Dengue, zika e chikungunya estão escrevendo um capítulo sombrio em 2025, mas o mundo parece mais preocupado com guerras e tarifas. O calor extremo e as chuvas irregulares — com 2024 registrado como o ano mais quente da história pela ONU, com média global de 1,54°C acima da era pré-industrial — transformaram o Brasil num paraíso para o Aedes aegypti. Só no primeiro trimestre deste ano, o Ministério da Saúde contabilizou 1,2 milhão de casos prováveis de dengue, um salto de 20% em relação ao mesmo período de 2024, quando foram 1 milhão, segundo o Painel de Monitoramento de Arboviroses. Hospitais lotados, vacinas atrasadas e saneamento básico parado: por que isso não vira prioridade? Porque o mosquito não senta à mesa de negociação global, mas quem paga o preço é o povo nas periferias.
Um Clima Feito para o Aedes
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirmou: 2024 bateu recordes de temperatura, com eventos extremos como ondas de calor e chuvas torrenciais, agravados pelo El Niño de 2023-2024. No Brasil, o calor médio subiu 1,8°C desde 1980, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), criando o palco perfeito para o mosquito. O Aedes aegypti prospera entre 25°C e 35°C, e as chuvas irregulares deixam água parada em latas, pneus e calhas — criadouros ideais. Um estudo da Universidade de Michigan, publicado em 2023 no PLOS Neglected Tropical Diseases, já previa: o risco de dengue e zika no Brasil pode crescer 20% até 2050 com o aquecimento global. Em 2025, parece que estamos adiantando o cronograma.
O Ministério da Saúde registrou, até 31 de março, 1,2 milhão de casos prováveis de dengue, contra 6,6 milhões em todo 2024 — o pior ano da história, com 6.216 mortes confirmadas. Isso significa que, em apenas três meses, 2025 já alcançou 18% do total do ano anterior. Chikungunya também avança: foram 71.578 casos até março, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), contra 250 mil em 2024. Zika, mais discreta, soma 6.987 casos no mesmo período, mas preocupa pelo risco às gestantes — em 2023, o Ministério reportou 1.954 casos, com 116 em grávidas. “O calor acelera o ciclo do mosquito, e as chuvas multiplicam os focos. É uma equação cruel”, diz Kleber Luz, infectologista e consultor da OPAS.
Hospitais no Limite, Soluções na Gaveta
A explosão de casos lota hospitais. Em São Paulo, o Hospital Emílio Ribas operou com 120% da capacidade em março de 2025, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, com 80% dos leitos de UTI ocupados por arboviroses graves. No Distrito Federal, o Hospital Regional da Asa Norte suspendeu cirurgias eletivas em fevereiro para atender 300 casos diários de dengue, conforme o G1. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta: em 2024, a Américas tiveram 12,7 milhões de casos de dengue até setembro, quase o dobro dos 6,5 milhões de 2023. Para 2025, a projeção é sombria: o Brasil pode ultrapassar 8 milhões de casos se o ritmo seguir.
A vacina contra dengue, Qdenga, da Takeda, foi incorporada ao SUS em 2024, mas a produção limitada — 6 milhões de doses anuais — cobre só 10% da meta de 60 milhões de brasileiros entre 10 e 14 anos, segundo o Ministério da Saúde. Até março de 2025, apenas 2,1 milhões de doses foram aplicadas, com 53% da segunda dose pendente, conforme a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). A vacina do Instituto Butantan, em fase 3, segue sem prazo para chegar. “É uma corrida contra o tempo, mas estamos tropeçando na largada”, critica o infectologista Antonio Bandeira.
Saneamento: O Calcanhar de Aquiles
O saneamento básico, arma essencial contra o Aedes, está estagnado. O Instituto Trata Brasil aponta que, em 2023, 34,7 milhões de brasileiros (16% da população) não tinham água tratada, e 94 milhões (44%) viviam sem esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Em 2024, o investimento federal em saneamento caiu 15%, para R$ 2,8 bilhões, conforme o Portal da Transparência. No Nordeste, onde a dengue avança 25% mais que em 2024, 70% dos focos estão em reservatórios domésticos por falta de abastecimento regular, diz o Ministério da Saúde. “Sem água encanada, o povo guarda água em balde. É um convite ao mosquito”, resume Luz.
Um Futuro Ameaçado
A OMS lançou, em outubro de 2024, o Plano Estratégico Global contra Arboviroses, pedindo US$ 55 milhões para vigilância e controle até setembro de 2025. No Brasil, o orçamento do SUS para arboviroses em 2025 é de R$ 1,2 bilhão, contra R$ 9,2 bilhões do Pé-de-Meia educacional, segundo o PLOA. “O mosquito não negocia, mas os recursos sim”, ironiza Bandeira. A ONU estima que, até 2050, 5 bilhões de pessoas estarão em risco de arboviroses, contra 4 bilhões hoje, com o clima como motor. Em 2025, o Brasil já sente o peso: 15% mais internações por dengue grave que em 2024, segundo o Datasus.
Enquanto o mundo foca em conflitos distantes, o Aedes avança em silêncio. “A gente trata a febre, mas não a causa. E ela está no clima, no lixo, na água que não chega”, diz Maria Silva, 38, de Recife, que perdeu um sobrinho para dengue hemorrágica em março. Até quando o mosquito vai vencer essa guerra que ninguém quer lutar?