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BREVIÁRIO DAS INCLINAÇÕES CIUMENTAS E O (FULCRAL) EQUILIBRIO PASSIONALIDADE VERSUS RACIONALIDADE

“Memórias & Retalhos dum Eco Inteligente e Não Replicante”

22/11/2024 às 15h27 Atualizada em 22/11/2024 às 15h37
Por: Marco Paulo Silva Fonte: Juntando as peças com lucidez & cognição impolutas
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BREVIÁRIO DAS INCLINAÇÕES CIUMENTAS E O (FULCRAL) EQUILIBRIO PASSIONALIDADE VERSUS RACIONALIDADE

Ò penoso sentimento, esse, o de sentir ciúmes...

Em regra, tal sentir advém de um conflito entre o desejo de uma possessão total, incondicional e exclusiva do outro, em uma díade relacional, e um empecilho ou ameaça exercida sobre esse desejo pela realidade personalizada por alguém visto e tido como rival.

Ele, o ciúme, não se manifesta, somente, defronte àquele(a) que dizemos amar ele surge da simples perspectiva, imaginária ou não, de um outro que se interpõe entre o eu e tu ou vice-versa.

E por que, às vezes, num hipotético cenário imaginário?

Porque não é necessária e / ou obrigatória a confirmação física ou fatual do ato de atraiçoamento para que ele possa vir a ser sentido. Na questão do ciúme, de todo, não se aplica a fórmula: só há traição, somente, quando há informação...

Diferenciemos a inveja do ciúme por forma a não confundir os conceitos. Ainda que ambos se liguem a uma angústia de separação vivenciada por qualquer um de nós, não só ao nível da vida sentimental, mas de forma abrangente, a inveja insere-se numa relação bipartida, em que o sujeito inveja o outro por alguma posse ou qualidade intrínseca que ostenta. Nenhum terceiro necessita se imiscuir nessa relação. Já o ciúme, por sua vez, só funciona num regime tripartido. O eu, o alvo do meu afeto e o outro.

À questão de onde surge o raio do ciúme? O que subjaz à sua estrutura? Podereis perguntá-lo, e é legítimo que o façais.

Nesse caso, recorreremos e beberemos das fontes abissais da psicanálise para ousar vos dar uma possível e cabal resposta.

A criança estabelece com a mãe uma relação única e privilegiada que se inicia na gestação e se estende aos primeiros anos de vida extra-uterina. Quando essa mesma criança começa a entender o que a rodeia, ela começa a percepcionar que existe, a mor das vezes, e ao menos (pois a existir irmãos / irmãs “a coisa complica”), um terceiro elemento na idílica díade que passa a disputar a sua atenção com essa mesma mãe “mais que tudo”. É no reconhecimento e constatação de tal incontornável dinâmica que o ciúme começa a germinar, o primeiro dos desencantamentos surge e a dificuldade matemática de contar até três se inicia...

A gênese da inclinação ciumenta terá então aqui o seu marco inicial. A forma como a criança irá metabolizar tal mácula psico-afetiva marcará a formação de seu caráter nos seus relacionamentos futuros uma metabolização ruim irá, inapelavelmente, repercutir, enquanto jovem e adulto, através de pelejas ciumentas com o par sexual, nas quais sofrerá e fará sofrer, irá deprimir-se e fará deprimir, consumir-se-á e canibalizar-se-á ou consumirá e canibalizará, gastando, desse modo, energia preciosa e necessária para a realização de outras atividades e realizações, fora o intenso e massacrante desgaste relacional advindo.

Diremos que os “ciumentos de plantão” têm dois caminhos a seguir. Ou recusam o real, fundindo-se ou fixando-se com o objeto de enlevo. Primeiro a mãe, depois a namorada(o) e a(o) esposa(o), negando e anulando a existência do outro primeiro o pai, depois o(a) amigo(a), colega, o(a) rival, a via patológica, portanto; Ou aceitam o terceiro num formato maturativo, como um objeto inerradicável e comunicante que existe, e com quem é necessário conviver e lidar - a via sanígena.

A confiança é a chave de qualquer relação. Não existe, todavia, confiança ilimitada - que é ilusória. A generalidade das relações amorosas equilibradas deverá manter-se, assim, numa base de intercâmbio que implica uma estrutura dinâmica e indagadora entre razão e emoção. Um dilema, no entanto, entre tantos outros, advirá. Ou conferis ao(à) parceiro(a) uma certa idoneidade, o que implica a crença na fidelidade. Ou, como o faz o ciumento crônico, acreditarás piamente na profecia auto-cumpridora da traição, na alta probabilidade de que estais ou irais ser enganados, suspeitando até da própria sombra. No ápice de vossas crises, padecereis e infirmareis sobre algo que não terá nenhuma legitimidade lógica. Que apenas ao nível da vossa errática crença pessoal existirá e será real.

O indefectível ciumento é um profeta da traição e da infidelidade. É lhe impossível aceitar a derradeira evidência da relação amorosa, a saber: que a incerteza provinda da precariedade e volatilidade de um sentimento é sempre a única resposta válida e real à crença do sujeito na exclusiva fidelidade.

Jamais poderemos ser (jamais!) donos de ninguém. 

O conceito de posse reportado às relações humanas será sempre, ele próprio, uma quimera...

O apaziguador segredo passa então pela panaceia de encontrar o tal do ponto de equilíbrio.

O balanço.

O de harmonizar os extremos. 

Ser, predominantemente, emocional é uma pecha, de fato. A emoção é como um entorpecente. O efeito inicial é nirvânico, alucinógeno e redentor, mas o preço a pagar, a prazo, trará consigo consequências dolorosas ou nefastas para quem a sente e vivencia. Ser-se passional em demasia encerra uma fragilidade original, um defeito na forja, que sempre o coloca em desvantagem face ao seu par racional. Este, em regra, agride e se escuda. Aquele é flanqueado e fica à mercê. O racional faz um movimento psicológico e comportamental para fora – expele. O emocional introjeta – rumina. O racional é gelo. O emocional arde na sua carência insaciável.

Na dialética da relação a dois, pois que é disto que, ao fim e ao cabo, estamos a falar, o racional será o sádico, enquanto o emocional o masoquista. Mas, atenção, e não me interpretem mal, não é que racionalizar tudo seja o modo de ser e estar idílico e a passionalidade um handicap a evitar: “a virtude estará no meio”, como diz o provérbio. Sempre!

Recorramos à mitologia grega para elucidar o que falta dizer. 

Para os gregos Apolo ou Apolíneo era o referente da razão, sensatez e reflexão. Dioniso ou Dionisíaco, por seu turno, era o referente da emoção, desejo, paixão, vontade e instinto. O primeiro significava a contenção, a prudência e o recalque em si mesmo. O segundo, o enlevo sem freio, o caos, o inesperado, o frenesim e o inefável.

Era, assim, que eles debatiam e exponham uma das contradições estruturantes do existir. Que a nossa psique, o nosso caráter, a nossa conduta, o nosso comportamento e as nossas ações derivariam do antagonismo  incessante entre a razão e a emoção. E estavam plenamente certos.

Mas os gregos não descobriram a pólvora.

As mais antigas escrituras mitológicas, religiosas e antropológicas já faziam referência a tal antagonismo. A narrativa de Adão e Eva, em Gênesis, cujos impulsos incautos ditaram a dupla expulsão do limbo paradisíaco, é um exemplo paradigmático e sobejamente conhecido. Outro exemplo é nos dado pelas bases e fundamentos da cristandade, cuja culpa e pecado, tidos como passionais e impulsivos versus virtude e remissão, vistos como circunspecção e tino, são as palavras de ordem...

Constata-se, pois, que em nosso âmago bule uma contradição que reflete, transversalmente, em toda a negociação com o mundo relacional, social e ambiental. A sociedade, a cultura, a moral e os costumes apolíneos decretam que deveremos ser monogâmicos, mas as pulsões dionisíacas cutucam, transgridem e mostram-nos que tal é uma tendência e não uma axiomática condição.

O determinismo natural, à nascença, segmenta-nos em homens e mulheres, mas o apelo revolucionário (destrutivo, portanto) e pressão ideológica, as modas, as afetações tendenciais, sugestivas e condicionantes – não por acaso tal humana afetação constitui caso único e sem paralelo no reino animal –, e, em último e raro caso, um disfórico antagonismo endógeno, faz com que uns se sintam como sendo do sexo oposto e as naturezas convexas ou côncavas se sintam, às vezes, atraídas por seus pares.

Apolo instrui-nos a viver em harmonia com o meio social e ambiental, este que, nada mais nada menos, promove a nossa sobrevivência e subsistência, e nos oferta todas as riquezas existentes. Dioniso, por seu turno, traz a entropia e, com ela, a cisão com a natureza, em micro ou macro escala, e a destruição civilizacional e ecossistêmica que não cessa de aumentar...

A ironia e o paradoxo desta dicotômica ontologia é que Apolo não significa ser um poço de predicados e virtudes, e Dioniso uma condição sine qua non de distorção e deslustre.

Se fossemos, somente, entes racionais não existiria expressão e criação artística de qualquer espécie, por exemplo. Se a nossa constituição fosse, por sua vez, total ou exclusivamente governada pela vontade e pelo instinto não existiria sociedade, regras e ordenamento...

Eco

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Marco Paulo Silva
Marco Paulo Silva
Sobre Nascido, em 1975, e criado em Terras lusitanas, formei-me, academicamente, em Psicologia Clínica. Na busca pelo binômio - independência financeira / vocação -, há mais de duas décadas que dedico minha vida profissional à investigação criminal e segurança pública. A partir de 2020 enveredei numa saga literária cujas façanhas já deram azo a três diamantinas obras: COSMION, POMPA & CIRCUNSTÂNCIA e DZÁIT-GÁIST... O futuro a Deus pertence... Hoje, vivo em São Paulo, Brasil.
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