A patriota Rosemar Dellalibera, 53 anos, está exilada na Argentina desde meados desse ano. Ela é mãe de João Carlos, Júlio César e Jader Cauã, além de ser avó de João Pedro.
Foi empresária até pouco tempo no Brasil e hoje vive no campo, onde está se reinventando. Se voltar para o Brasil vai para o presídio, como foi em janeiro do ano passado por estar acampada no QGex, em Brasília.
Ela nos conta como foi o seu 8 de janeiro e espero que você possa ser tocado por essa mulher forte e determinada, de Lucas do Rio Verde, MT.
“Sou uma presa política e perseguida no Brasil, atualmente asilada na Argentina. Fui sequestrada no QGex em Brasília no dia 09.01.2023 e fui obrigada a entrar num daqueles mais de 60 ônibus. Fomos ameaçados, amedrontados, acuados por inúmeros policiais com cachorros. Helicópteros sobrevoavam a Praça dos Cristais em frente ao quartel general do exército. Esse mesmo lugar que nós, patriotas, por mais de dois meses considerávamos o nosso porto seguro.
De repente, estávamos em um cenário de guerra, de medo, de terror...
Ficamos mais de cinco horas trancados naqueles ônibus, sem direito à água e comida, e nem sequer o básico respeito por um ser humano. Muitas pessoas idosas, crianças e pessoas com comorbidades tiveram que se submeter a fazer as suas necessidades fisiológicas em um cercadinho, feito com bandeiras do brasil.
O governo do Lula fez um desfile conosco em ônibus por Brasília no dia 9 de janeiro do ano passado. Fomos usados como troféu, exibidos para toda a imprensa vinculada à esquerda que, acredito, deveria estar avisada do que ocorreria, pois identificávamos sua presença em vários pontos da cidade.
Antes de entrarmos nos ônibus nos prometeram nos levar para fazer um cadastro, uma triagem e, depois, nos deixariam na rodoviária. Só que nos levaram para o Ginásio da Polícia Federal, um lugar sem condições para acomodar mais de duas mil pessoas. Fomos largados naquele lugar pior do que animais, ficamos amontados sem condições humanitárias.
Recebemos uma marmita só depois das 5 horas da tarde, sendo que não tínhamos conseguidos nos alimentar pela manhã, pois fomos acordados com o megafone do PM. A partir daquele momento tínhamos uma hora para entrar nos ônibus.
Eu estava só com a roupa do corpo e fiquei dois dias naquele ginásio aberto sem poder tomar um banho e trocar de roupa. Dormi no piso puro, pois minha mala e todos os meus pertences, inclusive os meus documentos, tinham ficado para trás na barraca na Praça dos Três Poderes, pois nós tínhamos ido para lá para acampar e fazer uma manifestação pacífica.
Passei frio, medo, angústia, fome.
Não consegui comer aquela comida, além de estar desconfiada se tinha algo prejudicial à saúde. Sentia medo do que poderia acontecer. Aliás o medo nos cercava por todos os lados, pois assistíamos pessoas passando mal, desmaiando, e o socorro demorava muito para chegar.
Vi um rapaz tentar cortar o pulso com um pedaço de lajota, foi uma cena muito fortes...de muita tristeza e dor...
Me mantive forte e serena, pois tinha a certeza em meu coração de que Deus estava naquele lugar nos sustentando, nos carregando nos braços.
Até o segundo dia de prisão no Ginásio do PF nós tínhamos a certeza de que passaríamos por aquele cadastro e iriamos para casa. O meu coração estava muito triste e decepcionado, pois alguns dos meus familiares que eu amo muito...muito mesmo... nem sequer tinham ligado para ver se eu precisava de um copo de água.
Mesmo assim eu estava com a consciência muito tranquila, pois não tinha feito nada de errado. E estava num lugar público e até então a informação era de que manifestar-se ainda era um direito do povo, previsto na Constituição Federal.
Às 4 horas da madrugada de 11.01.2023 passei por um delegado da polícia federal, depois de passar a noite inteira na fila ao relento, com frio e medo. O delegado apenas me disse que eu estava presa. O meu mundo caiu por terra, mas eu ainda tive força para perguntar: Baseado no quê?
Então o delegado leu todos aqueles crimes, inclusive de terrorismo. Eu ainda sem entender, muito confusa, atordoada, tentei me defender, perguntei com que provas estavam me acusando de tudo isso, pois eu sabia que não tinham nenhuma prova real. Eu não tinha feito nada, não tinha depredado nada. Apenas entrei para ir ao banheiro e me proteger das bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha atirados pelos policiais nos helicópteros e por terra. Isso acontecia em vários pontos da Praça dos Três Poderes, no dia 08.01.
Eu tinha ciência de que não tinha cometido nenhum crime, pois minha arma era a Bandeira do Brasil, mas ele, simplesmente, e num tom de compaixão fez um movimento com os ombros e mãos dando a entender que não concordava, porém nada podia fazer para evitar a prisão.
Daquele momento em diante fomos tratados como criminosos, até mesmo para ir ao banheiro era em lotes de 14 pessoas e com escolta de policiais na frente, no meio e atrás. Até mesmo dentro do banheiro fomos acompanhadas por policial feminina e a gente ficava atônita porque a ficha ainda não tinha caído.
Serviram um café e fomos novamente colocados em ônibus e levados primeiro para fazer o exame no IML. De lá, os homens foram para o Presídio Papuda e as mulheres para o Presídio Colmeia. Foi um trajeto muito doloroso, pois a dor, a tristeza, a decepção e o pavor estavam estampados nos rostos.
Mulheres e homens passaram mal, tiveram náuseas. Eu e algumas mulheres conseguimos cantar louvores a Deus para amenizar a aflição, em meio a muitas lágrimas. Até o policial que nos acompanhou chorou e falou que não queria estar fazendo aquilo conosco. Éramos moças, rapazes, pais, mães, avós, evangélicos, católicos. Todos passando pelo mesmo processo, unidos pelo mesmo propósito, e cada um reagiu conforme o seu estado emocional.
Fomos humilhadas no presídio de várias maneiras, pelas policiais e também pelas presas, porque elas têm televisão na cela e sabiam o porquê estávamos ali. Nos agrediram verbalmente e psicologicamente. As presas gritavam “Cadê o Bozo de vocês?”, faziam o L diziam Lula lá.
Algumas policiais nos tratavam como criminosas e fomos orientadas a seguir o procedimento: cabeça abaixada, mãos nas costas e sem olhar para elas. Era comum gritarem conosco nos chamando de detentas.
Foram 60 longos dias naquele lugar horrível, comendo as piores comidas possíveis como lavagem para animais. Era crua, com casca, pedaços de plástico, pedras, cacos de vidro. Ou era muito salgada ou sem sal e azeda. Segundo algumas policiais, era uma alimentação específica para patriotas.
Quando íamos para o banho de sol, éramos obrigadas a sentar no piso quente em pleno meio-dia. Era impossível aguentar e sentávamos sobre os chinelos. Ficávamos 15 minutos ou mais, dependia se a policial era de direita ou esquerda.
Foram inúmeras situações, muitas orações, louvores. Na nossa ala tínhamos o bastão da oração e em todos os momentos eu tenho certeza de que Deus nos sustentou. Quando uma não estava bem a outra confortava e dava o ombro para chorar, dava um abraço, uma oração, uma palavra de conforto. Foi assim que sobrevivemos.
Só depois de presas no Colmeia é que ficamos sabendo que estávamos ali por determinação do Supremo Tribunal Federal e que seríamos julgadas pelos 11 ministros.
Foi muito horrível. Nós que na vida toda nunca tínhamos sido chamadas na diretoria da escola, agora seríamos julgadas em última instância sem ter para quem recorrer.
Fiquei presa até 10.03.2023, porque no dia 8 de março recebi o meu alvará de soltura para responder ao inquérito com liberdade provisória, com uso de tornozeleira eletrônica.
Sai muito feliz do presídio, pois tenho no meu coração um sentimento de muito orgulho e honra por estar vivendo esse processo, pela liberdade da nossa nação do comunismo. Usar tornozeleira não era motivo para me envergonhar. Escrevi na minha camiseta com caneta, lá dentro do presidio, a frase: Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Saí da prisão com a camiseta com muita alegria.
Pude ver os meus dois filhos que moram em Brasília só na saída, porque não conseguiram ir me visitar no presídio por não terem as três doses da vacina do Covid. Cheguei em Lucas do Rio Verde, MT, em 12/03/2023.
Iniciaram, então, as restrições de liberdade e todas as segundas-feiras me apresentei no fórum. Foram longos e doloridos 16 meses em que só podia sair de casa durante a semana e até as 22 horas.
Eu tinha uma empresa de médio porte no Mato Grosso, em sociedade com o meu ex-marido, o qual por conta de eu ser uma presa política, por meios ilegais, tirou o meu direito de continuar na sociedade da empresa. Também perdi o direito de conviver com aqueles que amo e vou amar sempre.
A vida é feita de escolhas e eu escolhi amar. Tenho em meu coração que, mesmo com a distância física, o amor prevalecerá. Tudo isso é uma grande luta do bem contra o mal e amor de Deus é muito mais gigante do que as forças do mal.
No mês de junho, quando recebi a informação de que o meu processo tinha sido aditado, que eu passava a ser ré por cinco crimes e não mais dois, entendi que seria presa novamente. Os que responderam pelos cinco crimes, no Inquérito 4922, foram condenados pela Suprema Corte a penas de 14 a 17 anos.
Então, tomei a decisão de mais dura da minha vida que foi deixar tudo para trás: minha casa e os esforços de toda uma vida de trabalho, sem saber se um dia voltarei. Até meu carro está com restrição de venda e circulação. Foi uma árdua e solitária travessia de Lucas do Rio Verde até a divisa com o Paraguai. Depois de dez dias no Paraguai, em 3 de julho entrei na Argentina onde estou até hoje mudando de um lado para o outro, pois não podemos ter residência fixa, infelizmente.”
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