Quarta, 18 de Junho de 2025
13°C 25°C
São Paulo, SP

A CONDENAÇÃO DE LEO LINS

PERSEGUIÇÃO AO HUMOR OU JUSTIÇA SELETIVA?

Maria Rosa M Pires
Por: Maria Rosa M Pires
06/06/2025 às 12h59 Atualizada em 06/06/2025 às 13h18
A CONDENAÇÃO DE LEO LINS
Leo Lins

No último dia 3 de junho de 2025, o Brasil foi sacudido por uma decisão judicial que ecoa como um alerta à liberdade de expressão: o humorista Leonardo de Lima Borges Lins, conhecido como Leo Lins, foi condenado a 8 anos e 3 meses de prisão em regime fechado, além de multa e indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. A sentença, proferida pela juíza Barbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, baseia-se em piadas feitas no show de stand-up Perturbador, gravado em 2022 e publicado no YouTube, onde alcançou 3,3 milhões de visualizações antes de ser removido por ordem judicial. Noticiada por diversos veículos de comunicação, a decisão acendeu um debate feroz: estaria o Judiciário protegendo a dignidade de grupos vulneráveis ou promovendo uma perseguição seletiva contra vozes que desafiam o establishment? Este artigo mergulha no caso, expondo suas controvérsias, a aplicação questionável de leis posteriores ao evento e a gritante seletividade na punição de discursos no Brasil.

O “Crime” de Fazer Rir

Leo Lins foi condenado com base no artigo 20 da Lei do Racismo (Lei nº 7.716/1989), que pune a prática, indução ou incitação à discriminação por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, e no artigo 88 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que criminaliza a discriminação contra pessoas com deficiência. A juíza entendeu que as piadas do show Perturbador – que abordavam negros, indígenas, judeus, nordestinos, idosos, obesos, pessoas com HIV, homossexuais, evangélicos e pessoas com deficiência – configuraram “discursos discriminatórios” com potencial de fomentar intolerância. Entre as falas citadas nos autos, Lins comparou pessoas com deficiência ao personagem Chewbacca, ridicularizou a linguagem de sinais e fez comentários sobre tragédias como o incêndio da Boate Kiss e a barragem de Brumadinho, além de abordar temas como estupro e pedofilia de forma provocativa, questionando: “Como você dá para a piada o mesmo valor que você dá para o crime?”

A ação, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2023, não partiu de reclamações do público presente no show, mas de uma análise do vídeo publicado online. Não há registros de queixas formais de espectadores do evento ao vivo, o que sugere que o contexto humorístico, onde o público espera provocações, foi ignorado. A juíza destacou a ampla disseminação do conteúdo na internet como agravante, mas a ausência de denúncias diretas do público levanta a questão: quem realmente se sentiu ofendido? Para muitos, a resposta aponta para uma elite judicial e midiática que decide, de cima, o que é ou não aceitável.

A Lei Antipiadas: Retroatividade e Inconstitucionalidade

O cerne da controvérsia está na aplicação da chamada “lei antipiadas”, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023, que equipara injúria racial ao crime de racismo, tornando-o inafiançável e imprescritível, e amplia a interpretação de práticas discriminatórias para incluir piadas que atinjam grupos minoritários. O problema? O show Perturbador ocorreu em 2022, antes da lei existir. Segundo o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, nenhuma lei penal pode retroagir para punir fatos anteriores à sua vigência, salvo se beneficiar o réu. Punir Lins com base em uma legislação posterior é, para juristas como André Marsiglia, uma afronta ao princípio da legalidade penal. “É inconstitucional. Uma piada, mesmo de mau gosto, não pode ser julgada por uma lei que não existia na época”, afirmou Marsiglia.

A juíza defendeu que as leis aplicadas – a Lei do Racismo e o Estatuto da Pessoa com Deficiência – já vigoravam em 2022, mas a interpretação expansiva da “lei antipiadas” parece guiar a sentença. O jurista Rafael Paiva, alertou que essa abordagem cria insegurança jurídica: “Se o Judiciário pode reinterpretar piadas como crimes com base em leis novas, qualquer cidadão está sob risco.” A pena, equivalente à de crimes como homicídio, é vista como desproporcional, reforçando a percepção de que Lins foi alvo de uma perseguição seletiva.

Justiça Seletiva: Dois Pesos, Duas Medidas

A condenação de Leo Lins expõe uma distorção moral no Brasil. Enquanto o humorista enfrenta anos de prisão por piadas, outros casos de discursos ofensivos ou até criminosos passam impunes. O grupo Porta dos Fundos, por exemplo, tem um histórico de ridicularizar a direita brasileira e o cristianismo – como no especial de Natal de 2019, que retratou Jesus Cristo de forma considerada blasfema por muitos. Apesar de críticas e protestos, o grupo nunca enfrentou punições judiciais. Da mesma forma, movimentos de esquerda frequentemente atacam cidadãos conservadores com ofensas e ridicularizações, sem consequências legais. “Por que o humor de esquerda é protegido, mas o de Leo Lins é criminalizado?”, questionou Danilo Gentili no The Noite (SBT).

Um caso ainda mais gritante é o do rapper Oruam, que faz apologia a crimes como assassinato, estupro, tráfico de drogas e “sexo doentio” em suas letras. Preso em 2022 por porte de arma, Oruam foi solto rapidamente e recebido como herói por centenas de jovens, sem que suas letras fossem alvo de ações judiciais. Enquanto Lins é condenado por piadas, Oruam é celebrado, evidenciando uma justiça que parece escolher seus alvos com base em critérios ideológicos. “Se piadas levam à cadeia, por que letras que incitam crimes graves são ignoradas?”, perguntou o analista Guilherme Kilter. Essa seletividade alimenta a percepção de que o Judiciário brasileiro opera com dois pesos e duas medidas, punindo vozes que desafiam o politicamente correto enquanto protege discursos alinhados a certas agendas.

A Reação: Humoristas, Sociedade e Política

A sentença gerou revolta entre humoristas. Antonio Tabet, Mauricio Meirelles e Fábio Rabin classificaram a condenação como “insana”, enquanto Gentili alertou: “Se aplaudirmos o silenciamento de artistas, estamos a um passo do abismo.” A sociedade também se dividiu: enquanto alguns defendem a decisão como proteção a grupos vulneráveis, outros veem um ataque à liberdade de expressão. No X, a hashtag #LiberdadeParaLeoLins ganhou força, com usuários argumentando que o humor deve ser um espaço livre, especialmente em shows pagos, onde o público escolhe o que consumir.

Politicamente, o caso tomou proporções maiores. O Partido Liberal (PL) apresentou um projeto para revogar a “lei antipiadas”, chamando-a de ferramenta de censuras.

O senador americano Marco Rubio, chefe do Departamento de Estado dos EUA, chegou a sugerir sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, por decisões que restringem a liberdade de expressão, como essa, contra Leo Lins. Embora Moraes não esteja diretamente ligado ao caso de Lins, a declaração reflete uma preocupação internacional com o rumo do Brasil.

Danilo Gentili e Leo Lins
Caption

Uma Distorção Moral e o Futuro da Liberdade

O caso de Leo Lins não é apenas sobre um humorista condenado; é sobre o Brasil que queremos. Punir piadas com penas dignas de crimes hediondos, usando leis aplicadas retroativamente, é um sinal de que a liberdade de expressão está sob ameaça. Quando o Porta dos Fundos ridiculariza o cristianismo ou Oruam glorifica crimes, a justiça silencia, mas um comediante que provoca risos é tratado como criminoso. Essa distorção moral revela um sistema que parece mais interessado em controlar narrativas do que em proteger a igualdade.

A defesa de Lins anunciou recurso, e o humorista não será preso até o julgamento final. Enquanto isso, o Brasil assiste a um precedente perigoso: se piadas podem levar à cadeia, o que impede que qualquer opinião seja criminalizada? Como disse Gentili, “piadas não matam, mas a censura pode matar a democracia.” Cabe à sociedade brasileira decidir se permitirá que o humor, a arte e a liberdade sejam sacrificados em nome de uma justiça seletiva.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários