O preso político Thiago Mathar escreveu um relato de "hora a hora" da sua rotina dentro da cela no Presídio Papuda. Mathar foi preso em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 e nunca mais saiu de lá. Foi condenado a 14 anos pelo Supremo Tribunal Federal, embora não exista na Constituição Federal nada que justifique tal sentença, até porque não há provas contra ele e trata-se de um pai de família e sem antecedentes criminais. O relato é de 30/10/2023. A única coisa que mudou daquela época para agora é que ele está num outro pavilhão, numa cela sem camas, junto com outros três patriotas condenados. Dormem num colchão fino. A cela é tão pequena que Mathar praticamente encosta a cabeça no vaso sanitário. Não há luz, então a mãe de Mathar levou uma televisão para criar um pouco de iluminação e passatempo. A rotina é de confinamento nas 24 horas, podendo sair para a hora do sol a cada dois ou três dias.
6 horas e 30 minutos -
Começo a sentir a claridade incomodar os olhos, mas ainda não me levanto. Levantar-me para quê? Para continuar deitado aqui na cela? Não tem para onde ir e nem tenho o que fazer. É mais um dia preso de quase 300. A única motivação para me levantar da cama é o Confere do Policial às 7h, quando ficamos todos de pé enfileirados 1, 2, 3 ...9, e assim por diante. O policial de plantão está nos observando do corredor, nos olham pela brisa (nome dado aos espaços na parede de concreto de uns 20 cm de espessura). São 40 pequenas janelas de 75 cm de altura por 12 cm de largura do lado do corredor e 22 na parede do fundo de 40 cm x 12 cm com 6 vergalhões de aço de 1” atravessando transversalmente. É uma arquitetura bonita, sim, mas preferia estar olhando do lado de fora.
7 horas
Confere. São só seis células agora, de 50 sacrificados do dia 12/01 que ficaram. A que nível a esquerda está neste momento no Brasil, ao ponto de transformar pais de família, que vieram protestar pacificamente, em terroristas com direito à matéria no The New York Times, enquanto terroristas do Hamas são tratados como combatentes. Voltando ao Confere...mais uma vez, da célula 5 ele pula para a 6. O procedimento do silêncio continua. Tem policial no corredor terminando o Confere. Ele começa a chamar os nomes dos que vão conversar com seus advogados. O procedimento para sair interno da cela é todo mundo sentado no chão, no fundo da cela, o mais longe possível da porta. Pronto! Procedimento liberado na galeria. Começa a corrida para ir ao banheiro urinar e lavar o rosto. A fila se forma, o sol bate na parede do pátio do banho de sol que fica de frente para a nossa galeria. Ajoelho e faço a minha oração da manhã. Deito um pouco mais, ainda estou com sono, a noite foi péssima por ter dormido muito durante o dia por causa de ter tomado dois Parmegan a cada 8 horas. Geralmente só tomo à noite, mas a culpa é da alergia que me persegue há cinco meses.
7 horas e 20 minutos
Começa o nosso culto matinal e me levanto para acompanhar. Prof. Jaime cita o salmo do dia, número 40, “Cântico de louvor e pedido de ajuda”. Em seguida, Leo Granjeiro cita a proteção diária “Armadura de Deus” (Efésios 6:10,17). A cela 6 inicia o louvor com o Marcos Masalá “Eu navegarei”. Max cita o Provérbio 4;19 “O caminho dos ímpios é como a escuridão; nem eles sabem em que tropeçam”. Messias da B-5 prega sobre Isaías 10 e canta “Acalma teu coração”. Tiago Santos da B-4 canta “O espírito em verdade”. Max da B-4 cita o provérbio 10;22. Marcelo Cano da B-3 canta “Deus da Aliança”. O coral da B-2 canta “Retiro minha pedra”. Da B-1, Fabiano canta “Calmo, Sereno e Tranquilo” do patriota Karl. O Prof. Jaime reza “O Pai Nosso” e encerramos no momento em que os ferrolhos dos portões começam a abrir.
8 horas
Café da manhã chegando. Os classificados do B-1 começam a pegar o café da manhã: um pão mal assado pequeno, um suco 5% de caixinha e um todinho de caixinha bom para quem tem intestino preso. Depois de tomar o café da manhã, continuo escrevendo planos para quando sair daqui, em folhas da caixinha do suco abertas. É o tipo de papel que conseguimos aqui e é ótimo papel sabendo a técnica certa para produzi-lo. Alguns colegas aproveitam o considerável silêncio para dormir um pouco mais.
9 horas
A serralheria do Bloco 5 está a todo vapor, cortando perfis e chapas de ferro a 20 metros daqui, para construção e manutenção do presídio. A policorte e a esmerilhadeira já fazem parte do som ambiente. Tudo o que se produz de som e de odores nas células vizinhas B-6 e B-4 influenciam aqui na B-5. As resenhas nunca perdem a graça, apesar de serem as mesmas.
Casal Thiago e Vanessa Mathar
11 horas
Os internos da Ala A, criminosos de carreira, começam a sair para o pátio para receberem as suas visitas, que têm duração de 2 horas. É uma ala composta por homens que foram presos por causa de medidas protetivas (Maria da Penha), homicidas tipo professor Xavier, apelido que nós demos a ele por ser cadeirante, ter a cabeça raspada e estar tentando dominar o Bloco 6. Ele diz que matou mais de 50 pessoas e estreou no crime com 13 anos, num triplo homicídio. Hoje tem uns 40 anos. Ou o pastor de cabeça branca que tem 63 anos e, pasmem, 42 de Papuda. Já passou por todos os presídios daqui do Papuda: CDP1, PDF1, PDF 2 e aqui de novo CDP 2. Ao todo só ficou fora 3 anos. Ou, ainda, o pastor H. que está com uma fiança fixada em R$ 2,7 milhões, é dono de vários garimpos de ouro no Norte. E tem também o Rei do Bitcoin, 171 profissional, que diz ser agente do FBI e tem mais de R$ 1 bilhão em bitcoin, pagou R$ 3 milhões para o advogado e continua preso. O El-Chapo da ala A, traficante mexicano preso por tráfico internacional não ficou nem 3 meses e foi solto. Fora os colombianos e venezuelanos. Um deles acabou de ser entregue nas mãos do Exército Venezuelano para ser deportado. Acho que não vai durar muito lá. Conversando com a gente, ele disse que preferia ser um preso aqui do que ser livre na Venezuela. Tem o famoso pastor J.O. 171 com MBA no inferno, líder de um esquema que rouba centenas de milhões de reais de fiéis da igreja, responsável pelo suicídio de várias pessoas.
11 horas e 30 minutos
Os nossos classificados começam a pegar o almoço. Se faltar alguma xepa eles buscam na Ala A ou em outro bloco onde tem mais rotatividade de interno. Todo dia tem alvará e sobra xepa. Abrindo a xepa de hoje vejo que pelo menos tem frango no lugar da soja e vem acompanhado de arroz, feijão duro e legumes sem tempero. Mesmo depois de terem melhorado muito a xepa ainda é incomível inteira. Terminei primeiro o almoço e jogo o resto da comida na bacia sanitária e largo um balde com água para ir embora. Lavo a bandeja e coloco no chão perto da pia para depois ser amassada junto com as bandejas dos colegas e, depois, serão colocadas no saco plástico para não juntar formigas. Aproveito para tomar banho primeiro, porque mais colegas de cela receberão visita. Lavo minha camiseta e a minha cueca no banho, já me adiantando, e estendo no varal feito de canudinhos esticados de suco. À tarde estará tudo seco. Pelo menos o clima daqui é igual da minha região, extremamente seco, do qual muito me agrado. Não podemos ter muitas roupas, por isso lavamos todos os dias. Os produtos são os piores possíveis, mas é o que tem. Coloquei a minha bermuda do dia da visita, porque a outra está muito surrada, e uma camiseta limpa. Agora estou pronto e é só esperar as 14 horas. O tempo da visita da Ala A acabou e daqui a pouco o policial passa a lista dos que terão visita. Da Ala B toda vez é assim: você se prepara sem saber se vai ter visita.
13 horas e 30 minutos
Pronto! Terei visita de novo, graças a Deus! Como Ele tem sido misericordioso comigo. Dos nove da cela sete terão visitas. Somente dois são de Brasília e as visitas dos outros cinco vêm de longe e fazem um grande sacrifício para virem, gastando até mais de R$ 300,00 por visita. Passo essa meia hora de espera lendo o livro de recreação do presídio “A 4ª Revolução Industrial”, de Klaus Schwab.
Quase 14 horas!
Somos chamados para sair ao pátio e levo comigo uma caneca de plástico e uma garrafa de 500ml, que outrora era de sabonete, para colocar água gelada de um filtro que não funciona, mas ainda assim levo a água porque a minha mãe sempre está com sede e bebe, mesmo com gosto de ferro. Sempre é emocionante quando as visitas começam a chegar, porque batemos palmas para elas. Todos eles vão entrando aos poucos conforme são liberados. Vou de encontro à minha mãe e ela está de branco como nós. Vem trazendo uma sacola azul do presídio com as bolachas, pé de moleque, doce de leite, sabonete líquido, pasta de dentes e remédios. Chamamos a sacola de alimentos de COBAL em alusão à Companhia Brasileira de Alimentos, uma das gírias daqui. A minha mãe traz as notícias da família, da mídia e em relação ao meu processo. No final, saímos para cumprimentar os nossos amigos feitos nesses quase dez meses. Somos mais do que uma família, nós nos preocupamos com todos e tudo relacionado a nossos parentes que nos visitam. Torcemos para todos.
16 horas
Acabou a visita e é hora de nos despedir, de dar o abraço apertado na minha mãe e um beijo. Ela fica o máximo que consegue no pátio antes de sair, para aproveitar tudo que pode desse momento tão importante para nós. As visitas saem e cantamos louvores, entoados por nós, patriotas. Com o fim da visita, temos 10 minutos para voltar e começar a repartir as bençãos das visitas na cela. Então discutimos as notícias passadas. Só notícias boas como sempre, apesar de não vivermos aqui de notícias. “Alegrem-se na esperança, sejam pacientes na tribulação e perseverem na oração (Romanos 12:12).
17 horas
Os nossos classificados da B-1 começam a pegar a xepa da janta: carne moída, arroz, feijão, legumes e um pãozinho e uma fatia de mamão. O sol ainda está bem alto, mas é melhor comer agora quente do que mais tarde fria.
19 horas
Começou o nosso culto da noite: orações, dois louvores por cela e a pregação.
20 horas
Comecei a escrever esse relato do dia de hoje. Não sei o porquê de estar escrevendo isso, sem correção. Só achei que deveria tentar enviar à minha esposa Vanessa. Também não sei se ela lerá para os meus filhos um dia ou talvez ela tenha curiosidade de saber como é por aqui. Quem sabe outras pessoas também queiram saber.
21 horas e 30 minutos
A discussão está quente aqui na cela e falamos de como salvar o Brasil, de como torná-lo justo no meio de tanta injustiça que há nesse País, motivo pelo qual eu vim a Brasília. Como destruir a doutrinação de Gramsci que domina a nossa nação? O Brasil há muito tempo é um país socialista e caminha aceleradamente para o comunismo. Por exemplo, em Brasília, por força de lei, não se pode pregar o nome de Jesus em público, sob o risco de você ser preso. Se o brasileiro mudou depois do 8 de Janeiro? Na minha opinião só as pessoas que têm contato direto com alguém que foi preso começou a abrir os olhos. O Texas é um modelo de sociedade a ser seguido? Falamos de como o poder procura anular as facilidades tecnológicas da mídia sociais, em plataformas digitais de coleta de informação de candidatos e partidos. Comentamos sobre a perda da capacidade da população brasileira de ser ouvida pelas instituições dominantes, em nível nacional, regional e até local em alguns lugares.
Foram tantas as profecias deste momento que o Brasil está passando! Eu sinto que fiz a minha parte e vocês estão fazendo a sua? O Brasil precisa que vocês acordem. Um pode e deve influenciar o outro. Um exemplo: até hoje nós falamos do doutor Enéas, mesmo depois de falecido. Ele influencia as pessoas, os brasileiros. E a votação da enquete da lei de anistia do Senado? Sentimos que o povo está com medo de votar achando que o Supremo Tribunal Federal irá o perseguir por preencher um cadastro. Talvez persiga mesmo. Que a nossa opressão sirva pelo menos para acabar com o desempoderamento do povo brasileiro, criado pelo uso das urnas eletrônicas não auditáveis, pois sabemos que a vontade do povo não é respeitada.
22 horas e 30 minutos
Hora de tomar banho para dormir, comer umas bolachas para complementar a alimentação, alongar a coluna para melhorar a dor causada pela altura da cama acima em relação a de baixo, único lugar que dá para escrever na cela. Muitas coisas não podem ser ditas por aqui. Podem cair em mãos erradas ou prejudicar alguém que não mereça. Esse é apenas um relato básico de um dia no Papuda.
23 horas
Hora de contemplar a Lua cheia e dormir. Espero sonhar que o Brasil acordou da meia verdade. Não há solução para o nosso declínio cultural fora o Evangelho de Jesus.
Não se limite a estar vivo, mas viva por um objetivo maior do que você. Seja útil para a sua família, sua comunidade e seu País.
Eu te amo!
Thiago Mathar
Mín. 16° Máx. 29°