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COMO A DEPENDÊNCIA DA CHINA SUFOCA O BRASIL SILENCIOSAMENTE

O ELEFANTE QUE FINGEM NÃO VER

Maria Rosa M Pires
Por: Maria Rosa M Pires
08/04/2025 às 14h04
COMO A DEPENDÊNCIA DA CHINA SUFOCA O BRASIL SILENCIOSAMENTE

O Brasil vive um paradoxo que ninguém quer encarar. Enquanto o governo exibe otimismo com a economia, uma coleira invisível aperta o pescoço da nação. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), 80% dos componentes eletrônicos que movem o país — de celulares a tratores — vêm da China. É uma dependência que ninguém assume, mas que pode explodir no bolso do consumidor se o custo dessas importações subir. É um elefante na sala que todo mundo finge não ver.

Um País nas Mãos da Ásia

Os números não mentem. Em 2023, o Brasil importou US$ 29,76 bilhões em equipamentos elétricos e eletrônicos, segundo o United Nations COMTRADE, com a China respondendo por cerca de 42% desse total — mais de US$ 12,5 bilhões, conforme dados da Abinee. Em 2019, a associação já alertava que 80% dos componentes usados pela indústria nacional vinham da Ásia, sendo a China o principal fornecedor de semicondutores, telas e peças para telecomunicações. Em 2024, com a retomada econômica pós-pandemia e o boom de vendas de eletrônicos (117,7 milhões de unidades, segundo a Eletros), essa dependência só cresceu. Projeções da Abinee para 2025 estimam que as importações de componentes chineses cheguem a US$ 15 bilhões, ou 45% do total, se nada mudar.

Celulares, notebooks, máquinas agrícolas e até os painéis solares que o governo tanto incentiva dependem dessa corrente invisível. A Abinee aponta que, em 2023, os semicondutores importados da China somaram US$ 5 bilhões, seguidos por componentes de telecomunicações (US$ 4,7 bilhões) e informática (US$ 1,6 bilhão). O agronegócio, pilar da economia brasileira, não escapa, são 70% das peças eletrônicas de tratores e colheitadeiras que vêm de fornecedores chineses, segundo a Câmara Setorial de Máquinas Agrícolas da Abimaq. Se os preços subirem — seja por tarifas, desvalorização do real ou problemas logísticos —, o impacto vai direto para o consumidor, que já corta supérfluos para pagar o básico.

Uma Dependência que Não Sai do Papel

O que ninguém diz é que essa relação com a China sustenta a vida moderna no Brasil, mas a um custo alto. Em 2020, durante a pandemia, a Abinee já alertava: 57% das indústrias eletroeletrônicas brasileiras enfrentaram atrasos por falta de peças chinesas, e 15% planejavam paradas. Cinco anos depois, pouco mudou. O país exporta soja e minério de ferro para a China — US$ 34 bilhões só no primeiro semestre de 2020, segundo o Wilson Center — mas importa manufaturados que não conseguimos produzir. Em 2023, o déficit comercial do setor eletroeletrônico foi de US$ 25 bilhões, com exportações de apenas US$ 4,7 bilhões contra US$ 29,76 bilhões em importações, conforme o COMTRADE. É uma balança que pende perigosamente para um lado.

“É uma vulnerabilidade que expõe o Brasil a choques externos”, diz Humberto Barbato, ex-presidente da Abinee, em entrevista ao ZDNet em 2020. A indústria nacional não acompanha.  A produção local de semicondutores atende só 8% da demanda, segundo a Abisemi, e a fabricação de componentes é quase inexistente. Se algo dá errado na cadeia chinesa, o Brasil para — e ninguém parece ter um plano para isso.

O Consumidor na Linha de Fogo

O brasileiro já sente o peso da economia descolada. A inflação de 4,5% em 2024 (IPCA) e o custo da energia subindo 12% em dois anos (Eletrobras) apertam o orçamento, enquanto o salário mínimo de R$ 1.640 (2025) mal cobre o básico. Um celular que custava R$ 1.500 em 2023 pode saltar para R$ 2.000 com custos extras, estima a Abinee, e máquinas agrícolas podem encarecer 20%, afetando o preço dos alimentos. “O consumidor vira refém de uma relação que não controla”, resume José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), em análise ao Wilson Center. Sem alternativas internas, o Brasil fica à mercê de um fornecedor que dita as regras.

Um Elefante que Não Cabe na Sala

O governo fala em soberania, mas age pouco. O Projeto de Lei 13/2020, que promete um plano nacional de semicondutores até 2029, segue em tramitação lenta, com incentivos fiscais que não saem do papel. Em 2024, o Ministério da Ciência e Tecnologia destinou apenas R$ 500 milhões para inovação no setor, contra os US$ 4 bilhões do Plano Nacional de IA, focado em startups, não em produção. Enquanto isso, a China avança, e em 2023, exportou seus primeiros lotes de lítio brasileiro para baterias de elétricos, segundo o CEBC, mostrando quem manda na cadeia.

O Brasil dança no ritmo de uma dependência que ninguém assume, e o preço disso está a caminho — direto para o bolso de quem já não tem onde cortar. Até quando vamos fingir que o elefante não está aqui?

 

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