“Até novembro de 2022, quando decidi atuar como influencer digital, eu, Lucas Yuki de Melo, então com 22 anos, trabalhava como técnico de informática na empresa do meu irmão, em Cruzeiro do Oeste, PR. Ele me convidou porque precisava de ajuda na loja, pois estava com muitos clientes e não dava conta de atender.
A área que eu gosto de atuar é cinema e fiz alguns bicos com fotografia e edição de vídeos. Essa paixão eu peguei do meu pai Gilson Gomes de Melo, que sempre atuou com filmagens profissionais em Londrina, PR, onde nasci. Eu fui por esse caminho da edição de vídeos e ganhava meu sustento antes de ajudar meu irmão da loja.
Meus pais são separados e eu cresci em Cruzeiro do Oeste, e fui educado pela minha mãe Elza Yassauko Takei, uma mulher cristã evangélica, descendente de japoneses nascidos no Japão.
Desde muito novo eu frequentei a igreja e minha mãe me ensinou os caminhos corretos a seguir, segundo os caminhos de Deus.
Essa era a minha vida até chegar as eleições de 2022, quando fiquei indignado ao ver que Lula saiu da cadeia para ser candidato. Foi o meu primeiro contato com a política. Eu tinha a minha fé, minhas crenças e ao acompanhar o que estava sendo noticiado naquele ano de eleição percebi que havia um favorecimento ao candidato Lula, da esquerda, em detrimento ao Bolsonaro.
Muitas notícias eram mentirosas, manipuladas e aumentadas pela imprensa. Fiquei mal ao ver aquilo e decidi transformar as minhas redes sociais, até então Facebook e Instagram, com pouquíssimos seguidores, e compartilhar notícias verdadeiras. Não mostrava o meu rosto, só publicava informações. Logo fui censurado e fiquei 90 dias sem poder publicar no Facebook. Até guardei os prints da época, tal a minha indignação por ter a minha expressão calada.
Foi então que decidi entrar no TikTok com informações de política, porque até então eu usava para conteúdos humorísticos. Comecei a passar a minha opinião nessa conta com 150 mil seguidores, que era monetizada, e expressei o meu pensamento sobre tudo que lia e ouvia de mentiras.
Foi nesse contexto que surgiu o patriota Lucas, como fiquei conhecido, e comecei a ter engajamento. Os meus vídeos ganharam muita projeção, até que a minha conta, que era remunerada, caiu.
Persisti com a ideia de marcar presença nas redes sociais, por entender que a população estava hipnotizada pelas mentiras da Rede Globo e CNN, entre outras emissoras tradicionais, corrompidas pelo sistema.
Abri uma nova conta e ela “ estourou” rapidamente. Em novembro de 2022 eu já estava com 300 mil seguidores, o dobro da primeira conta. Percebi que as pessoas identificadas com os princípios da direita gostavam da minha forma de falar e trazer as informações. E, claro, eu continuava com uma pegada de bom humor. Eu creio que isso ajudou a viralizar os meus vídeos.
AMIZADE COM O INFLUENCER RAFAEL TAMANHO
Em novembro de 2022, conheci pelas mídias sociais o Rafael Tamanho, morador de Curitiba, PR, que fazia um trabalho semelhante ao meu nas mídias sociais. Até então eu estava em Cruzeiro do Oeste, uma cidade bem pequena e ficava ligado o tempo todo nas informações para colocar no ar. Inclusive larguei o trabalho na loja do meu irmão.
Como não tinha nenhum QG próximo, aceitei o convite de Rafael para ir a Curitiba ficar com ele no Forte Pinheirinho, e abracei a ideia do movimento social que estava acontecendo em todo o Brasil desde o resultado do segundo turno. Estava sem reserva financeira para isso, mas a minha avó de 84 anos financiou a minha ida de ônibus.
FORTE PINHEIRINHO
Às 5 horas do dia 25 de novembro de 2022, eu cheguei no QG de Curitiba e isso mudou a minha vida. Antes eu estava nas redes sociais divulgando aquilo que eu conseguia captar de informação nas mídias, mas agora eu estava vivendo a experiência, o que mudou o meu ponto de vista e pude levar mais sensações para os meus seguidores, por viver intensamente o movimento.
Os seguidores já gostavam dos meus vídeos e, com a mudança, cheguei a ter algumas gravações com mais de 1 milhão de visualizações. As contas do TikTok, claro, eram banidas. Abri mais de dez, sendo que algumas não duraram nem um dia. Eu perguntava aos meus seguidores a sua opinião para aprimorar o meu trabalho e a nossa relação fluía muito bem.
Para ter boas fontes de informações, seguia profissionais de confiança da direita e eu traduzia o fato do dia de uma forma simples, sem rodeios.
Fiquei mais ou menos duas semanas em Curitiba e os meus seguidores começaram a pedir para que eu fosse ao QG de Brasília.
Como o foco realmente era Brasília, conversei com o Rafael e entendemos que o tempo no QG de Pinheirinho tinha acabado e que deveríamos ir para a capital federal. As informações estavam centralizadas lá, então nós deveríamos nos deslocar para perto delas.
Em Curitiba, eu estava acampado numa barraca que Rafael conseguiu para mim e comia no QG. Não tinha dinheiro para viajar, mas para me deslocar a Brasília os meus seguidores mandaram recursos suficientes para comprar uma passagem área. Inclusive foi a primeira vez que voei.
Cheguei no início de dezembro e entrei em contato com a influenciadora Juliana Gonçalves Lopes Barros (hoje condenada a 17 anos em julgamento virtual em dezembro de 2024) que fez uma ponte para eu me acomodar numa barraca. Fui acolhido na Barraca de Paranaguá, onde também estava o advogado Levi de Andrade. Lá ficaram outros jovens, como o influencer Eduardo, do movimento Resistência Joinville.
Era a minha primeira visita a Brasília, então levei uns dois dias para me organizar e dar início ao meu trabalho amador, com enfoque jornalístico.
Por estar junto com o Dr. Levi, pude acompanhar as situações de prisão do empresário Milton Baldim pela Polícia Federal na frente do QG em 07.12.2022, como também toda a confusão da prisão do Cacique Sererê, em 12.12.2022, quando até mesmo um ônibus foi incendiado em frente à sede da Polícia Federal.
Eu estava fazendo o meu papel de acompanhar os fatos e informar os meus seguidores, compartilhando o que o advogado falava. A informação chegava para mim em primeira mão. A própria Juliana me repassava muitas informações, porque ela tinha boas fontes.
MOVIMENTO SEM LIDERANÇA
Alguns achavam que o nosso líder era o Bolsonaro, mas não era. Estávamos nos manifestando como brasileiros indignados. Eu tenho certeza de que ninguém largaria o trabalho, empresa e família para ficar socado num acampamento. Eu fui para o QG sem outra intenção senão atuar como um repórter amador e levar informações através de uma plataforma, com vídeos rápidos, porque a imprensa não divulgava absolutamente nada do movimento e quando fazia era com desprezo.
Conforme o tempo foi passando, influenciadores com mais expressão surgiram no QG, como o pastor Salomão Vieira. Até mesmo a cantora Fernanda Oliver esteve conosco.
Nós criamos uma rodinha e fizemos um vídeo que acabou viralizando, no qual chamamos as pessoas para irem a Brasília. Nós conversávamos muito e cada um emitia a sua opinião sobre o momento, e eu continuei levando a informação para os meus seguidores do TikTok.
Após as eleições, estávamos apreensivos porque na nossa cabeça não fazia sentido o Lula ter ganhado. Eu tinha como certa a fraude e, antes que pensem isso, eu não me considero um bolsonarista. Sou posicionado contra o PT.
Nunca usei faixa ou chamei para intervenção militar, nem fiz vídeo apoiando Bolsonaro. O que eu estava querendo era transparência das eleições, porque tínhamos a informação de que algumas urnas deram 100% para o Lula e isso não fazia sentido. As Forças Armadas indicaram que a segurança das urnas era inconsistente, que tinha forma de fraudar e isso só foi aumentando a sensação de que algo errado tinha acontecido.
Naquele início de 2023, a falta de uma liderança no acampamento de Brasília resultou em muitas discussões entre os próprios patriotas sobre o que deveria ser feito. Porém, eram debates sempre muito respeitosos. A bagunça era no que deveria ser feito e não em relação à estrutura e funcionamento do QG, que estavam muito bem, inclusive na questão de limpeza.
Na véspera do 8 de janeiro, nós, os influenciadores, nos unimos e chegou até o nosso conhecimento de que precisávamos fazer as manifestações na Esplanada. Já tínhamos a experiência de saída em grupo do QG, porque no final do ano de 2022, nós já tínhamos ido até o Palácio Alvorada, onde participamos de uma vigília.
A FESTA DE SELMA
Nós, os influenciadores acampados, criamos a expressão “Festa de Selma” para nos referir à transferência do acampamento da frente do quartel para a Esplanada. Usar essa expressão era uma forma de esconder a nossa intenção, porque sabíamos que não era bem-vinda a presença de manifestantes no local.
Infelizmente, depois do 8 de janeiro, a mídia começou a se referir à “Festa de Selma” como uma organização que tinha a intenção de quebrar e fazer arruaça. Mas o sentido foi distorcido: era para acampar e resistir, inclusive levando máscaras para o gás lacrimogênio, pois sabíamos que acampar naquele local provocaria a polícia.
Em 2022, eu mesmo fiz um vídeo e compartilhei no meu canal no TikTok opinando sobre como seria arriscado ir para a Esplanada. Disse, inclusive, que poderia ser repetido o que ocorreu no Capitólio nos Estados Unidos. Sem a segurança que os acampamentos em frente dos quarteis representava para a população conservadora, infiltrados poderiam entrar no movimento e criar confusão, prejudicando os patriotas.
Aí vem a questão: como alguém que tinha consciência do risco de uma armadilha foi direto para ela?
Hoje estou sendo acusado de ser um dos organizadores do quebra-quebra. Tenho todas as acusações das pessoas que foram presas em 8 de janeiro e foram condenadas de 14 a 17 anos de prisão.
A resposta é simples: a gente não acreditava que algo poderia dar tão errado. A nossa ideia era partir para a Esplanada para acampar, ao invés de ficar no QG.
Nós, os influenciadores, divulgamos que não era para levar idosos e crianças, e eu fui um que fui muito enfático nesse aspecto, porque nós sabíamos que a polícia tentaria nos dispersar. A gente queria acampar no gramado e impedir que os políticos entrassem no Congresso Nacional, mas em momento algum eu fiz vídeo incentivando a quebrar, nem pronunciei qualquer palavra para invadir os prédios da República ou aprovei atos de barbárie.
VILA MILITAR
Na véspera do dia 8 de janeiro estava chegando muita gente e muito mais caravanas chegariam, então aceitei o convite de uma amiga para ficar na sua casa, localizada numa vila militar. Fui eu e o Eduardo, do movimento Resistência de Joinville, e a Juliana voltou a dormir na casa dela. Assim deixamos espaço para novas pessoas que chegavam no QG.
Eu ficava durante o dia no acampamento e à noite ia para a vila militar. No dia 8 de janeiro, cheguei na Esplanada junto com a Juliana de carro, e ela estacionou ali perto. Levei as minhas coisas para acampar, mas deixei no carro, inclusive a máscara para gás lacrimogênio porque imaginávamos algum confronto poderia acontecer com a polícia. Naquela hora não levei junto a máscara, que ficou no carro com a barraca.
A massa vinda do acampamento era muito grande e entrei em live para contar o que estava acontecendo e comecei a marchar junto. Quando chegamos, vi um policiamento muito fraco na Esplanada, talvez quatro policiais, mas era insignificante diante de tanta gente. Isso chamou a minha atenção. Na minha visão, como o movimento estava sendo chamado até mesmo pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis da Rocha, haveria segurança o suficiente para garantir a integridade dos manifestantes.
Sobre a questão da máscara: como ela ficou no carro, se a Polícia Federal tiver fotos minhas na manifestação será sem máscara, porque eu não estava preparado para o que aconteceu. E essa conversa que divulgam que sou um dos líderes do movimento que depredou os prédios não faz nenhum sentido. É uma narrativa. E de fato algumas pessoas estavam com máscara, mas por precaução, como expliquei antes. Era esperada uma resistência da polícia quando ficasse claro que transferiríamos o acampamento para a Esplanada.
Eu me posicionei bem na frente do pessoal que desceu marchando desde o QG e ouvi o primeiro tiro de arma com bala de borracha. Logo, foram muitos tiros e bombas de gás lacrimogênio. Fui tudo muito rápido e levei um tempo para entender o que estava acontecendo, assim como as demais pessoas, eu estava perplexo. Jamais esperava vivenciar um confronto com a polícia daquela forma.
Uma bomba de gás lacrimogêneo caiu próxima de mim e eu inalei. Comecei a passar mal e acabei deitando no chão para tentar me recompor e respirar melhor. Nesse momento, vi que eu não tinha conexão para fazer transmissão pelo celular, o que talvez tenha sido a minha sorte, porque eu entraria em live mostrando todo aquele horror e, talvez, isso fosse utilizado contra mim.
Agora, é importante raciocinar. Aquele local onde estão os prédios da República deveria ser o lugar mais protegido do Brasil e estava desprotegido, curiosamente no dia 8 de janeiro, quando haveria uma grande concentração da população de direta em Brasília. Lembro bem que, no início do confronto, vi ao longe uma Bandeira do Brasil pendurada numa das janelas. Na hora não caiu a minha ficha, mas depois raciocinei, como alguém poderia ter chegado lá antes de nós se eu estava na frente do grupo que tinha chegado do acampamento em marcha?
A gente só não vivenciou um banho de sangue porque as balas eram de borracha, e mesmo assim muita gente se feriu, como um senhor de 65 anos que sangrava muito na cabeça deitado no chão. Apesar de nós, os influenciadores digitais, termos avisado para não descerem com idosos e crianças, eles estavam lá e eram alvos da polícia. Socorri idosas, algumas com aparência de idade da minha avó. Inclusive, arrisco dizer que 30% das pessoas que estavam naquele dia eram idosos.
“RECUEM, RECUEM!”
O meu impulso foi começar a gritar para as pessoas recuarem, para que voltassem para o QG. Mas eu não era ouvido nos meus gritos “Recuem, recuem”.
Um detalhe daquele dia foi a linha de frente do confronto. Vi três linhas de cerca de dez pessoas à frente dos patriotas, que estavam de braços entrelaçados indo em marcha para cima dos policiais. Foi uma situação estranha que presenciei.
Enfim, naquela confusão sem sentido algum, ajudei quem eu podia ajudar, quem estava passando mal caído no gramado. E meia hora depois conversei com Juliana sugerindo que saíssemos do local, porque nada daquilo estava previsto na manifestação.
Procurei um conhecido meu e o encontrei num dos prédios. Vi mulheres de idade lá dentro ajoelhadas orando e gritei para que saíssem de lá, mas o que percebi foi que na cabeça de algumas pessoas o fato daquilo estar acontecendo significava uma vitória, uma conquista. Diziam “ganhamos, ganhamos”, numa ingenuidade que chegava a comover.
Ouvi um coral de patriotas gritando “Não quebrem, não quebrem!”, o que demonstrava a intenção da maioria de manter o mínimo de ordem em meio àquela grande confusão. Essas pessoas não estavam quebrando e nem danificando nada, porém eu não posso afirmar que não teve patriota que se envolveu no vandalismo. Tinha alguns quebrando a vidraça e gente gritando para não fazer aquilo.
E foi quando presenciava isso que uma pessoa mascarada passou distribuindo um tipo de bomba, que acredito ser de gás lacrimogêneo pelo formato dela. Eu não tenho nenhum conhecimento militar, balístico, mas eu já joguei jogos de videogame então pela forma da bomba era de fumaça ou gás lacrimogêneo.
Esse sujeito colocou uma na minha mão e saiu distribuindo, porque ele carregava muitas numa mochila. Eu só pensei: “Meu Deus, o que é isso?”, e de forma alguma usaria aquilo, tanto que deixei no chão. Nem pensei que estaria com as minhas digitais, se estaria cometendo um erro ao fazer isso, mas deixei no canto porque não era nada daquilo que eu poderia imaginar de um movimento de protesto.
Chamei o Eduardo e um outro conhecido meu para sairmos de lá o quanto antes. Ainda gritava para as pessoas saírem do local, muito mesmo, tanto que fiquei três dias sem voz. Porém, era inútil. Eu via o cerco fechar sobre os manifestantes e não conseguia avisar ninguém. Alguns, na sua inocência, oravam acreditando que tinham vencido por estar ali, junto com o Exército, que os protegia.
Eu saí do local e, em questão de alguns minutos, quem estava no prédio não pode mais sair. O Bope chegou. Eu não sei dizer que prédio era esse porque não conheço nada de Brasília e eu estava pela primeira vez e em circunstâncias pouco favoráveis para conhecer alguma coisa.
Caiu a noite e o ambiente seguia hostil, com pessoas no chão desmaiadas, vi várias pessoas que tomaram tiro de borracha. Eu não sei como não fui atingido. Um tiro passou de raspão perto da minha orelha e imagino de tivesse me atingido nos olhos, como foi o caso de um patriota que perdeu um dos olhos.
Várias pessoas que estavam no local eram curiosas, inclusive tinha uma mulher fazendo (acredite) um ensaio fotográfico no meio de todo aquele ato. Ela parecia grávida, porque tinha um barrigão. Fiquei impressionado com a cena...
CAPITÓLIO BRASILEIRO
Resolvi sair de lá, uma viatura de polícia passou por mim, mas não me interpelou, e voltei para a vila militar.
Eu fiquei algumas semanas na vila militar esperando a situação acalmar, porque no mesmo dia 8 de janeiro pessoas foram presas, assim como no dia seguinte quem estava no QG de Brasília foi levado para presídios. Juliana ia de vez em quando na vila para conversar. Soubemos que o exército entregou os patriotas do acampamento e meu coração estava triste porque pessoas que tinham se tornado importantes para mim estavam lá. Até mesmo um seguidor meu na faixa dos 80 anos foi preso, mas pela idade foi liberado.
No período em que fiquei escondido em Brasília ajudei muita gente que estava só com a roupa do corpo e saiu do QG antes do cerco fechar. Eu tinha recursos das doações feitas para mim no período em que fiz cobertura, que eu utilizava para suprir as necessidades da barraca. Usei o que tinha no banco para ajudar na compra de passagens para as pessoas voltarem para casa e suprir necessidades de quem ficou sem nada por ter deixado tudo no QG desmontado pelo exército na manhã do dia 9 de janeiro de 2023.
De Brasília fui acompanhado pela Juliana para Curitiba. onde ficamos por quatro dias. Fomos acolhidos por uma das minhas seguidoras. Eu estava assustado e sem saber o que fazer. Com somente 22 anos, não tinha nenhuma experiência e nunca tive motivo para temer a polícia. As coisas tinham mudado de uma hora para outra. De Curitiba, fomos para uma cidade de Santa Catarina onde também ficamos hospedados por seguidores meus. Lá ficamos até o final de fevereiro do ano passado, quando Juliana decidiu voltar para Brasília, para ficar com o marido e seus três filhos. Além do medo de ser localizado, eu pensava sempre nas famílias que me acolhiam a cada passo, com receio de que fossem prejudicadas.
PARA ONDE IR?
Voltei para a minha cidade, Cruzeiro do Oeste, PR, mas fiquei poucos dias e decidi ir para a casa do meu pai em Londrina, PR. Eu precisava esfriar a cabeça.
Fui bem recebido pelo meu pai, que não tem posicionamento político, e não falei tudo para ele, só disse que eu estava ferrado. Meu mandado de prisão foi expedido pelo Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes em 17 de agosto do ano passado, mas no dia 11 de junho aconteceu uma coisa lá em Londrina que me deixou em estado de alerta.
Uma das providências que eu tomei em Londrina foi renovar o meu RG para então fazer o meu passaporte, porque o meu objetivo era ir para o Japão. Era muito viável a minha ida pela ascendência que tenho.
Eu não me dei conta que ao fazer isso estaria indicando para a Polícia Federal a cidade onde eu estava e, por incrível que pareça, algo aconteceu para que eu pudesse entender esse risco de ser preso por aqueles dias.
No dia 11 de junho, véspera do Dia dos Namorados, tocou o interfone no apartamento do meu pai e o entregador disse que tinha uma entrega para mim. Ninguém sabia que eu estava na casa do meu pai. Desci para a portaria assustado e recebi uma rosa e uma caixa de bombons da Cacau Show com um cartão de uma admiradora secreta, pedindo uma oportunidade para me conhecer.
Na hora eu não entendi. Primeira coisa que pensei é quem enviou isso para mim se ninguém sabe que estou aqui. No dia seguinte, tive um insight e eu creio que foi o Espírito Santo que me orientou. Recebi um presente e ninguém sabe que estou aqui, o presente é de uma admiradora secreta... Isso só pode ser da Polícia Federal! Foi aí que entendi que ao renovar a minha RG eu entreguei meu paradeiro, no entanto a polícia ainda não tinha o meu endereço e fez a armação para se certificar que eu estava na casa do meu pai.
Nunca na minha vida recebi um presente e não seria naquela situação que isso aconteceria. Então contei para o meu pai e disse: Eu posso ser novo, mas não sou burro!
No mesmo dia peguei um ônibus e voltei para Cruzeiro do Oeste, onde fiquei até agosto.
No dia 17 de agosto, o meu pai ligou às 5 horas da manhã informando que a Polícia Federal tinha acabado de dar uma batida na casa dele me procurando. “Entraram com tudo, filho!”, me disse ele. Até achei que era uma brincadeira, porque o meu pai é muito brincalhão, mas depois entendi que era sério. Quando falei para o meu pai que aquela rosa que tinha recebido era da PF ele ficou tão incrédulo, ele achou um absurdo que a polícia estivesse me investigando, que até tinha desconectado da história da rosa.
A partir daquela informação, ficou claro para mim que a PF iria me procurar em Cruzeiro do Oeste, porque era a minha cidade. Então enviei uma mensagem para o Rafael Tamanho, que estava refugiado no Paraguai, contando que estavam atrás de mim. Nesse momento eu já tinha lido notícias da prisão da cantora Fernanda Oliver e a mãe da Juliana entrou em contato comigo para contar que ela tinha sido presa.
Ficou claro que estavam prendendo várias pessoas que eu tinha conhecido no acampamento de Brasília. Eu fiquei completamente apavorado.
MEDO PARALISANTE
Rafael me disse para ficar com ele no Paraguai. Mas até conseguir viajar para lá, eu dormi na rua de medo de acordar com a polícia chegando na minha casa. Eu não tinha condições financeiras para sair de onde eu estava. Depois decidi dormir no quintal da minha avó, numa casinha que fica nos fundos.
Minhas condições emocionais estavam péssimas. Não tinha coragem de entrar num ônibus e finalizei aquele agosto dormindo daquele jeito, sempre fora de casa. O meu pai se ofereceu para me levar até a cidade Pedro Juan Caballero, no Paraguai, onde estava o meu amigo com sua família.
Fiquei com eles por um mês e meio, até que Rafael decidiu seguir um novo rumo.
Eu sabia sobre fugir da polícia pelos filmes que assistia, mas é muito diferente você viver um 8 de janeiro e ser acusado de algo que você não é e ter que pegar estrada para evitar uma prisão. Me sinto muitas vezes dentro de um filme e me pergunto por que Deus vinha me protegendo.
Afinal, eu saí cerca de cinco minutos antes do fechamento do cerco plicial no prédio da República e todos que estavam dentro foram levados para o presídio e estão sendo condenados a 14 a 17 anos de prisão.
Eu que estava desde dezembro de 2022 no QG de Brasília, dias antes me mudei para a vila militar, o que evitou a minha prisão no dia 9 de janeiro por estar acampado.
Depois foi a rosa misteriosa que recebi que me deixou alerta para uma possível batida da PF na casa do meu pai.
ASILO NO PARAGUAI
Quando cheguei no Paraguai, mandei e-mail para o CONARE para conseguir asilo, mas a resposta que me deram é que não havia vaga disponível, mas que assim que fosse possível me atender entrariam em contato. Nesse meio tempo aconteceram as prisões de patriotas no Paraguai e o próprio Rafael teve que criar uma estratégia para ele não ser preso. Já não poderia ficar com a família no Paraguai. Foi pior para ele, porque diferente do meu caso, que sou sozinho, ele tem esposa e três crianças pequenas. Ainda em outubro de 2023 ele saiu do Paraguai para evitar que fosse preso e foi de país em país até chegar no local seguro que está hoje.
Quando ele foi embora, eu já tinha alugado um quartinho pelo qual eu pagava R$ 1.200,00 por mês. Só comia e dormia, por estar numa depressão profunda. Usava medicamento que me dopava. Engordei mais de 30 kg nos seis meses que fiquei no Paraguai. O suicídio da Karol Eller, em outubro de 2023, foi o gatilho. Nós nos conhecemos no acampamento de Brasília, gostava muito dela.
Eu tomava remédio e ficava 24 horas dormindo. Quando eu levantava fazia um vídeo e voltava a dormir. Perdi bastante a noção do tempo e a minha ansiedade me levou a descontar tudo na comida.
Eu ainda não sabia exatamente o que fazer, passei por dias muito difíceis de solidão. Foi então que um seguidor sugeriu que eu fosse para o Uruguai. Depois de tudo que tinha passado, não senti nenhum medo e fui de carona até Chuy, no Uruguai, uma pequena cidade com cerca de 10 mil habitantes. Não sei se foi por conta dos remédios que acabei tomando em excesso, mas fui sem receio de dar errado, até porque no Paraguai não dava mais para ficar. A maioria dos policiais daquele país são corruptos e não vacilariam em me prender em troca de dinheiro.
Fiquei cinco meses no Uruguai onde trabalhei em tudo que aparecia. Eu implorei por trabalho. Meus seguidores me ajudavam, mas tive que dormir na rua por um imprevisto que aconteceu. Eu tinha alugado uma casa, paguei tudo certinho, fiquei um mês e meio nela, mas do nada o proprietário pediu a casa porque uma sobrinha precisava morar nela.
Por aqueles dias eu estava fazendo algumas diárias como ajudante de pedreiro, carpindo lotes (eu pegava uma enxada emprestada). Tudo o que eu fazia era dentro da lei e ainda é. Sem ter para onde ir, porque não é fácil alugar sem documentação do país, e eu estava irregular no Uruguai, então acabei ficando três noites na rua.
Precisei da ajuda de patriotas para conseguir um novo lugar para ficar no Uruguai. Eu tinha receio de pedir asilo político, porque sinto que os países da América do Sul não são confiáveis. Até mesmo a Argentina, para onde muitos foram pedir asilo, senti que iria acontecer como no Paraguai, como de fato veio a acontecer no segundo trimestre de 2024, com a prisão de cinco pessoas e perseguição de dezenas pela polícia argentina, a pedido do Governo Lula.
Não passei fome no Uruguai e morar temporariamente em rua não foi novidade para mim, porque já tinha vivido isso em Cruzeiro do Oeste. Tive uma vida tranquila por lá e, numa conversa com um patriota, surgiu um caminho para ir aos Estados Unidos. Na verdade, me dei conta que eu estava apenas sobrevivendo e não conseguiria me estabelecer, ter uma vida normal no país vizinho. Eu trabalhava como um indigente, vivia escondido, sem registro algum. Cheguei a vender paçoca e doce de leite na porta de um colégio.
RUMO AOS ESTADOS UNIDOS
Eu não tenho passaporte, portanto não tenho visto e a única forma é entrar nos Estados Unidos de forma ilegal. O projeto foi voar ilegalmente para lá desde a Colômbia, então o meu primeiro desafio era chegar naquele país.
Levei oito dias para chegar na Colômbia e tomei o cuidado de não expor a minha identidade. Eu pedia para algum morador local comprar passagem com os documentos dele, e por um bom período caminhei e pedi carona. Nunca fiquei muito tempo num local, porque mesmo estando em países diferentes não sabia se estava sendo rastreado. Como saber?
Para fretar um avião monomotor eu consegui R$ 50 mil, que era o valor que eu devia pagar ao piloto quando chegasse na pista de decolagem. Um amigo meu que reside nos Estados Unidos conseguiu esse voo ilegal para mim, com um piloto que faz fretes regulares entre Colômbia e Estados Unidos.
Como não seria a primeira vez que ele levaria um imigrante ilegal no voo, confiei que daria certo. Nosso ponto de encontro foi uma pista clandestina na Colômbia e o acordado é que teríamos duas paradas no meio do caminho para abastecer o monomotor.
Eu estava aliviado ao embarcar, pois eu tinha a quantia que consegui com apoio dos patriotas. A grande parte como empréstimo e o combinado era de que ao chegar nos Estados Unidos eu iria trabalhar para devolver. Tudo isso eu fiz na surdina, porque se fizesse um vídeo e publicasse nos meus perfis eu chamaria a atenção dos agentes federais.
Depois de pouco mais de meia hora de voo, começaram a piscar luzes no painel além de um aviso sonoro. Não tinha qualquer turbulência, mas o piloto americano começou a falar, a explicar, e eu não entendi nada por que não compreendo a Língua Inglesa. Traduzi, pelo contexto e gestos, de que algum problema técnico estava acontecendo no avião.
Ele desceu ainda em solo colombiano, num pequeno aeroporto, e assim que pousamos avistamos um carro de polícia vindo em nossa direção. O piloto olhou para mim e fez sinal de calma com a mão. Os policiais, por sua vez, vieram para cima de nós com as armas apontadas e ordenando que saíssemos da aeronave.
A abordagem foi totalmente agressiva e na minha cabeça talvez pudesse ser justamente o meu algoz em ação: Alexandre de Moraes me pegou!
Isso era o mês de julho de 2024 e eu fiquei atordoado com os gritos dos policiais, numa típica abordagem a bandidos. Fui levado para uma delegacia de polícia e só depois de duas semanas é que fui entender que eu não estava preso por ser um manifestante de 8 de janeiro.
PRISÃO E TORTURA
Ali na pista do aeroporto eu fui separado do piloto que eu nunca mais vi. Nem ele, nem os R$ 50 mil que tinha conseguido para fazer a travessia aérea até os Estados Unidos. Fui para dentro de uma delegacia típica de filme: um escritório na frente e aos fundos as celas.
Na primeira semana, bebi água somente um dia, porque implorei para o guarda me dar um copo de água. Nessa semana não comi nada, mas ainda estava bem lúcido. Quando entrou a segunda semana, teve início o interrogatório, quando sofri tortura psicológica e física, levei socos, tapas e chutes. Fui agredido com o cano da arma, levei coronhadas. A minha primeira refeição foi após o primeiro interrogatório.
Eles queriam informações, por isso me agrediam. Só que eu não tinha nada para contar. Eles queriam saber das drogas que eu estava indo buscar, para quem eu trabalhava e coisas associadas ao tráfico. Eu confessei que eu era um foragido político do Brasil, que a Polícia Federal estava atrás de mim, pedia para ligar para um advogado, mas eu só apanhava.
Só então a ficha caiu: eu estava dentro de um país onde o tráfico é muito pesado, onde funcionam os cartéis de drogas e eu fui confundido como um traficante. Eu fiquei ainda mais desesperado quando me dei conta da situação em que me meti.
O primeiro mês dentro da delegacia foi desse jeito e eu achei que iria morrer. Fiquei ao todo três meses e meio preso, sem poder falar com qualquer pessoa porque eles tomaram o meu celular e minha bolsa, e não me deram nenhuma oportunidade de acessar ajuda. Foram os piores momentos de minha vida.
A partir do segundo mês, eles pararam de me torturar, mas também não me liberaram da cadeia. Creio que olharam o meu celular e viram que não tinha nada de ilícito, mas me deixaram ali por mais um tempo.
Ficar sem alimentação durante a primeira semana só não foi mais grave para mim por eu ter engordado os 30 kg no período em que estive no Paraguai. Eu tinha uma reserva de gordura, mesmo assim eu fiquei tonto, com dor de cabeça e com vertigens.
Antes de sair da cadeia, devolveram os meus pertences, mas quando fui pegar o celular e o dinheiro que tinha, vi que não estavam na bolsa. Eu ttinha reservado mil dólares para comer e me locomover nos Estados Unidos, porque o piloto recebeu o valor combinado quando entrei no avião.
A partir daí vivi o pior momento da minha vida, porque não tinha a menor ideia de onde eu estava, além da noção de que era uma cidadezinha do interior da Colômbia. O espanhol arrastado deles não ajudava a comunicação, o fato de ser estrangeiro e a minha aparência eram obstáculos até mesmo para conseguir um copo d´água.
Eu estava com a mesma roupa há mais de três meses, sujo e fedia muito. Fiquei sem tomar banho durante todo o período da prisão e de uma hora para outra estava na rua com aquela sujeira toda, sem dinheiro e sem o celular para pedir socorro para os meus conhecidos.
Eu pedia água e comida nas casas, mas as pessoas se esquivavam. Pedia serviço para ganhar algum valor, mas a dificuldade de comunicação foi um fator grave. A minha primeira conquista foi um copo com água e um pedaço de pão. Fazia muito tempo que não comia. Depois pedi um pedaço do cachorro-quente que um senhor estava comendo e ele me deu.
Foram três dias nessa situação de fome e mendicância, dormindo na rua, e eu comecei a me perguntar o que fazer para sobreviver. O único número de telefone que eu lembrava era o da minha mãe e naqueles três dias batendo de porta em porta eu também pedia celular emprestado para fazer uma ligação.
No quarto dia fiz uma ligação internacional para a minha mãe, que por sorte não recusou, e expliquei que estava numa situação difícil na travessia para os Estados Unidos, só não contei exatamente o que vivi para não assustar.
A minha mãe estava ciente do meu sumiço, porque sempre mandava uma mensagem falando onde eu estava para tranquilizá-la, e eu fiquei meses sem dar notícias. Pedi algum dinheiro para ela, mas como ela está desempregada há um bom tempo, por estar cuidando da minha avó que quebrou o fêmur, ela falou que estava sem condições no momento. Ela já tinha me ajudado com mais de R$ 3 mil para o voo e eu não insisti, nem contei o que eu estava vivendo, até para que ela não ficasse nervosa.
A questão era a mesma de sempre: como sobreviver naquelas circunstâncias?
Naqueles dias morando na rua eu conheci pessoas e elas usavam drogas. Contei a minha história, do jeito possível de me comunicar sem falar a língua espanhola com o “sotaque” colombiano, falei da minha situação por cima sem citar o exílio político, e de que eu precisava encontrar uma forma de ganhar dinheiro.
Eu queria saber se esse pessoal poderia me indicar alguém que precisasse de mão de obra. Até para o rapaz que emprestou o celular eu perguntei. A resposta era que não tinha nada de trabalho para alguém como eu.
O meu grande inimigo era o tempo, porque eu estava nas ruas de uma cidade da Colômbia, um estrangeiro, e seguidamente passavam viaturas policiais por mim. Uma simples ronda de policiais já me deixava em estado de alerta e com medo, ao ponto de eu acelerar o passo e me esconder numa viela. Eu estava abalado, imaginando que a qualquer momento seria abordado, e fazia um esforço para me acalmar, mas eu sentia estar fora de mim por tudo que vivi.
Eu queria conseguir um bico em um bar ou restaurante, mas eu estava tão sujo, com aquela aparência de um mendigo e malcheiroso, que era impossível conseguir.
IDEIA DE PROSTITUIÇÃO
Pensei em me prostituir. Era algo que poderia dar certo, uma forma honesta de ganhar algum dinheiro para comer, me recuperar e sair da rua. Até então, a única coisa que me ofereceram foi traficar, fazer entrega de encomendas. Isso é crime e eu não faria isso.
Se algum patriota em dificuldade fizesse isso, eu entenderia e não julgaria. Mas eu pensei muito, demais, e imaginei como seria uma notícia caso eu fosse preso: “Golpista foragido é preso por tráfico na Colômbia”. Isso seria trair os meus princípios e os do movimento que eu participei em 2022/2023.
Jamais uma reportagem abordaria as minhas condições de fome e miséria como fator motivador. E virar um criminoso para sobreviver estava fora de questão. Me orgulho em dizer que em dois anos de fuga, passando de tudo, nunca cometi qualquer crime.
A ideia de me prostituir para sobreviver surgiu porque tenho uma conhecida que é garota de programa e numa ocasião ela comentou como ela fazia para conseguir clientes. O difícil foi vencer a vergonha de fazer isso e como iria fazer sem ter um celular, sem dinheiro.
A primeira coisa que fiz foi ir até um posto para me limpar um pouco no banheiro, numa pia onde tinha sabão, e consegui uma camiseta limpa. Achando que estava mais apresentável, fui tentar o meu primeiro dia. Não consegui nada. Pensei: se eu fosse mulher seria bem mais fácil, pois bastava ficar numa esquina e, dependendo da forma como olhar os homens, eles vão identificar o convite para um programa.
Comigo não estava acontecendo fácil assim e eu oferecia no boca-a-boca. Lembro que cheguei num grupo de homens, porque sabia que eu não ia conseguir nada com mulher naquela situação, e falava arriscando um espanhol: “Eu faço programa, você está interessado”. Nessas eu quase apanhei, além de ouvir muitos nãos.
Não consegui nada nas primeiras investidas e fiquei frustrado, então no segundo dia comecei a passar de casa em casa novamente para pedir, além de comida, alguma roupa. Eu pedia e apontava para a minha calça jeans extremamente suja e com lama. Na quarta casa consegui uma roupa doada por um rapaz que tinha mais ou menos a minha idade, e pedi para tomar um banho.
Tomei o meu primeiro banho na Colômbia quase quatro meses depois de chegar no país, no quintal da casa do rapaz, usando uma mangueira e o sabão que ele emprestou. Não deixou entrar na casa e eu também nem me importei, porque eu tomaria um banho, algo muito importante, depois de tudo o que eu tinha passado. Teve momentos na delegacia que eu tive certeza de que morreria, então não estava me importando de tomar um banho no quintal. Eu só pensava em ficar limpo, colocar roupas “novas” para fazer o que eu estava querendo: achar um modo de sobreviver.
Como a minha aparência estava melhor, eu fui atrás de trabalho, de algum bico. Tentei muito ganhar o sustento de alguma forma que não fosse a prostituição, mas eu não consegui e não tinha a quem pedir socorro. Eu estava só e complemente vulnerável. Sem saída.
O tempo passou e era preciso ter uma atitude prática e rápida para conseguir dinheiro para sair da situação de miséria, sem me corromper, sem me tornar um criminoso.
Eu sou hétero e realmente me sujeitei a isso para sobreviver. Essa foi a única forma que me veio à mente para conseguir um dinheiro rápido, pois eu estava fraco. Eu estava me alimentando com qualquer coisa, inclusive com comida estragada. Se não comesse eu poderia morrer.
O primeiro cliente eu consegui só por estar de banho tomado. Eu fui para perto de alguns bares, entrei num que estava bem movimentado. Eu pensava: “Não posso ter vergonha porque preciso comer, um lugar para dormir e comprar um celular para me comunicar com as pessoas que podem me ajudar". Eu tinha certeza de que as pessoas estavam preocupadas comigo, com o meu sumiço, principalmente o Rafael. Eu só tinha conseguido falar com a minha mãe até então.
Minha estratégia foi ficar no banheiro do barzinho, que era um lugar limpo e arrumado, onde tentaria o meu cliente, homem. Eu não arriscaria com mulher porque não acreditava que conseguiria e pelo risco de ser acusado de assédio num país estranho.
Quando entrava um homem no banheiro eu olhava e, se eu achasse que poderia ter uma chance, dava uma investida: “Cara, eu estou precisando de dinheiro, desculpa, não sei se você curte ou não, mas se você aceitar eu faço um programa cobrando bem barato”. Só no quinto convite tive um retorno positivo. Foi a minha primeira experiência de prostituição, num banheiro, pelo equivalente a R$ 50,00.
Eu não tenho vergonha de contar, porque não cometi nenhum crime. Como disse antes, mesmo necessitando sobreviver e surgindo oportunidades em todos os países pelos quais passei nos últimos dois anos, eu não trafiquei. Fiz a única coisa possível para salvar o meu corpo que estava em colapso.
Depois de duas semanas, consegui pagar um motel para tomar banho e me preparar para novos clientes. Eram duas ou três horas que ficava entre quatro paredes, porque no resto do tempo eu não tinha um teto. Eu não queria gastar dinheiro, seguia com a vida de mendigo, tinha o papelão para dormir num canto protegido
E vinha o questionamento: “Eu vou ficar nisso?”
Era terrível suportar e, numa ocasião, me contive para não vomitar num cliente.
Tudo que fiz foi para sobreviver e precisava juntar o suficiente para comprar um celular. Comer ainda era a minha prioridade nas primeiras semanas fora da cadeia.
Ainda tinha o problema de onde morar, então comecei a perguntar no comércio daquela cidade se sabiam de alguém que precisasse de cuidador de casa, porque eu poderia morar no local e fazer os serviços para manter o lugar organizado e limpo.
Fiquei dois dias vagando pela cidade perguntando, mesclando com os programas para sobreviver, até que consegui atingir meu objetivo no terceiro dia. Um casal cedeu a casa, por um valor mensal de R$ 400,00, desde que eu cuidasse dos animais e da chácara. Em troca, além do local para dormir, eles deixariam alguma comida aos finais de semana.
Com isso, passei a ter a fonte de renda possível para comer, tinha um teto pelo qual pagava pouco. Faltava conseguir um celular, mesmo que usado. Tive que fazer os programas necessários para conseguir um pouco mais de R$ 1.000,00 por um aparelho usado e, finalmente, consegui ligar para a minha mãe e meu irmão.
Tudo isso mexeu muito comigo. Passei pela situação mais vergonhosa que um homem conservador poderia passar, me humilhei e implorei para o casal pelo lugar que consegui e só dei sorte porque a pessoa que estava cuidando da chácara mudou de cidade. O casal só usa a casa aos finais de semana e tudo ficava revirado com a presença dos cachorros. É um lugar bom, que eles frequentam para ficar longe da cidade, e graças da Deus eles me aceitaram, mesmo sendo um estrangeiro.
Depois de umas 3 semanas e pouquinho passando por essa situação eu conversei novamente com a minha mãe e falei um pouquinho mais, mas não contei a história toda. Ela enviou R$ 300,00 por intermédio da colombiana da casa onde eu estava, que tem família no Brasil e pode fazer uma transação via Pix.
A terceira pessoa com a qual entrei em contato, após comprar o telefone, foi uma patriota que tinha emprestado dinheiro para que eu pudesse pagar o voo para os Estados Unidos. A primeira coisa que eu disse foi que mesmo parecendo que eu tinha sumido com o dinheiro emprestado por ela, isso não era real. Expliquei que eu não tinha dado um golpe e o combinado estava de pé: eu devolveria para ela o valor de R$ 40 mil.
No nosso acordo, eu iria para os Estados Unidos e logo começaria trabalhar para fazer as remessas de devolução. Na prisão eu já pensava no que ela poderia estar imaginando sobre o meu sumiço de quatro meses. Qualquer um pensaria em golpe e foi o que ela acreditou naquele momento. Ela é uma patriota que me ajudou muito e compreendeu a situação. É o tipo de pessoa que a gente leva muito em consideração, que passou de ser uma simples seguidora para muito mais.
Essas foram as três pessoas com as quais entrei em contato, num momento em que a culpa espiritual por tudo que vivi pesava muit
Mín. 16° Máx. 25°