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JOVENS FOGEM DO BRASIL E O FUTURO FICA PARA TRÁS

O ÊXODO SILENCIOSO

Maria Rosa M Pires
Por: Maria Rosa M Pires
08/04/2025 às 14h44
JOVENS FOGEM DO BRASIL E O FUTURO FICA PARA TRÁS

Enquanto os jornais se perdem em números de empregos que não aparecem e promessas que não se cumprem, uma debandada silenciosa ganha força nas sombras.

Jovens entre 18 e 30 anos estão fazendo as malas e deixando o Brasil para trás. Em 2024, o Itamaraty estimou que 250 mil brasileiros emigraram legalmente — o dobro do registrado cinco anos antes, em 2019, quando o número era de 125 mil, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores. Os destinos preferidos? Portugal, Canadá e Estados Unidos. Os motivos são gritantes: salários baixos, falta de perspectiva e uma violência que não dá trégua.

Em 2025, com a economia patinando e o custo de vida nas alturas, o fluxo só cresce. Ninguém fala disso porque não é uma crise que sangra na TV — mas quem vai construir o Brasil de amanhã se os melhores estão indo embora?

Um País que Expulsa os Jovens

A conta é simples e cruel. Em 2020, o Itamaraty já apontava 4,2 milhões de brasileiros vivendo no exterior, um salto de 35% em relação a 2010, quando eram 3,1 milhões.

Só entre 2018 e 2020, 625 mil partiram, mais que a população de Florianópolis. Em 2024, os dados consulares indicaram que 250 mil emigraram legalmente, um recorde que dobrou os 125 mil estimados em 2019, antes da pandemia. “O brasileiro que vai embora não acredita mais no Brasil. Ele acha que o país não tem conserto”, diz Eduardo Picanço Cruz, professor da Universidade Federal Fluminense, que estuda a diáspora em países como Portugal e Canadá.

E os números de 2025, ainda em projeção, sugerem um aumento, poois com o dólar a R$ 5,80 e a inflação acumulada em 4,5% em 2024 (IPCA), o poder de compra encolhe, e a saída vira plano A.

Portugal lidera o ranking dos destinos. Em 2023, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) registrou 239.744 brasileiros com residência legal, quase 90% do total de sul-americanos no país, segundo o Observatório das Migrações. Em 2024, o Itamaraty estimou 260 mil, puxados por laços históricos e facilidades como o Estatuto de Igualdade.

Canadá vem logo atrás, com 47 mil vistos de residência emitidos a brasileiros entre 2020 e 2023, segundo Immigration, Refugees and Citizenship Canada (IRCC), e um salto projetado para 60 mil em 2024, com programas como o Express Entry atraindo jovens qualificados.

Nos EUA, o Departamento de Segurança Interna (DHS) contou 498 mil brasileiros em 2021, mas ONGs como a Brazilian Worker Center estimam 600 mil em 2024, incluindo ilegais, muitos fugindo para cidades como Boston e Miami.

Por Que Eles Vão?

A resposta está no bolso e na alma.

O salário mínimo em 2025, fixado em R$ 1.640, mal paga o básico, com uma cesta de alimentos que subiu 8% em 2024, segundo o IBGE, e a conta de luz acumula alta de 12% em dois anos (Eletrobras). Um jovem com ensino superior ganha, em média, R$ 2.500 líquidos, diz o Dieese, enquanto em Portugal o salário mínimo é de € 820 (R$ 5.300), com custo de vida proporcional. “Aqui eu trabalho 12 horas e não sobra nada. Lá, eu vivo”, diz João Silva, 26, que trocou São Paulo por Lisboa em 2024. No Canadá, engenheiros iniciantes ganham CAD 60 mil por ano (R$ 250 mil), contra R$ 50 mil no Brasil, segundo Glassdoor.

Mas não é só dinheiro. A violência assombra. Em 2023, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou 47.398 homicídios — 23,4 por 100 mil habitantes —, com jovens de 15 a 29 anos como 54% das vítimas. “Eu saí porque não aguentava mais ter medo de sair de casa”, conta Ana Costa, 28, agora em Vancouver. E a falta de perspectiva fecha o cerco: o desemprego entre jovens de 18 a 24 anos foi de 17,8% em 2024 (IBGE), o dobro da média nacional de 8,2%. Com a economia crescendo só 2% em 2024 (FMI), contra 5,9% em 2022-2023, o futuro aqui é uma miragem.

Um Custo que Não Vemos

Esse êxodo não explode como crise visível, mas sangra o país aos poucos.

O Banco Mundial estima que cada jovem qualificado que emigra custa ao PIB futuro 0,1% em produtividade perdida — R$ 10 bilhões anuais se 250 mil partirem por ano.

Em 2020, brasileiros no exterior mandaram US$ 30,5 bilhões (R$ 171 bilhões) em remessas, segundo o Banco Mundial, mas o dinheiro não compensa o vazio. “Quem sai leva família e não volta. É diferente de antes, quando era só para ganhar uns trocados”, diz Maxine Margolis, antropóloga da Universidade da Flórida e autora de Goodbye Brazil.

Em 2025, com o custo de vida subindo — aluguel em São Paulo subiu 10% em 2024 (FipeZap) —, a saída vira regra, não exceção.

O governo Lula fala em “segurança econômica”, mas o Plano Nacional de Migrações, debatido em 2024 na 2ª COMIGRAR, ainda é só papel. 60 propostas foram entregues, mas nada saiu do forno, segundo o Ministério da Justiça. Enquanto isso, Portugal oferece isenção de impostos para jovens até 35 anos (Lei Orçamentária 2024), e o Canadá planeja 500 mil imigrantes por ano até 2026 (IRCC). O Brasil? Fica assistindo. “A gente forma engenheiros, médicos, professores — e eles vão construir outro país”, lamenta Picanço Cruz.

Quem Fica para Construir o Amanhã?

O silêncio sobre essa fuga é ensurdecedor. Não há marchas nem manchetes, só malas prontas e voos lotados. Em 2023, o IBGE mostrou que 47,1% dos jovens de 15 a 29 anos estavam fora da escola ou do trabalho, e a tendência só piora. Se 250 mil saíram em 2024, 2025 pode chegar a 300 mil, projeta o Observatório das Migrações, com o real fraco e a violência em alta. “Eu queria ficar, mas aqui não dá”, diz Mariana Lopes, 24, rumo a Toronto. O Brasil envelhece — 10,51% da população tem mais de 65 anos (CIA World Factbook, 2023) —, mas quem vai sustentar esse futuro se os jovens, os “melhores” em energia e formação, estão partindo? O país olha para o lado enquanto o amanhã escapa pelo portão de embarque.

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