Quando me perguntam – ou melhor, quando indago o eco, já que ele é, praticamente, o único ente que me instiga, me escuta, dispensa interesse e / ou crê no que tenho a dizer –, sobre qual será a máxima expressão artística levada a cabo pelo Homem e a que causará maior arrebatamento ao contemplador, não tenho nenhuma réstia de dúvida em bradá-lo: a música!
Trago e carrego em mim a firmeza de que a deleitosa musiké – a genuína, enalteça-se! –, que me perdoem todas as outras formas de arte, consubstancia (além da meditação / oração / contrição) a linguagem, a codificação, o match, a sintonia e a interface que mais nos aproxima da experiência mística de sentir, tatear e poder abraçar o Sublime.
Torna-se fácil explicá-lo, primeiro, e depois entendê-lo, haja vista que, além de energético, geométrico e numerológico, o flux Deifico, em Seu ininterrupto Processo Criativo e Dadivoso, propaga-se em eflúvia e harmônica musicalidade vibracional.
Daqui se extrai, e se explica, a sincronicidade jubilosa que sentimos quando desfrutamos, escutamos ou executamos determinadas melodias e modulações extasiantes.
Não por acaso, a sabedoria popular, desde tempos imemoriais, reverbera que: “Quem canta seus males espanta”.
E quanto maior o arroubo sentido na audição e contato com aquela determinada ode, toada e / ou composição, mais alto e mais perto nos sentimos da bitola frequencial do Altíssimo.
As graciosas sonâncias trazem-nos, pois, um sentimento e um estado de espírito prodigioso – como se a energia celestial que nos rodeia e envolve passe a entrar num vórtex de conexões sinápticas, fusionais e uníssonas conosco, numa linguagem estético-rítmica que permite, proporciona e decalca, como nenhuma outra, a revelação sublime e contemplativa das Feições, Formas e Cinestesias Divinas.
Não só, portanto, uma das nossas maiores e mais engenhosas produções, mas, indubitavelmente, a mais virtuosa e exímia delas, possuindo o condão de nos deixar num efêmero transe, qual benfazeja embriaguez transformadora das dores e disrupções da existência, resgatando, a todo o tempo, a homeostase num sempre lesto, tênue e titubeante bem-estar que tão exemplarmente nos caracteriza e martiriza.
Vocifero-vos, insisto, e para que se vos torne cristalino, sobre a boa, bela e verdadeira música (aquela que já não se faz; ou que está em vias de se extinguir; ou que, quando criada e concebida, ou não nos chega para que a possamos reverenciar, ou não se faz conhecer).
Concebida (a boa, bela e verdadeira música) pela coisa em si – instrumentos e escalas musicais tocadas com a máxima mestria, destreza e virtuosismo –, mas que realizada, ou melhor, propagada, hoje, em parca quantidade ou sofrível qualidade, e dum jeito desalmado, desarmônico e desmelodioso.
Sinais dos tempos anárquicos, doentios, abomináveis e desespiritualizados de exclusivo culto ao sensorial, ao corpóreo e à insípida / oca / insubstrata auto-imagem, aparência, fachada e ao desfile de máscaras.
Quando paramos para observar o que as pessoas, nos dias que correm, aderem e consomem, só no que à música concerne, sentimo-nos tragados e abduzidos para uma twilight zone.
Uma música executada por quem, para ali poder estar – no escaldador e abrasivo pedestal da fama –, precisou, antes de mais, de “vender a alma” ao rei do martírio e do calvário, travestida de fada (mas tão malévola) ou príncipe (mas tão sapudo), fazendo em todos os lugares em que se apresentam, a todo o tempo, alegorias, sinais e simbólicos gestos a quem passaram a cultuar e servir, e cujas histriônicas e néscias hordas tanto idolatram e sabatinam em autoflagelação, qual lenha, carvão e gasolina duma perpétua combustão e crematório dantesco.
Uma música sem substrato e que não resiste, sequer, à mais breve passagem do tempo, quanto mais à erosão que é seu apanágio;
Que fica só no plano sensório, reptiliano e que não consegue percorrer nossas veias ou eriçar e arrepiar nossa pelagem;
Que não ressoa e plasma em nossas faculdades mentais mais nobres e superiores; Que fica a léguas da memória, de tão descartável que é.
Sempre o teste do tempo, não é verdade, para aferir a qualidade duma criação musical.
Vide, a título de exemplo, a moda DJ e da música eletrônica, pois que me recuso a falar de Funk ou outras atrocidades arrítmicas/amelódicas que por todo o lado vigem e proliferam – o que podemos enxergar nelas, nessas modinhas de queda, bisonhice e ruína?
Um mar de bípedes adulando a sonoridade artificial duma máquina operada por um endeusado da vez, máquina, essa, que debita música processada, transgênica e enlatada de efeito psicodélico, lisérgico e alucinógeno, e que, somada ao consumo desmedido de drogas e álcool, exponencia o frenesim coletivo da insanidade.
Alienação sistêmica, devassidão e inversão são, pois, as palavras de ordem, num nível frequencial que se situa no colossal poço sem fundo do Hades – estado sociológico e civilizatório no qual, esplendorosamente, vivemos e padecemos...
A bela, boa e verdadeira música (voltemos a ela) é, por si só, deveras inebriante, intoxicante e nirvânica sem que precisemos, nos faça fazer ou induza a tomar qualquer substância psicotrópica que nos valha para nos entorpecer, destruir ou corroer orgânica e espiritualmente. E possui ainda aquela particularidade que a distingue de tudo o que se possa imaginar, à cabeça, a pecularidade que, precisamente, a diferencia de todas as outras formas de arte: a de não ser uma aparente representação subjetiva duma fenomenologia do real expressa pelo dom criativo do executor, mas antes a reprodução imediata, autêntica e genuína desse real – a coisa em si tal como ela é…
Sustento e reforço esta relação íntima, e espelhar, entre a música e a verdadeira essência das coisas, exemplificando com toda aquela inescapável experiência já vivenciada, certamente, por cada um de vós, a saber: a de que a pretexto duma cena, duma ação, dum evento, dum ambiente, duma recordação, qualquer que ela seja, quando ressoa uma certa e determinada música, automaticamente, ela nos parece revelar a significação mais secreta, a sensação e a afirmação mais exata e iluminada que qualquer narração, palavra ou verbo jamais atingiria ou alcançaria.
Compreendemos, sem embargo, como aquele que se entrega e se deleita, sem reservas, a determinada melodia e ária julga ver desenrolar-se, perante seus olhos, os acontecimentos marcantes da sua vida, transportando-se, num átimo, a idílicos cenários de vivências passionais, profissionais e existenciais.
Aquele tipo de experiência beatífica que só a música resgata, nos teletransporta e nos levita a altaneiros domínios da maior das Grandezas…
Não sei vocês – cada um que aproveite o seu precioso lugar de fala –, mas quem tem guardado a sete chaves do seu “almático cofre” rubis, topázios, esmeraldas, diamantes, safiras, turquesas, tanzanitas, malaquitas e lápis-lazúli de nomes como: Kate Bush, Rush, Pink Floyd, Led Zeppelin, Dire Straits, The Cure, Simple Minds, Genesis, Big Country, Iron Maiden, Styx, entre dezenas e dezenas de tantas outras cuja fonte só pingou a espaços ou secou ao primeiro gotejar, não olvidando, obviamente, e num outro particular registro, o melhor da música clássico-sinfônica, terá consigo, certamente, uma das maiores riquezas que a existência neste lugar nos proporciona.
Eco