Sou uma jornalista que se dispõe a ouvir e contar as histórias dos presos do 8 de janeiro, que chamo de “políticos” não porque sejam ativistas, militantes do conservadorismo. Logo que comecei a contar as histórias percebi que são pessoas comuns, com atividades profissionais diversas e realidades culturais multicoloridas que dão cor ao nosso Brasil.
Se fosse definir esse grupo, eu diria que é "a resistência". Sim, e eu mesma faço parte desse grupo que deseja a humanização do nosso país, com respeito a valores morais, princípios e liberdade. É doloroso saber que as urnas elegeram um criminoso para governar e, junto com ele, estão pessoas despreocupadas com a ciência, a cultura que eleva o espírito humano e a família. O coração sangra.
Então eles são presos políticos porque não há nada que justifique a tortura que vivem desde 8 de janeiro a não ser o fato de serem a resistência a todo esse processo de inversão de valores.
Esse sangrar é muito mais grave nas pessoas e familiares que estão dentro dos presídios brasileiros, nos exilados e seus familiares e nos tornozelados.
Esses últimos, do Inq. 4921, vivem uma tortura diferente, porém não menos doída. Eles podem sair de casa de segunda a sexta-feira durante o dia, o que pode representar a oportunidade de trabalho para sobreviver; e podem conversar com os familiares presencialmente ou por telefone diariamente.
São centenas de pessoas que desde o 8 de janeiro usam tornozeleiras e precisam dar satisfação às centrais de monitoramento sobre algum descumprimento, sob pena de serem levados ao cárcere. Quem, em sã consciência, deseja estar num cubículo, comendo mal, dormindo pior ainda, entre presos comuns? Quem acha razoável ficar longe da família, do sol, da vida social?
Claro que eles vivem nas 24 horas o medo de voltar para a prisão.
Como alternativa para não retornar ao cárcere por qualquer deslize é oferecida uma possibilidade de acordo entre o preso político (só do Inq, 4921, os outros não têm essa proposta) e o Ministério Público.
O acordo propõe que esse pessoal da resistência ao mundo inverso assine um papel concordando com o governo que a sua presença em 8 de janeiro em Brasília, no ano de 2023, foi para instigar um golpe de estado.
Era num final de semana, ninguém portava armas, havia policiamento amigável no gramado, tinha algodão doce, pipoca, vendedor de água, motorista de Uber... um domingo na praça, mas esses tornozelados precisam assinar concordando que foram até Brasília para um golpe armado.
Hoje, 2 de outubro, uma tornozelada, a Ivonaide Pinto, 56 anos, me contou que sente muita saudade do tornozelado Nilton Barbosa dos Santos, 57 anos.
Todas as segundas-feiras eles se encontravam no fórum de Teófilo Otoni, MG. Essa é uma das rotinas impostas por Alexandre de Moraes. Eles são obrigados a registrar presença na Vara de Execuções Penais. Isso vale somente os presos políticos.
Desde junho, Ivonaide não tem mais a presença do amigo Niltinho nas segundas. A alegria contagiante dele faz falta. Ele agregava todo o grupo do 8 de janeiro e falava sobre “esperança”. Ele era pré-candidato a vereador.
Niltinho voltou para a prisão em junho, por não ter cumprido todas as medidas cautelares exigidas pelo Moraes.
Quando alguém falta na segunda, os outros já sabem... voltou para a prisão!
Até quando a inversão de valores perdurará no Brasil?