Percebo pessoas que se pensam inteligentes, que insistem que o passado nada tem a nos ensinar. Ledo engano. Estudar o passado é o caminho é o ÚNICO caminho para não repetirmos os erros cometidos, por soberba ou desinformação, e que agora nos entregou os frutos de nossa própria omissão. A grande e desafiadora questão é como aprender com o passado, sem ser saudosista.
Todos nós temos uma vinculação telúrica com o passado e por vezes somos incapazes de analisar os tempos idos com o realismo do que realmente aconteceu e não pelo prisma que chega a romantizar as privações e os limites nos quais as pessoas viviam e as dificuldades com as quais conviviam. Mas se suavizar o passado pode ser uma armadilha, a nossa vitimização por aquilo que passamos é igualmente algo que não agrega valor às trajetórias pessoais e conquistas.
Assim, precisamos entender o passado como uma fonte de informações onde podemos retirar episódios e ensinamentos com uma pinça, se quisermos identificar um ponto crucial, ou derramar tudo em cima de um pano e tentarmos decifrar naquele emaranhado de peças não um quebra cabeças, mas um sistema que abandonou os seus valores, padrões e referências e deixou de funcionar.
Até hoje temos uma imensa dificuldade de compreender, entender e aceitar que tudo chegou no ponto atual de destruição de valores por conta de nossa responsabilidade ou omissão. E aqui está algo que é preciso botar o dedo na ferida, parafraseando Rui Barbosa: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto“, texto tantas vezes repetido e que se encontra no livro “Obras Completas, Vol. XLI, Tomo I. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1973.”
Nós fomos perdendo as referências e, em muitos casos, até mesmo comemoramos o fim de certas condutas sociais e que poderíamos chamar de ‘marcos civilizatórios’. Por comodismo, passamos a rejeitar certos padrões que foram tipificados como obsoletos, substituindo-os por padrões mais modernos. Nós achamos engraçado quando alguém diz que o uso do cachimbo deixa a boca torta e nem percebemos que colocaram um cachimbo em nossa boca e fomos deixando a boca entortar e quando, de repente, alguém nos aponta essa anomalia, nem nos damos conta da modificação porque nós já a normalizamos como parte da nossa figura e do nosso comportamento.
Assim, saber quando colocaram o cachimbo em nossa boca é fundamental para podermos, com uma pinça, irmos retirando fragmentos de conceitos que assimilamos. Fazer aquele trabalho metódico, artesanal dos antigos relojoeiros ou dos mestres que consertavam rádios a válvula, obrigados a intuírem onde estava o problema sem poder recorrer ao google, a IA ou a manuais eletrônicos e tutoriais.
E essa busca dependerá da capacidade de cada indivíduo de avaliar e analisar a sua realidade. Os alemães usam a expressão weltanschauung para identificar este conjunto ordenado que compõe a vida do ser humano (valores, crenças, impressões, sentimentos e percepções e concepções da natureza anteriores à reflexão, a respeito da época ou mesmo do mundo onde se vive). Podemos chamar estes valores que nos ligam a lugares, geografias, vozes, olhares e sentimentos que muitas vezes estão em nós, antes de nós sermos senhores desta compreensão e de como ela impacta e molda o que somos.
O problema é bem mais complexo do que uma imersão literária pode supor, porque supostamente precisamos consertar o motor e trocar os pneus de um veículo (civilização) que avança com toda velocidade contra o precipício. E o mais desalentador é ter a consciência de que para a imensa maioria dos passageiros desta viagem o que conta é o barato do momento e não a compreensão do caos para onde correm felizes e dando risada.
Ainda resta tempo?
Não sei. Mas vou continuar lutando como se o resgate do ser humano ainda fosse algo possível – porque eu acredito na intervenção divina para suprir nossas falhas, omissões e incapacidade de assumir nossas responsabilidades em toda essa bagaça. Que foi gerada quando nós nos afastamos do Divino e colocamos o profano como centro da nossa vida.
Mín. 22° Máx. 32°