Neste tridimensional mundo – o real referente – só nós, humanos, possuímos a valência e a faculdade única de comunicarmo-nos por intermédio dum complexo e estruturado sistema que reúne gramática e semântica, meio pelo qual se dá a transmissão / troca de signos e significados na forma falada, escrita e / ou de sinais.
A tal faculdade – genérica e abstratamente – chamamos de linguagem.
Ela consubstancia-se, além de seus intrínsecos, únicos e supremos atributos, como um poderoso remédio para os principais problemas do Homem. Destrói qualquer barreira idiomática, transforma isolamento e solidão em interação e presença, expande caminhos e destinos... Em idílico desfecho, num singelo ato de nos sentarmos à mesa para conversar, poderemos apaziguar um conflito conjugal, familiar, entre amigos, entre colegas de trabalho, entre estes e suas respectivas chefias, no ambiente político interno e / ou num escalar conflito e tensão pré-beligerante.
Uma faculdade extraordinária, sem embargo. Todavia, não senhora de si; longe disso; jamais, pois que totalmente condicionada e de mãos dadas com as demais superiores faculdades mentais que, de igual modo, e em termos evolutivos, nos distanciam radicalmente de qualquer outro ente, a saber: a percepção, o pensamento, a cognição, o raciocínio e a memória.
E é, precisamente, da exaustiva e exasperante exploração de tal dependência que na atemporal arena – a concretude civilizacional – pautada por uns poucos dominadores e toda uma horda de dominados os paradigmas, os construtos, o fluxo de informações e o conhecimento foi (e é) disponibilizado (por aqueles) de modo a que o gentio sempre intelija e se expresse com base na estrita percepção duma realidade induzida, direcionada e imposta. Uma realidade (não a de fato, in natura, sem filtros, fora de qualquer caverna, mas a edificada, adulterada e pejada de polutos sofismas, credos, ideários e sombras) que se oferece e se apresenta, sempre, num formato dicotômico, polarizado, fracionado, desconexo, aficionado, passional, sugestivo... E porque assim introjetada, assim é concebida, projetada e expressa.
Todo o símbolo sempre carrega seus múltiplos sentidos em si mesmo. A perda do conceito verdadeiro de simbolismo é que tem levado as mentes (sobretudo as “modernas”) a ter que optar entre história e mito, incapazes, pois, de compreender que fatos históricos são essencialmente símbolos sem que isso retire nada da sua historicidade e que, pelo contrário, é o seu caráter simbólico o fundamento dessa historicidade mesma. Uma águia poderá simbolizar o poder estatal (vide a profusa presença delas em bandeiras & pavilhões) sem que estado algum tenha jamais colocado uma como administradora em qualquer cadeira presidencial ou palácio governamental…
Faço-me entender?
Todo este breve arrazoado tem o condão de vos conduzir a uma basilar ilação: a de que a manipulação das mentes, pela massiva intervenção na educação e aculturação, (e da pérfida mídia a partir de dada altura), em todo e qualquer regime e / ou sociedade que se preze, opera-se, em primeira instância, a partir do adestramento, da trapaça e da confusão linguística – o vetor, a constante e o denominador comum das chagas civilizacionais, desde bíblicas eras, simbolizada e representada pelo famoso zigurate de Babel.
A estratégia é uma só: extirpar todo o signo, significante e real significado do seu referente (a coisa em si), deixando disponíveis à apreensão e discussão, somente, aqueles já apartados de seu genuíno sentido e conceito. Posto isto, serão eles, unicamente, que abastecerão e monopolizarão o falatório na ágora discorrível e discursável, qual diálogo de surdos-mudos em rasa, corrompida, dissonante, metonímica, ambígua e babélica (in)compreensão comunicacional dos debatedores que, desse modo, e erraticamente, se manterão arredados dum cabal entendimento dos fenômenos envolventes e do porquê de assim ser.
Quereis um paradigmático exemplo?
Vide os referentes “homem/masculino/pai” e “mulher/feminino/mãe” e percebei o que fizeram com eles em seu amplo espectro...
Disto à destruição da percepção pura do real, numa briga permanente e inconciliável entre o que o indivíduo acha que vê e pensa, e aquilo que ocorre de fato, é um clique no disjuntor.
A realidade sempre, mas sempre, antecede à palavra. Qualquer que esta possa ser. Mas a incessante manipulação opera o feitiço do inverso colocando as palavras a ditarem a concretude e as ações. E como que num passe de mágica tudo passa a representar o contrário daquilo que deveria, oposto à sua essência, esvaziado da ordem natural e deslocado para bem longe do que realmente é.
É que, claro está, destruindo a linguagem destrói-se precisamente o pensamento, o juízo crítico, o código moral, o potencial cognitivo e a irradiante lucidez. E vice-versa. E junto com a perversão ontológica das palavras subverte-se a finalidade e a natureza das coisas, o dever ser/fazer e todas as ações humanas, daí decorrendo um real integralmente artificializado na submissão, servidão, inversão, subversão, iniquidade, cizânia e danação…
Afastada da erudita escrita / fala, da fidedigna e integral informação e de um real conhecimento das coisas os gentios ficam agrilhoados e encerrados na gruta, na afasia, no baixo calão, incapazes, primeiro, de pensar adequadamente, depois, de forma minimamente discernida, e, por último, em conseguir narrar algo genuinamente que não seja a repetição mimética daquilo que outro, intencional ou não, ou errantemente, argumenta, alucina e / ou delira. E quando esse outro é apresentado, outorgado e sabatinado como “autoridade” nem por reza brava tamanha hipnose e sortilégio se quebram.
A intervenção na linguagem como arma de propaganda e engenharia sociocultural é de uma calamidade sem tamanho.
Esta era “pós-moderna” que o diga, pois que virou o verdadeiro foco dos interesses da negra agenda a quem ganhar todo o ouro do mundo já não mais satisfaz, mas antes, e a qualquer custo, o controle megalomaníaco de tudo e de todos...
Eco
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