Antes de qualquer outra coisa que se possa escrevinhar neste distinto espaço, o que é isso de paralaxe no âmbito em que aqui nos debruçaremos?
Paralaxe cognitiva é a ação de falar de uma dada realidade, vivendo nela, portanto, estando nela inserido, mas descrevendo-a de forma irreal ou, até mesmo, e por mais incrível que possa parecer, negando-a ou excluindo-a...
Por outras palavras, é o processo mental que opera o afastamento entre a experiência real de um indivíduo e a construção teórico-linguística que ele faz sobre ela.
“Doença rara?” – perguntar-se-ão, porventura, e passe a expressão, vossas senhorias e excelências.
Muito pelo contrário, uma invariável constante na história da filosofia, do pensamento, da epistemologia, da escolástica e da ciência como um todo.
Sim, o atemporal pensador, teórico, intelectual, cientista, especialista, a classe letrada na sua generalidade, em suas profusas elucubrações, descrevendo seu pensamento e sua idiossincrasia, achando estar a dar um grande contributo à humanidade, ou descobrindo a pólvora, na verdade constrói algo que nada tem que ver com o que, de fato, se encontra diante de seus olhos.
Sim, o eminente e ilustríssimo dito cujo nega a experiência concreta em virtude da sua construção mental.
Teoriza um mundo real excluindo-se dele.
Não é muito louco?...
Como resultado deste descolado desatino temos, de há muito a esta parte, imemorialmente (para sermos mais rigorosos), uma colossal galeria de doutrinas que fizeram e fazem escola, que fabricaram e fabricam realidades, mas que nada nos dizem sobre o mundo em que foram concebidas, muito menos, sobre as pessoas reais que as criaram, mas tudo sobre um mundo inventado e construído por ideias das quais eles mesmos - os teóricos, pensadores e “xientistas” - se excluíram e se excluem, limitando-se a olhar desde dentro, do seu paraláxico pedestal de observação...
A história da filosofia, da ciência e do conhecimento está pejada de pomposos e consagrados nomes useiros, vezeiros e padecentes da disfunção em apreço.
Fica a dúvida, contudo, se sofreriam e estariam acometidos de tal paralaxe ou se a criaram intencionalmente (pagos para ou sendo parte interessada) com os tais ímpios propósitos de dominação, manipulação e control...
Cravaremos, sem medo de errar, a segunda hipótese na esmagadora maioria dos casos.
Destarte, em meio à tamanha abundância e proliferação de teorizações utópicas e distópicas, a inteligência do discípulo ou leitor de todas as eras não para de sangrar, vê-se numa deplorável penúria compreensiva, necroses cognitivas (cada vez mais) se formam e se alastram em massa, como que por osmose, e é assim que a consciência de massa tem vindo a ser arredada e afastada da realidade mais pura e genuína das coisas...
De geração em geração a clivagem grassa: temos vindo a ver um Maquiavel apologista de tiranias ou um arauto da democracia?
Um Descartes cristão obstinado ou um anti enrustido?
Um Kant platônico ou positivista?
Um Hegel patrono das dialéticas ideológicas ou dos estados modernos?
Um Marx humanista ou a desgraça das sociedades?
Um Nietzsche fascista ou libertário?
E assim em diante...
Os próprios pais das crianças - das suas teorias, leia-se – dão os comandos esquizoides e contraditórios nos seus escritos e falas, resultando tudo num suflê evanescente e inapreensível à medida que nos esmeramos nos esforços da vera compreensão e da real interpretação deles.
Vide o icônico exemplo cartesiano e seu clássico: “Penso, logo existo” – olhai e lede com atenção, pensai direito, refleti, enxergai a inversão e a subversão da básica fenomenologia real.
Na realidade e a bem da verdade é precisamente o contrário: Existo, logo penso!
Vide a Crítica da Razão Pura do tio Kant que, desde então, hipnotiza mestres e aprendizes por todos os cantos deste mundo.
Ora, se ele afirma, categoricamente, que nós, errantes humanos, não temos acesso à realidade e à coisa em si, mas somente àquilo que sensitiva, primeiro, e racionalmente (depois) surge na mente e que é, somente, a partir daí, que passamos a catalogar o que vemos unicamente como fenômeno;
Se para ele há uma incontornável incapacidade do intelecto produzir conhecimento por si mesmo, como então em suas teorias haverá algum substrato real que seja?
Será que ele acreditava que todos os seus construtos eram verdadeiros e descreveriam a realidade ou seriam uma vã filosofia pejada de achísmos semântico-gramaticais, delírios, abstrações e divagações ilusórias?
Percebeis a contradição, o oximoro, o paradoxo inerente?
Em última e derradeira instância a conclusão a se extrair da teoria kantiana, levando-se a peito e à letra os seus próprios ditos e escritos, é que ele próprio, sequer, acreditava no valor real dela...
Vide, ainda, o eminente e supra sumo Newton que nos legou a pétrea receita gravitacional qual mamute na sala.
Dá para acreditar (claro que dá, é só olhar em volta e conversar com qualquer pessoa acerca) que é uma tal de gravidade que sustenta a visão e a ideia duma planetária bola molhada rotacionando e em translação à deriva num espaço sideral?
De uma tamanha e descomunal força que consegue suster milhões de metros cúbicos de água aceânica e marítima, encurvadas/abauladas (pasme-se), mas que nada interfere no ascendente brotar e florescer da mais mísera e inexpressiva erva daninha ou num despretensioso e elíptico voo de uma borboleta?...
Refleti a fundo acerca e com a máxima lucidez!
Fazei-o!
E livrai-vos...
O que tudo isto denota, de modo inequívoco, é que a dificuldade de se chegar a um consenso na interpretação de muitas filosofias modernas não é extrínseca - daquele que ousa interpretá-las -, mas intrínseca.
Não somos nós, alunos ou mestres, que temos dificuldade em compreendê-los. São eles que trazem no seu bojo contradições implícitas e nebulosas, talvez (e aqui estarei, excepcionalmente, a suster o juízo), nem mesmo por alguns deles percebidas...
A paralaxe cognitiva resulta, indubitavelmente, no abandono do realismo filosófico, epistemológico e / ou cientifico.
A paralaxe cognitiva é, pois, o engano fundamental, básico, que o pensador comete na interpretação de SEU PRÓPRIO construto.
E, assim, mostrando-se ao mundo, dando com uma mão e tirando com a outra - em mais um truque confusional e de negra magia -, muitos dos suprassumos catedráticos têm vindo a cumprir, com todo o acinte, vários propósitos quixotescos – parecem excêntricos e lunáticos, mas não tanto...
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