Há poucos dias, em um desses momentos ociosos que a vida moderna nos oferece, decidi mergulhar no universo dos vídeos curtos, os famosos shorts do YouTube. O que encontrei foi um microcosmo de uma verdadeira democracia: povos de todas as tribos, talvez até de todas as facções, produzindo vídeos e ganhando dinheiro. A princípio, um cenário encantador e inspirador. Mas, de repente, senti um baque. Estava diante de um idioma que, embora familiar, parecia um dialeto novo, um "português made in Brazil", que me fez questionar se realmente estava ouvindo minha língua materna.
Imaginei Cíntia Chagas, aquela defensora ferrenha do bom uso do português, se contorcendo ao ver a língua sendo destroçada em milhões de vídeos curtos. Mas, ironicamente, essa confusão linguística não impediu ninguém de ganhar dinheiro. Pelo contrário, todos estavam se dando bem. E nesse ponto, surge uma questão: como a internet, essa ferramenta tão poderosa, se tornou um espelho da realidade? E mais importante, como os governos deveriam lidar com essa nova realidade?
A resposta parece simples. Em vez de censurar a internet, os governos poderiam usá-la como um extrato puro e cru da nossa sociedade. Mas, precisamos lembrar que dessa mesma sociedade que perde sua língua saem também os políticos. A malandragem deles se revela ao perceberem que, mudando vírgulas, mudam-se os sentidos das leis. E sem vírgulas, a coisa fica ainda mais imperativa, do jeito que os ditadores gostam. Cuidado, meu povo!
Se até os acadêmicos estão contribuindo para a destruição da língua, por que não oficializar logo esse novo dialeto? Afinal, a língua "evolui", e o que estamos presenciando é apenas uma etapa dessa "evolução". Mas, ao mesmo tempo, surge o dilema: como incentivar as pessoas a aprenderem novas línguas se mal conseguem conjugar verbos em sua própria?
A ironia é palpável. Eu, que sempre defendi o aprendizado de idiomas estrangeiros para uma melhor interação no exterior, agora me vejo diante de uma geração que transforma a língua materna em algo quase irreconhecível. E a pergunta que não quer calar: como a inteligência artificial vai se portar para compreender esse povo? Vai bugar?
Entre os coaches de cripto mining, estão os que mais falam errado. Alguns vão dizer: "Ah, querem ganhar dinheiro, não assistir aulas de português." E eu tenho que ficar quieto e admitir que eles têm razão, e o Brasil é isso mesmo, o negócio é ganhar dinheiro... como não importa, se parecer honesto, melhor ainda. No sentido moral, é honesto ganhar dinheiro na internet (claro, desde que não seja em cibercrime), mas peço desculpas... a estética das coisas ainda me assusta.
O interessante é que, quando eu estava imerso neste povo, eu não percebia tanto isso, e morei até em redutos quase AMISH onde o sotaque de dialeto alemão, ou italiano da colônia ao lado, dilaceravam a língua portuguesa. Acontece que agora a internet pegou tudo isso, do país inteiro, e eviscerou o analfabetismo funcional.
Mais triste é que a esquerda brasileira, via Paulo Freire, incentivou esta socialização do analfabetismo funcional, diante da incapacidade de letrar todos. Povo culto complica as coisas para populistas. Mas como eles podem tanto falar em pluralidade da sociedade se perderam até o plural das sentenças?
Não é uma questão de arrogância ou de superioridade linguística. É uma constatação preocupada com o futuro da comunicação. A censura não é a resposta. A alfabetização digital, sim. E não se trata apenas de ensinar a escrever corretamente, mas de entender o poder e a responsabilidade que vem com a capacidade de se comunicar para o mundo.
Se estamos diante de uma nova era, onde todos têm voz e vez, que essa voz seja compreendida e respeitada. E que, acima de tudo, possamos nos entender uns aos outros, seja no português clássico ou no dialeto emergente das redes sociais. Porque, no fim das contas, comunicação é sobre compreensão, e isso não pode ser perdido, não importa o quanto a língua "evolua".
Mín. 16° Máx. 29°