Hodiernamente, além da dissipação do gênero humano e de uma esdrúxula crise identitária, o culto do corpo e da imagem reina adoidado num contraponto com a vacuidade cognitiva, afetiva e, sobretudo, espiritual.
Olharmo-nos no espelho desta concretude é, também, constatar a servidão e danação produtiva, e exploratória, a que quase todos nos submetemos, da qual não conseguimos escapar e (quase) ninguém sai ileso.
No frigir dos ovos uma lancinante ausência de sentido.
Olhar os outros é enxergar o ser-se quem não é ou o não saber-se quem realmente se é.
Uma experiência social, relacional e existencial que, há muito, é o avesso, do avesso, do avesso...
Haverá esperança?
Neste coletivista, histriônico, esquizoide e sociológico mundo engendrado em tanta e tamanha mentira, nas tortas ideias, imbecilidade, mimetismo, má fé, egolatria, ganância de poder e perfídia, sob diabólicos auspícios (em suma), não, não há esperança – lamento! Por mim, pelos meus, por vós, por todas as pessoas de bem e de quem tanto estimo.
A dita esperança só advirá ao nível da experiência individual e espiritual, e de uma agregada escalada de soma-soma, para que uma utópica nova tribo, porventura, possa nascer a partir daí.
Esta que aí está estará fadada a se desintegrar...
A expressão da esperança defraudada faz-se sentir em qualquer ponto geográfico onde há intervenção humana.
O sonho infantil de que o mundo construído pelos homens é um lugar bom, aprazível e justo é a maior das falácias. A realidade coletivista e sociológica nada mais tem para nos oferecer que não seja dor, engodo, corrupção, domínio, submissão, mentira, fraude, desilusão, decepção, angústia e distopia.
O derradeiro reduto passa, unicamente, por voltar às raízes e à essência que nos distingue de tudo o que é reino animal. A via espiritual, a consciência e a intelectualidade serão, pois, as rochas mentais que sustentarão a ansiada libertação, a bem-aventurança e o resgatar dos momentos de júbilo, cada vez mais impossibilitados de serem vividos e sentidos pelas vicissitudes civilizacionais e terrenas de há muito a esta parte.
Seguir tal vereda e atalho requer que criemos em nós uma zona de silêncio, um hábito de recolhimento, um estado de alma imune aos apelos materiais supérfluos e perturbadores, e à vil ação humana, mormente, de quem se investe, detém o poder e o usa perversamente – os fantoches políticos e burocratas, à frente, a negra toga na retaguarda, a finança e os senhores dos anéis por detrás das cortinas mexendo todos os cordelinhos...
Só pelo intelecto poderemos projetar um mundo idílico;
Só pela consciencialização e fé daremos substrato, profundidade, imensidão e sentido a esse mundo.
A ignorância é a maior sabotadora da sabedoria e de a ela se poder aceder. Mas não é a única. Juntemos-lhe a patologia cognitivo-moral, a preguiça, a omissão, a estultícia, a arrogância, o ser néscio, a inveja e o narcisismo.
A vida mundana e superficial é fatal à expansão mental e mística – os enviesados ideários e a soberba; a idiopatia e a burrice; os errantes construtos e o dinheiro são binômios mortais...
O intelectual consagra-se quando não se deixa dispersar em futilidades. Um ato heróico, sem dúvida, em face de tantas forças adversas e conspiratórias para o ser. É preciso possuir um querer e força de vontade muito forte para, sozinho, empreender pelo espírito. Ser seu próprio estímulo e apoio, e encontrar em um pobre e despojado querer isolado é, inquestionavelmente, uma tarefa hercúlea.
E sofre-se horrores – acreditem-me...
Sem embargo, o contato com o exterior, com a legião majoritária, deverá ser negociado como o do anjo que toca e que não se deixa ser tocado – a menos que o queira... Falar o essencial e o que precisa ser dito oportunamente, preservar-se e reservar-se, são, também, basilares para tal ascensão.
A fala tem peso quando percebemos o silêncio por baixo dela e o silêncio é o conteúdo secreto das palavras que pesam...
A realidade e o saber mundanos requerem e exigem expertise no âmbito da práxis – mas, qual a qualidade ou o nível errático dessa prática quando cronicamente dissociada do intelecto?...
Louvar a intelectualidade não significa ter que saber sobre tudo. Significa, ao menos, saber a fundo alguma coisa, pois, por pouco que se saiba de tudo o resto, esse resto, beneficiar-se-á com aquela viagem às profundezas abissais. É preciso tudo compreender um pouco, mas para chegar a almejar algo mais específico. Os grandes e raríssimos gênios só o foram pela obstinada aplicação de toda a sua força e crença no fito específico a que se devotaram.
Os caminhos da inspiração espiritual são insondáveis.
Recorrem mais à inconsciência do que às iniciativas da vigília. Avançamos no nosso propósito, por entre obstáculos, como um cavaleiro no breu ou entre brumas que só confia na sua força para segurar as rédeas.
Em condição solipsista, guiados pelas vagas da inconsciência, ainda assim, nunca descurando a companhia dos grandes mestres e sábios atemporais que este mundo físico já testemunhou. E a comunhão com tais ilustríssimos será sempre o esteio da vida e da experiência mística – eles dão-nos o tom e o mote. São eles que nos acostumaram ao frescor das alturas e é só nesse elevado mundo que o rosto da verdade e da essência se desvela.
Não é nem com os olhos, e muito menos com os ouvidos, que se assimila uma afirmação reveladora e transformadora, mas com um estado mental que se ergue ao nível do sábio que a proferiu.
Uma alma, a nossa, que também conterá, certamente, as ferramentas, os grandiosos textos e muitos volumes que ainda não consciencializamos ou lemos...
Além de insondável, o caminhar unidirecional e ascensional pela trilha espiritual, obviamente, é árduo e extenuante. Requer constância e foco, paciência e perseverança no combate ao desgaste da própria vontade, ao desânimo, a uma necessidade de consolo impossível de saciar, ao ostracismo e à solidão...
E é-se tão solitário...
Vencer cada transição entre etapas, que é sempre penosa e sabotada pela força da inércia, e visualizar o desiderato concluído, fazem toda a diferença.
Realizar algo tido como valoroso, ainda que teimosamente não enxergável à maioria, tem como recompensa o simples fato de ter sido realizado.
E a recompensa de tão descomunal esforço é a transcendental maturação, o engrandecimento e a magnanimidade advinda...
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