardamos o que nos sustenta — e o que nos mata. Tancredo trouxe a esperança de um recomeço. João Rosa, a fidelidade silenciosa. Bolsonaro, vindo após os sete cortes das urnas, trouxe a indignação e a resistência de uma nação exausta — mas também um espelho. Ele escancarou as vísceras do Brasil, mostrando as facadas que sangraram o país por sete ciclos, até a oitava eleição o erguer como testemunha e sobrevivente.
Mas se Minas Gerais, conhecida como terra de pão de queijo e conspirações, parece ser o palco onde essa sina se repete e, onde não é só o café que brota do solo vermelho, mas também o poder — e o preço que ele cobra com juros —, há também lá o “tanque de Betesda”, que na Bíblia é a casa de “Misericórdia”.
A CASA DA MISERICÓRDIA
Sim, foi lá que Bolsonaro foi salvo da morte. A Santa Casa de Misericórdia, que com suas paredes centenárias, parecia apenas um personagem silencioso nessa narrativa, é também testemunha de que mesmo diante do caos, tudo depende do esforço e da coragem de alguém para fazer dar certo. Não levar Bolsonaro a um hospital privado, mas optar por essa instituição pública, remete a uma ironia histórica: Tancredo e João Rosa, em suas próprias crises, também dependeram de mãos médicas em hospitais que, à época, lutavam contra a precariedade.
E a escolha do doutor Macedo e do hospital judaico Albert Einstein no lugar do Sírio-Libanês da médica Ludhmila Hajjar(declarou sua oposição a Bolsonaro em 2021) ressoa como um sinal divino de milagre. Os “sete cortes” não mataram Bolsonaro, nem mataram o Brasil.
Talvez, se Bolsonaro andasse de helicóptero ou de jatinho e não de voos comerciais em 2018 — hábito que cultiva até hoje —, teria recebido do "acaso" a mesma direção de Teori Zavascki, Ulysses e Eduardo Campos e, a misteriosa "entidade abdominal" de Minas não precisasse entrar em cena de novo. Ou isso tudo não passa de uma coincidência?
Fato é que, Jair Bolsonaro mostrando as entranhas do “paciente” Brasil a ele mesmo enquanto o opera, não é apenas uma metáfora. É um grito de emergência que ressoa nas vísceras da história brasileira, onde política, violência e mistério sempre se encontraram, mas ninguém dava importância.
Hoje, seis anos e meio depois da sua primeira facada, Bolsonaro — ainda que sentindo outros cortes desleais e injustos do seu paciente — consegue não apenas demonstrar ao povo as diverticulites e os miomas do intestino delgado do país, ele também consegue enviar esses exames laboratoriais para o exterior. O médico de hoje não é Macedo, é Bolsonaro.
É ele que, com diligência admirável, tenta eliminar esse tumor maligno que há tanto tempo consume a energia do povo, e que voltou desenvolvendo metástase no corpo do "paciente". Os tratamentos indicados por Bolsonaro surtiram efeitos de recuperação paliativa entre 2019-2022, mas esse câncer poderá ser eliminado definitivamente numa próxima cirurgia, já marcada para outubro do próximo ano.
As chances de ser o último corte são grandes, pois o objetivo é a remoção total do tumor.
De modo que, assim como Bolsonaro venceu as sete cirurgias abdominais em virtude da facada e mais duas para outros fins — num total de nove, espelhando os nove ciclos eleitorais de 1989 a 2022 —, o Brasil precisa superar as inúmeras “cirurgias” sociais e culturais, mas sobretudo as políticas, para continuar de pé.
É hora de suturar e cuidar das feridas. É hora de se fortalecer para a cirurgia definitiva no próximo ano. Chega desse ciclo cambaleante de "abre corpo, fecha corpo". É muita anestesia geral para o paciente. CHEGA DE ANESTESIA!.
O povo precisa voltar a gritar lá fora. Foi isso que sempre inspirou e energizou o médico Bolsonaro.
Sérgio Júnior