Dizem que a Igreja Católica é a grande guardiã da esperança. Guardiã da vida eterna, da celebração da fé, da jornada que, apesar das dores do caminho, culmina na promessa da Ressurreição.
E, no entanto, é curioso observar: o momento mais solene, mais marcante, mais belo da vida da Igreja parece ser, paradoxalmente, a despedida de um Papa.
Não qualquer despedida. É um ritual majestoso onde a liturgia floresce em sua máxima perfeição: os sinos, os paramentos, as procissões lentas como rios, o aroma do incenso misturando-se ao pranto contido. Cada gesto, cada palavra, ensaiados para tocar não apenas a Terra, mas o Céu.
A beleza do momento é inegável. E, se me for permitido um sorriso contido, é talvez uma das poucas ocasiões em que toda a Igreja se reúne num uníssono de emoção, reverência e respeito, sem debates, sem dissidências — apenas o peso da eternidade suspensa no ar.
Mas não seria injusto perguntar: e os outros dias da Igreja?
Onde estão a mesma solenidade, a mesma grandeza e a mesma comoção nas manhãs simples, nas liturgias esquecidas, nos templos anônimos?
Se o ápice da nossa emoção está na morte, o que isso nos diz sobre a vida?
Se a despedida é o cenário de nossa mais pura reverência, será que não esquecemos que a fé verdadeira se mede não apenas no adeus, mas na caminhada silenciosa dos dias?
A liturgia fúnebre de um Papa é uma afirmação da fé na eternidade.
Mas talvez também seja — discretamente — um apelo: que a vida cotidiana da Igreja, em sua rotina muitas vezes invisível, receba a mesma reverência, a mesma beleza e o mesmo zelo que dedicamos ao último adeus.
Com todo respeito. E talvez, apenas talvez, um leve chamado à consciência.