Senhoras e Senhores, desta feita trago-vos um dos pensadores mais originais, profundos, incompreendidos e ignotos do século XX.
Nas palavras do próprio:
"Tenho em meus arquivos os documentos segundo os quais me consideram comunista, fascista, nacional-socialista, velho-liberal, novo-liberal, católico, protestante, platônico, neo-agostiniano, tomista, e, é claro, hegeliano”.
Como uma criatura pode gerar tantas catalogações e ferrolhos contraditórios?
Por conta, claro está e sempre o presuma, de se ver demonizado e cancelado. Por se constituir como uma ameaça ao status quo pela sua originalidade, coragem e mestria no desvelar da verdade…
A intenção do autor austríaco passava por encontrar tal verdade e extrair as principais explicações para as questões sociais e filosóficas mais prementes à margem e independente das ideologias vigentes.
Ao analisar os problemas sociais da época como o nazismo e comunismo, Voegelin desejava ir além do combate aos sintomas. Sua extensa obra passou a destrinchar a origem dos problemas gerando toda uma tese em defesa da Transcendência e condenação a ideologias consideradas, todas elas, consequências dum gnosticismo voraz em torno do domínio, controle e poder…
Alguns dos principais temas do pensamento político voegeliniano foram: a toxicidade e a cisma gerada pelas ideologias na mente individual e, sobretudo, coletiva; a intransigente defesa do direito natural e da metafísica.
Mesmo sendo reconhecido como filósofo, a formação de Eric Voegelin foi em ciências políticas. Sua primeira graduação mostra, desde logo, uma de suas principais bandeiras: as bases e os melhores caminhos para uma vida social humana mais harmônica e auspiciosa.
Seus conflitos com um outro pensador contemporâneo – Hans Kelsen – elucidam seu ponto de vista político e filosófico. Hans Kelsen foi um dos criadores da teoria do nefasto Direito Positivo baseado na visão de Kant, acreditando que as leis deveriam ser determinadas de acordo com as tendências da época e a vontade estatal. No pensamento de Kelsen (e Kant) o ser humano não consegue conhecer a essência das coisas nem das realidades superiores à matéria sendo, em sua opinião, a positivação do Direito uma ferramenta ordenadora da sociedade de acordo com as necessidades do contexto político-social – que lindo!(interjeição minha)…
Uma das consequências de tal diarreia cognitiva foi o ordenamento jurídico passar a basear-se na concepção de sociedade que os governantes, legisladores e juristas possuíssem, independentemente dos códigos éticos ou condutas morais clássicas (grifo meu).
Paria-se, assim, o famigerado relativismo moral…
Voegelin veio, pois, e contrapondo, com todas as suas garras cognitivas, lúcidas e pejadas de bom senso em defesa do pensamento clássico-metafísco.
Numa de suas obras - “A Nova Ciência Política” - escreveu:
"Ao significado existencial da representação deve-se acrescentar o sentido de que a sociedade é a representante de uma iniludível verdade transcendente".
Seu pensamento defendia que a realidade possui uma Ordem Superior a qualquer vontade ou desígnio humano.
Uma Ordem Natural que é sentida e percebida pela razão humana, e que poderá ou não seguir as regras por Ela estabelecidas – e aquela (a razão humana) deixou de segui-las…
Ele dá um exemplo bem tête-à-tête:
“Do ponto de vista individual o intelecto humano é capaz de compreender que comer em excesso é um mal, mesmo assim, muitas pessoas escolhem exagerar na alimentação. Ou seja, mesmo escolhendo o erro o intelecto consegue compreender o porquê das ações estarem erradas”.
O pensador defendia, ainda, que princípios como Bondade, Beleza e Verdade mostram que o ser humano sempre busca realidades que vão além do mundo material e que não existem nele. E que tais realidades, e as regras do Direito Natural, transcendem o contexto cultural do momento – elas são absolutas e atemporais.
Foi com base nesta visão que ele defendia que a política deveria, assim, se adequar então às leis e mandamentos do Direito Natural.
Livros como “Ordem e História” e “História das Ideias Políticas” mostram-nos como essas regras eram percebidas por diferentes sociedades em diferentes períodos históricos, em maior ou menor grau, e como o pensamento anti-Direito Natural levaram a catástrofes como o comunismo e o nazifascismo…
Além do direito positivista e do relativismo moral, Eric Voegelin identificava outro responsável pelas crises modernas: a imanentização do transcendente, ou seja, a do soberbo pensamento gnosticista humano de trazer a esperança de um pseudo-paraíso para a vida temporal terrena negando a existência das realidades imateriais.
Por gnosticismo ele entendia o termo como a crença de que é possível ao homem escapar ou eliminar os males e dificuldades que afligem sua existência por meio de construtos teóricos, sistemas de ideias e / ou algum conhecimento científico revolucionário.
Segundo ele, os movimentos de massa do século XX são religiões imanentistas. O comunismo, por exemplo, foi a promessa de um paraíso na terra após a redenção social gerada pelas primeiras revoluções, a partir de 1879.
Escrevera a propósito:
“Os comunistas da União Soviética erigiram um santuário para Lênin. O local mantém o corpo do revolucionário exposto para a exibição quase como a adoração de um deus grego ou a veneração de um santo”.
Em quantos lugares e em tão farta quantidade continua a acontecer o mesmo fenômeno com as estampas de Marx, Mao Tsé Tung e / ou Che-Guevara? (grifo meu).
Para Voegelin, portanto, denegar, cindir e descartar a realidade transcendente da vida material fez com que os valores como Verdade, Bondade e Justiça fossem pervertidos. A verdade passou a ser o que o partido passou a desejar, a bondade o serviço à causa e à ideologia, e a justiça a retirada da propriedade privada conquistada através do mérito, do trabalho honesto ou fruto de herança…
Para combater tamanha cisão e cisma provocada pelas ideologias, Voegelin defendia, veementemente, um retorno à Metafísica / à Transcendência / à Ordem Natural das coisas…
Em síntese, ao apelo dos humanos para compreenderem, cumprirem e se adequarem ao seu real papel na hierarquia da existência…
No livro “Ordem e História”, às tantas, ele escreveu:
"Ele [o homem] é um ator desempenhando um papel no drama do ser e, pelo simples fato de sua existência, comprometido a desempenhá-lo sem saber qual ele é. A própria circunstância em que o homem se vê acidentalmente na condição de não ter plena certeza de qual é a peça e de como deve se conduzir para não estragá-la já é desconcertante. Sua luta pela verdade da ordem é a própria substância da história; e conforme os progressos rumo à verdade são alcançados pelas sociedades à medida que elas sucedem-se umas às outras no tempo, a sociedade singular transcende a si mesma e se torna um partícipe no empenho comum da humanidade.
O homem primitivo, o homo religiosus, vivia num mundo mágico. Tudo para ele poderia ter algum sentido, tudo poderia redundar numa explicação para além daquela realidade material circundante.
Já o homem moderno, por sua vez, tem signos linguísticos para explicar quase tudo que vê; tem a ciência ditando o que pode e o que não pode ser considerado real ainda que isso não lhe caiba e tenha uma série de ideologias turvando sua percepção direta da realidade".
Analisando a história da humanidade, Voegelin chegava, assim, a uma das suas principais teorias: a dos “Dois saltos no Ser”.
Para ele, o ser humano mudou sua forma de encarar a realidade em dois momentos cruciais: com o desenvolvimento da filosofia grega; e na revelação de Deus e sua posterior encarnação como Jesus Cristo.
Os filósofos gregos elaboraram a base racional na existência de Deus e na alma imaterial; Já os cristãos receberam a revelação de Deus para viver com Ele e conhecer o princípio e o fim da existência.
Para o magíster, quanto mais o mundo ocidental se afastou destas bases, mais a sociedade entrou em ruína…
Desde o início da ascensão do regime nazista na Alemanha, Voegelin foi um crítico de Hitler e do nazismo.
Em 1933, Voegelin publicou o livro “Raça e Estado” afirmando que “o conceito de raça se trata de (mais uma) errante pseudociência gnóstica”…
O comunismo, socialismo e progressismo, por seu lado, matariam (e continuam a matar) milhões e milhões em todos os cantos do mundo.
Nesse ínterim duas grandes guerras mundiais ceifaram mais vidas juntas que todas as outras até então tinham conseguido…
Hoje, e de há algum tempo a esta parte, a guerra é híbrida: eugênica, sexual, psicológica, biológica, farmacológica, propagandística, informacional, tecnocrática, trans-humanística…
Vivendo e vivenciando eras mais e mais cientificistas, materialistas, desespiritualizadas e ideológicas, depois de tantas desgraças e avisos – como o do panegírico aqui trazido –, não percebeis ainda o tamanho do abismo para o qual caminhais e o por quê de tal danação?…
Eco