Perseguido pelo estado brasileiro desde que foi preso no dia 9.01.2023 no QG de Brasília, junto com mais de 2 mil pessoas, o brasileiro descendente de italianos Sílvio Semprini Júnior, 61 anos, está na Itália desde 12/12/2024. Semprini não foi julgado ainda pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pelos dois crimes considerados “leves” pelo próprio STF – associação criminosa e incitação ao crime – e não quis esperar para ver o resultado de toda perseguição. Melhor do que eu contar é você ler o que ele me disse ao telefone. Confere!
“Vir para a Itália foi consequência de tudo o que aconteceu desde o 8 de janeiro. Eu fiquei preso no Complexo Penitenciário Papuda, em Brasília, inclusive junto com os rapazes que hoje estão hoje presos novamente na Argentina. Fiquei três meses no presídio e depois fiquei um ano e meio usando a tornozeleira eletrônica e me apresentava toda segunda-feira no fórum.
Chegou um tempo em que muita gente estava chegando no fórum para assinar a presença e saía presa de lá. Eram casos como o meu, o 4921, pessoas que estavam acampadas em Brasília e foram obrigadas a entrar em ônibus. Depois fomos levados para o Campo de Concentração e, após passar pela triagem com delegados, fomos encaminhados para o presídio. Muitos até nem foram à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, mas se tornaram réus como eu.
Ao me tornar réu, a minha vida financeira acabou e a minha família está toda separada. Nós perdemos tudo. Além dos bloqueios de bens e contas, eu ainda corria o risco de voltar para a cadeia. E como eu morava em Belo Horizonte, se eu fosse preso seria levado ao presídio para ficar em celas junto com criminosos.
Em dado momento, falei para a minha esposa sobre a vontade de sair do Brasil e ela concordou, porque não queria que acontecesse novamente a minha prisão.
Fui embora. Atravessei a fronteira com a Argentina e algumas pessoas me deram um auxílio inicial. Fiquei seis meses por lá, consegui a documentação de asilo provisório, mas senti muita dificuldade para trabalhar e me manter, pois sempre surgia algum problema para desestabilizar. Percebi que seria difícil para nós ter uma vida normal , mesmo que a Argentina ofereça facilidades para trabalhar. Acontecem coisas no meio do caminho, como foi o caso de Josiel Gomes de Macedo, um exilado que foi abordado na rua por um repórter brasileiro enquanto trabalhava e que acabou perdendo o emprego por causa de uma publicação maldosa. Essas coisas acontecem...
A qualquer momento pode ser que alguém te denuncie e é natural que os exilados brasileiros sintam medo de ir para a rua. Em novembro do ano passado, cinco foram presos pelo governo argentino e continuam no cárcere, sem previsão de sair, após o Brasil emitir um pedido de extradição.
Fica muito difícil sobreviver assim. Estou aqui na Itália agora, mas penso nos exilados que estão lá, porque sei como a situação difícil. São pessoas que, como eu, tiveram que abandonar as suas vidas, seus empregos, seus negócios e recomeçar a vida em outro país, distante da família.
Em dezembro do ano passado, como eu tenho a cidadania italiana, surgiu a oportunidade de vir aqui para a Itália, com ajuda de amigos. Eu mesmo não teria condições de pagar as despesas de viagem. O meu passaporte italiano estava vencido quando cheguei na Argentina, mas tive a sorte do Consulado Italiano, em Buenos Aires, renovar sem qualquer obstáculo.
VIDA NA ITÁLIA – UMA MÃO NA FRENTE E OUTRA ATRÁS
Cheguei aqui na Itália em 12.12.2024 e faz três meses que procuro me estabilizar, coisa que não é fácil mesmo tendo a regalia de ser cidadão italiano. Tenho o passaporte, mas não consigo documentação fácil para ter uma vida normal, porque aqui a legislação italiana é bastante burocrática.
Exige determinadas coisas que para uma pessoa como eu, que acabou de chegar com uma mão na frente e outra atrás, é impossível. Para conseguir a identidade, por exemplo, é preciso ter uma residência, um contrato de aluguel no seu nome, mas para ter um aluguel é exigido que você tenha um emprego com contrato por tempo indeterminado. Ninguém fará um contrato de trabalho desse tipo com você antes de ter no mínimo um ano aqui na Itália.
Então é difícil conseguir um lugar para ficar, comprovar residência, então eu me sinto como um cachorro correndo atrás do rabo. Essa é a minha situação.
Hoje estou no Norte da Itália, mas amanhã estou saindo daqui. Comprei uma bicicleta e vou para outra região da Itália, mais longe. Vou para a região do meu antepassado (nono) para ver se consigo algum apoio lá, porque não tenho dinheiro e não tenho nada aqui. Estou numa situação difícil e não conseguir arrumar trabalho.
Essa é a vida que nós estamos levando como exilados. Acabaram com a nossa vida e temos que tentar sobreviver em países diferentes, com as nossas famílias abandonados. E gente não sabe quando é que isso vai ter fim.
Falo sobre o que está acontecendo com a gente para tentar sensibilizar sobre a anistia. Não vou descansar até que essa injustiça seja desfeita.”