O 8 de janeiro de 2023 deixou milhares de pessoas abaladas. Pais, mães, avós, filhos, irmãos, sobrinhos, netos e primos se encontram presos não só nos presídios de Brasília, como também em todos os estados.
É difícil mensurar os danos emocionais e financeiros causados por prisões e condenações determinadas pelo Supremo Tribunal Federal em parceria com a Procuradoria-Geral da República.
A expectativa de todas essas pessoas está na aprovação da anistia, na pacificação do Brasil, e no retorno dessas pessoas para casa.
Nesse texto, contamos a história da família de Elisângela e José Ricardo.
VIDA PERFEITA
José Ricardo Fernandes Pereira, 51 anos, e Elisângela Aparecida Barbosa dos Santos Pereira, 48 anos, completaram 20 anos de casados em 29 de maio. A casa deles fica numa pequena cidade com cerca de 20 mil habitantes, chamada Pompéia, localizada no interior de São Paulo. Eles têm três filhos: Mateus, 18 anos; Miguel, 16 anos; Maria Cecília, 12 anos.
Os dois sempre trabalharam na mesma companhia, tanto que José Ricardo completou 33 anos de empresa e, Elizângela, 31 anos.
A vida espiritual também é importante, tanto que dentro de casa todos têm o hábito da oração diária. Às 18 horas a família reza o terço.
A moradia é financiada e o casal têm um Corsa Classic 2007. Desde que iniciaram a jornada juntos, nada faltou para a família de José Ricardo e Elisângela.
Isso até chegar o 8 de janeiro de 2023.
A partir de agora, você conhecerá a história deles pela voz de Elisângela.
PRIMEIRA PRISÃO
“Quando o meu marido disse que iria a Brasília para a manifestação no início de janeiro de 2023, falei para ele que achava perigoso. Tinha alguma coisa no ar indicando isso. Nós tínhamos chegado de uma viagem a Minas Gerais com a família e ele estava inconformado com a posse do Lula, ele estava querendo ir e foi.
A volta dele estava prevista para 11 de janeiro. Ele retornou somente sete meses depois...
O meu marido é uma pessoa de boa índole, de caráter e muito calmo. Quando as pessoas aqui da cidade ficaram sabendo que ele foi preso em Brasília foi uma surpresa para todos, porque ele é muito correto e tranquilo.
A sua prisão não fez o menor sentido!
Ele foi levado para o Presídio Papuda e voltou para casa desempregado, porque duas semanas depois da prisão em Brasília ele foi desligado da empresa. O dinheiro recebido na rescisão foi usado para o sustento da família, mas foi gasto nos meses seguintes.
Desde então aprendemos a sobreviver com o meu salário e com a ajuda dos amigos. A família também ajuda muito. Hoje vivemos um dia de casa vez.
SEGUNDA PRISÃO
Depois que José Ricardo voltou de Brasília, ele não teve como trabalhar. Porém, é um homem formado em Administração de Empresas pelo Centro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM) e em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Marília (UNIMAR). Ou seja, tem a qualificação por ter trabalhado durante anos com S.A.P. na empresa onde foi demitido e ainda toda essa formação. Olhávamos para esse cenário futuro até que ele foi condenado no início desse ano.
Em 6 de junho, uma semana depois de comemorarmos os nossos 20 anos de casados, a Polícia Federal bateu na porta da nossa casa às 6 horas da manhã e o levou. Inicialmente, foi para a Penitenciária Valentim Alves da Silva, localizada no município de Álvaro Carvalho, SP. Em 25 de julho, foi transferido para o Centro de Ressocialização de Lins, SP.
Oficialmente, desde 21 de agosto, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, ele passou a cumprir a pena de 14 anos de prisão.
SEM MARIDO EM CASA
O nosso carro (ano 2007) foi bloqueado pelo Supremo. A casa está financiada, então não sei como é que fica. Porém, mesmo com tudo isso, nunca nos sentimos desamparados. Dias atrás, uma senhora ligou e disse que queria presentear cada um dos meus filhos com uma calça jeans, porque a filha dela tem uma loja de roupas. Foi encantador sentir esse carinho.
Sinto que as pessoas são muito solidárias, porque sempre me perguntam se falta alguma coisa aqui em casa. O fato é que o meu marido, embora preso, não recebe auxílio-reclusão, então todos os domingos viajo até Lins e levo comida para almoçarmos juntos. Também envio sedex com as coisas que ele precisa. Não tem sido fácil, admito.
Vou com o carro. Dá 1h30 até lá. Falei que o nosso carro é antigo e esses dias levei para o mecânico e ele falou que tem problema na caixa de direção e no amortecedor. O custo para consertar é de R$ 7 mil. Eu não tenho esse dinheiro, mas vou ter que resolver isso e outras tantas questões. Me incomoda essa posição de “mulher frágil” por estar com o marido longe, numa prisão.
Eu não ganho mal, mas tenho compromissos que são de honra, como pagar a Unimed do meu pai (77 anos) e da minha mãe (67 anos). Mesmo me encontrando nessa situação, os meus pais continuam sendo prioridade na minha vida.
VIDA NO PRESÍDIO
O Ricardo está com muita esperança de que tudo isso acabará em breve, com a anistia. Está lendo muito lá dentro, fazendo curso de empreendedorismo e curso de xadrez.
É um outro mundo lá dentro, por isso me esforço para estar com ele todos os domingos, para levar alívio ao deserto que é a vida dele hoje. Conversamos sobre as coisas da casa e decidimos o que devo fazer junto com ele.
Levo para o presídio um filho de cada vez, que é o possível pelas regras. O nosso filho mais velho sempre diz que o pai dele é uma pessoa muito boa, de muito caráter e digno; o do meio, sente muitas saudades; e a menor se ressente até hoje de levarem o pai dela para a prisão em junho sem que ela pudesse se despedir. Mas o mais importante é o respeito e admiração que sentem pelo pai.
Eu procuro ser alegre, mesmo diante das adversidades, porque sei que a vida tem outro valor quando passo algo bom para meus filhos, meus familiares e meus colegas de trabalho. É como se eu tivesse já um preparo para enfrentar essas turbulências.
Eu sei que muitas pessoas foram a Brasília sem ter a noção do que foram fazer lá e sofreram consequências inimagináveis. Mas eu e meu marido temos a consciência tranquila de que defendemos uma ideia de Brasil livre, sem ideologias que prejudiquem o futuro das nossas crianças. Nunca foi pelo Bolsonaro, como muitos querem atribuir.
Hoje, eu sei que todos nós devemos ter cuidado com o que falamos, coisa que até pouco tempo não era razão de preocupação para mim. Estou muito mais introspectiva, rezo muito mais e todos os dias passo na igreja para dar um “Oi” para Jesus e pedir misericórdia.
Sei que é um tempo que vai passar”.
A Elisângela começou a fazer artesanato nas horas vagas e criou um Instagram para publicar as imagens com o intuito de vender os produtos e completar a renda familiar. Você acessa pelo link:
https://www.instagram.com/elish_ome?igsh=NWU1Y3duZnpqYmt3
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