A ótica ou o viés que se terá dos prós e contras de uma relação estável ou institucionalizada sob a forma de casamento será, incontornavelmente, multifacetada.
Para os(as) detratores(as) da instituição matrimônio – os(as) solteirões(onas) de plantão –, o fator mais decepcionante de todos dirá respeito à esfera da luxúria e lascívia sexual e / ou às necessidades insaciáveis de recompensa afetivo-sensorial na busca do amor ideal.
De acordo com eles(elas) a liberdade de um dos sexos, ou dos dois, sempre acaba por ser cerceada, castrada, contrariada e limitada em troca de padrões ético-morais, de uma segurança relativa, de uma garantia para a idade madura e/ou de uma proteção para a prole que, porventura, pode até nem vir a ocorrer.
Os do contra levantam, pois, a bandeira da incompatibilidade entre as pulsões/instintos e o casamento que, assim vistas as coisas, e acima de tudo, resultará mais de uma necessidade econômica, procriativa, social, convencional e cultural do que destinado a fornecer satisfações de êxtase e volúpia.
De outra sorte, e em contraponto, sustenta-se que a vida a dois sob os auspícios de um casamento ou união de fato com relações sexuais monogâmicas, estáveis e longevas, o suportar das frustrações em comum e o projeto conjugal de se perpetuar através dos descendentes serão remédios quase infalíveis contra o mal de viver, a solidão, a depressão, a irritabilidade e as dores da existência.
Independentemente do ponto de vista que uns e outros sustentarão, ou possam ter, fato incontornável é que o desiderato dum estado passional, formalizado ou não, instituído ou não, passará por constituir uma unidade fusional em que as fronteiras de cada um, e por ambos desejada, se tenderão a esbater.
Tal experiência de dois num só proporciona sentimentos intensamente aprazíveis e inefáveis, e consubstancia-se como protótipo de todas as variedades da paleta de felicidade que é possibilitado ao Homem usufruir, conceber ou desfrutar.
Em contrapartida, e também é verdade, os maiores dissabores poderão daí advir. A pessoa sentir-se-á exposta aos mais dolorosos sofrimentos quando rejeitada, enganada, ou quando privada do objeto amado, seja por desinteresse, abandono, traição ou morte.
Outra grande verdade é que a última ratio, a derradeira decisão para que um relacionamento afetivo entre um homem e uma mulher ultrapasse a esfera das amenidades, para que ocorra de fato, chegue aos finalmentes e vingue, sempre pertence à mulher – sem sua derradeira anuência o príncipe jamais adentrará no castelo e subirá à torre... O homem que pensar o contrário permanecerá um soberbo iludido... Ou um psicopata abusador que, e para sermos justíssimos, teria de ser, no mínimo, castrado...
No âmbito instintivo, dependendo do contexto e gatilhos, e nunca esquecendo da preponderante anuência feminina, o homem (salvo raríssimas exceções) passa a não ter qualquer domínio sobre os impulsos predatórios, concupiscentes e de conquista que sempre o assolam.
É sempre a mulher, portanto, que possui o poder absoluto do não.
Ela é a soberana e a sultana na decisão de uma relação mais íntima poder vir ou não a ocorrer.
Ela deseja ser conquistada, de fato, mas o pretendente terá que o fazer, sem forçar ou perseguir e, invariavelmente, sob seu régio consentimento.
Posto isto, do alto do seu pedestal ela observará, analisará e refletirá sobre os pretendentes, e decidirá, em última instância, qual de entre eles quererá para parceiro.
Por que assim é?
Talvez porque a mulher é a expressão personalizada do princípio divino e insondável da Manifestação Criadora – ela é geradora de vida, amamenta, cuida e direciona o caminho da existência e da Humanidade.
Como tal, precisa, deve, e tem de ser seletiva.
Um pujante vetor decisório, no entanto, em todo esse processo da escolha feminina – além e extra-atração físico-química, e sentimental – é a injeção de projetos por parte do parceiro, de preferência, projetos que ela considere aliciantes, estruturantes, com requisitos de segurança, que eliminem incertezas, que tragam conforto, estabilidade e confiabilidade...
Não é o que homem possuirá, materialmente falando, mas o que ele será capaz de construir com isso – dá para entender?
E o homem que não apresente projetos estará talhado ao desinteresse, preterimento, descarte, à rejeição e à frustração...
Não é um juízo de valor, entendei!
Não vos estou a dizer que a mulher, em regra, se moverá quase que, exclusivamente, por “interesses outros” que não “o amor e uma cabana”.
Tão só a interpretar um padrão comportamental e fenomenológico que advém dum mirante e altaneiro ponto de observação, leitura e experiência da realidade.
Quando falamos de um encontro fortuito e eventual, claro está, a dinâmica de enamoramento & concertação nos moldes que acabei de referir não será, de todo, decisiva ou sequer conjecturada. Contudo, quando o que está em jogo é algo mais duradouro e perene, como a vida a dois e a formação de uma família, a racionalidade, o calculismo e a ponderação estratégica feminina impõem-se, inapelavelmente, e a tal dinâmica do projeto tornar-se-á algo, tendencialmente, incontornável.
Mas, voltando à questão do casado(a) versus solista, outro contrastante debate poder-se-á ainda colocar.
O estado de enamoramento tende a ser breve no tempo, ou melhor, tende a existir fora do tempo...
Já as características e dimensões resultantes da formação dum casal no formato convencional, são, em geral, diversas. Estes, em dessemelhança com o que ocorre na paixão e volúpia duma esporádica aventura amorosa, procuram apontar para a durabilidade. Animados pelo instinto de vida que agrega elementos tão díspares e heterogêneos, decidem enfrentar o desafio de integrar enormes contradições instintivas e desiderativas, numa perspectiva de longa duração, diferindo, claramente, de um mero namoro, caso ou ficanço que, em si, procura negar o tempo ou existir à sua margem, num êxtase fugaz, nirvânico, lânguido e evanescente...
Será, então, que no casamento a voluptuosidade e a afrodisia nos são vedadas?
Diremos, de antemão, que ele (o matrimônio), antes de qualquer outra coisa, passou, certamente, por tal (curta ou longa) inebriante experiência e conjunto de ímpares sensações;
Diremos, depois, que ele é a instituição basilar quando pensamos na importância nuclear que a família exerce no bem-estar pessoal e social, e na harmonia civilizacional.
Mas, inequivocamente, também diremos que se consubstanciará como a arte do ir além da paixão, da cedência, do anuir, da aceitação, de se desnarcisar, de se reinventar e da incessante concertação...
Todo o “bem sucedido” – seja lá o que isso quererá significar – casamento é um sacerdócio e só assim tido, visto e encarado continuará a existir e se perpetuará...
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