Na sexta-feira, dia 26 de setembro, circulou nas mídias sociais um vídeo feito pelo Bolsonaro com os seis filhos de Vanessa Rolin Vieira, 34 anos, moradora de Ji-Paraná, Rondônia. Vanessa falou ao ex-presidente sobre a necessidade de anistiar os presos políticos, referindo-se de forma especial ao Ezequiel, pai das crianças, que está foragido e com mandado de prisão pelo 8 de janeiro.
No dia 27 de setembro, um dia depois do vídeo de Bolsonaro com as crianças circular, conversei com a Vanessa para conhecer a história dessa família, o sofrimento que vive desde o 8 de janeiro e o caminho possível para uma vida digna para a mãe e os seis filhos sem a presença do mantenedor.
A história que segue será contada pela voz da Vanessa e espero que eu tenha competência suficiente para passar a verdade de forma clara, como a recebi.
VÍDEO DE BOLSONARO COM OS SEUS FILHOS
“Foi uma superaventura estar com Bolsonaro aqui em Ji-Paraná. Soube que ele estaria na cidade dando apoio aos candidatos do seu partido e eu aproveitei a oportunidade de falar com ele pessoalmente e, também, queria que os meus filhos o conhecessem.
O pai deles falava tanto do Bolsonaro que as crianças estavam curiosas. E elas sabem que o meu marido foi preso numa manifestação da direita. O Bolsonaro é o nosso presidente do coração, mas não imaginava que ele faria um vídeo e que ele teria tamanha repercussão.
Eu fico feliz que Bolsonaro tenha se posicionado, pois a sua voz tem peso. Por mais que ele diga que não pode fazer nada, o que ele fala transmite força, coragem e ânimo às pessoas para defenderem a verdade e a justiça.
As famílias afetadas com as perseguições e prisões do 8 de janeiro querem que a verdade prevaleça. Hoje, nós falamos em anistiar os manifestantes, o que talvez não seria o melhor porque anistia é o perdão, sendo que eles nada fizeram para receber o perdão. O melhor seria que a verdade que buscamos surgisse e que a população brasileira fosse informada da inocência da maioria desses presos. Porém, a anistia pode representar a volta da união de nossas famílias. Eu quero muito que os meus filhos cresçam próximo do seu pai.
Esse encontro com Bolsonaro não foi algo tão fácil de acontecer. Ele é rodeado por muitas pessoas e parece que querem superproteger o Bolsonaro quanto ao tema “presos no dia 8 de janeiro”. No entanto, aconteceu o encontro e ele mostrou um profundo respeito e carinho pelas minhas crianças e por mim.
A nossa conversa foi na porta da casa onde ele ficou hospedado e ocorreu momentos antes dele ir embora da nossa cidade.
Eu senti o meu coração aquecido, fiquei esperançosa e espero que mais pessoas queiram saber a verdade sobre o 8 de janeiro.
STF IMPEDE O LICENCIAMENTO DOS CAMINHÕES
Casei-me com Ezequiel Ferreira Luis, 43 anos, em 2012. Tivemos seis filhos: Franscisco, 9 anos; Maria, 7 anos; Ana, 5 anos; Emílio, 4 anos; José, 2 anos; e Paulo, 4 meses.
Desde 25 de maio não vejo o meu marido, que saiu do Brasil por ter mandado aberto de prisão desde 14 de maio. Ele foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 14 anos de prisão por ter estado em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023.
Ezequiel era motorista boiadeiro e em 2018 decidimos comprar o primeiro caminhão financiado para fazer frete. Foi o começo de um negócio que andou bem até agora. Com a saída de Ezequiel do Brasil, assumi a empresa e faço toda a parte administrativa e gerenciamento, com a ajuda de pessoas solidárias. Hoje temos quatro caminhões cavalinho e um semirreboque, todos financiados.
Minha profissão é outra. Sou funcionária concursada há 15 anos e atuo como assistente fiscal agropecuário. Porém, estou de licença maternidade e, em função de ter que cuidar dos fretes, vou pedir afastamento da função pública.
Sem o marido em casa, assumi muitos compromissos e tem momentos em que me sinto sem condições físicas e psicológicas. São muitos os compromissos: os caminhões, filhos, casa e, agora, os advogados que passaram a fazer parte da nossa vida.
É uma quantidade grande de responsabilidades e decidi "enxugar" o que dá e ficar com o essencial, que são os cuidados com os meus filhos e o trabalho pela nossa sobrevivência e pagamento dos financiamentos.
É do trabalho de frete de caminhão boiadeiro que tiro o sustento da família, mas infelizmente o STF não só bloqueou os cinco veículos para a venda, como também nos impediu de renovar o licenciamento. Isso significa que dois dos cinco veículos vão parar em outubro, porque vence a licença de ambos e não poderemos mais rodar com eles.
Como pagar as parcelas de financiamento se é com o caminhão rodando que tiro o valor para pagar todo o mês? Como vou sustentar a família e deixar todas as nossas contas em dia?
Trabalho não falta, porque o meu marido conhece muito do mercado de transporte boiadeiro e é um homem honrado. Então hoje (27/09) assinei um contrato com o advogado Guilherme Prado para que ele encaminhe o pedido de liberação das licenças dos dois caminhões. Vamos tentar sensibilizar o STF, porque saindo esses dois de circulação eu não conseguirei pagar as parcelas de financiamento deles, e o nome do meu marido e o meu, como avalista do financiamento, ficarão negativados.
BLOQUEIO DE BENS MÓVEIS
Nossa família só tem os caminhões, que na verdade só serão nossos depois quitarmos os financiamentos. Eu não tenho carro, casa própria ou terreno. Nós moramos numa casa cedida pelo meu pai. Investimos tudo no negócio, eu sou servidora pública e o meu marido era motorista. Eu tinha um salário no final do mês e ele fazia os fretes como motorista, e aos poucos juntamos dinheiro para dar a entrada e comprar o primeiro caminhão. Depois disso a gente juntou dinheiro para dar entrada para financiar outro, e assim por diante. Foram os nossos primeiros passos e o primeiro financiamento terminaria no ano que vem, pelo cronograma que mantínhamos.
APRENDENDO COM A VIDA
Tem muita coisa no negócio do meu marido que eu não sei e estou totalmente dependente da ajuda dos outros. Trabalho na confiança de que todos sejam corretos, porque realmente preciso da ajuda das pessoas para que as coisas aconteçam. Como mulher, eu me sinto vulnerável num serviço onde a presença feminina é incomum. Sou uma mãe de família que nunca lidou com isso e, de uma hora para outra, comecei a conviver só com homens para quem tenho que dar voz de comando. Não é fácil!
Eu dependo da ajuda deles, então quando percebo que estou entre pessoas boas sinto ser uma bênção. Esses acontecimentos mostraram muitas coisas que até então eu não tinha percebido, como a ajuda que recebo dos próprios motoristas. Com o trabalho e esforço deles eu sustento a minha família, e hoje os enxergo de uma forma diferente. Aliás, tudo o que chega para as nossas vidas é consequência do esforço de outras pessoas, a começar pelo leite que chega na minha casa. Pelo pouco tempo que tenho, faço as compras do mercado pela internet e graças a Deus tem alguém que traz para mim.
Sair de casa com seis crianças é muito complicado.
Há poucos dias fui ao hospital com os seis, porque eles não estavam bem, e por sorte uma amiga tinha disponibilidade de ir comigo. A palavra cansaço faz parte da minha vida.
EZEQUIEL FICOU SETE MESES PRESO
Faz quatro meses que estou sem o Ezequiel em casa. Antes disso ele ficou sete meses preso no Presídio Papuda, em Brasília. Voltou para casa em agosto de 2023 e logo fiquei grávida de Paulo, nosso sexto filho. Quando ele nasceu o meu marido ainda estava em casa e Paulo tinha 21 dias. Dou graças da Deus por ele ter acompanhado o nascimento do filho.
Para lidar com tudo isso estou sendo acompanhada por um psiquiatra e uso a medicação sertralina, que me ajuda a organizar a minha mente, pois controla a minha ansiedade e o choro.
Durante a minha gestação a situação do Ezequiel ficou mais tensa e eu sentia que meu marido não poderia ficar conosco. A gestação sempre foi o período mais difícil da maternidade para mim, de maior sensibilidade, e com todo essa pressão foi ainda pior.
Depois que Paulo nasceu eu fiquei sem tomar a sertralina, até por toda a correria, e percebi que a minha mente ficou bagunçada. Então deixei o preconceito de lado e entendi que a medicação é uma ajuda que o corpo precisa nesse momento.
MEU MARIDO FOI PRESO POR CURIOSIDADE
O meu marido foi a Brasília devolver um carro da Localiza, alugado por um amigo dele na capital federal por conta do roubo da sua caminhonete. O amigo, chamado Marcos, veio para Rondônia com o carro locado e Ezequiel levou de volta para Brasília no início de janeiro, numa viagem em que foi acompanhado por outro amigo, o Antônio Marcos Ferreira Costa, 38 anos.
Saíram de Ji-Paraná no dia 6 de janeiro de 2023 e o Ezequiel levou só uma mochila com alguma coisa dentro, pois iria voltar em seguida de carona de caminhão. Quem é motorista de estrada costuma fazer isso, porque os caminhoneiros têm uma rede de comunicação e um apoia o outro.
Os dois chegaram em Brasília por volta das 16 horas da tarde de 8 de janeiro, sei por que foi o horário em que o meu marido mandou uma foto e me contou que foi olhar a manifestação na Praça dos Três Poderes. Os dois deram uma de curiosos... já conto...(tem vezes que me dá até uma certa raiva, porque foi muita inocência deles ou foi muita ingenuidade).
Eles viram o movimento da praça, foram se aproximando, subiram a rampa. (Eu fico pensando o que foram fazer por lá. Talvez passear, fazer turismo...)
Foi depois que ele falou comigo pelo WhatsApp que os dois subiram a rampa. Logo em seguida iniciou o ataque dos policiais com bombas jogadas de helicóptero. Para se protegerem, os dois entraram no Palácio do Planalto e se sentiram seguros pois viram lá dentro o Exército e pessoas orando.
Essa tranquilidade durou pouco tempo, pois a Polícia de Choque entrou no prédio de forma agressiva e prendeu todos que estavam no local. Foram para os presídios.
O amigo do meu marido, o Antônio Marcos, é casado, pai de três crianças e a esposa está grávida do quarto filho. Ele também foi condenado a 14 anos de prisão e se encontra foragido junto com o Ezequiel. Eu não sei onde eles estão, porque o meu marido não compartilha muita coisa comigo.
A EUCARISTIA
O que me sustenta chama-se Eucaristia. Se eu pensar no dia de amanhã, como vai ser a vida sem o meu marido em casa, sendo que os meus filhos ainda não estão na adolescência, eu acabaria numa grande crise de ansiedade. E se eu adoecer não conseguirei fazer o que eu tenho para fazer hoje: dar comida para meus filhos, garantir a higiene deles, que durmam na hora certa, que sejam alfabetizados e recebam um estudo de qualidade.
Meus filhos precisam ler bons livros, ter acesso às coisas boas. Não posso deixar os meus filhos jogados no mundo, para que outras pessoas eduquem. Preciso estar com a cabeça sã para tomar as decisões certas. Eu estou muito atenta para que os nossos filhos não sejam pervertidos, então minha missão é cuidar do corpo e da alma deles. Os riscos que as crianças correm hoje são muito grandes.
Também preciso pedir e aceitar ajuda, ser humilde diante das circunstâncias, e, enfim, ter sabedoria para agir e escolher o que é essencial para as nossas vidas. Às vezes a gente perde muito tempo fazendo o que não é necessário, mas quando a gente tem uma família numerosa a opção é ter o essencial, não vai ficar acumulando coisas.
Se está para nascer um novo filho, a gente ajeita um espaço para essa criança e providencia o necessário, renova o enxoval. A gente não precisa ficar inventando necessidades quando toda a família se ajuda. Então, hoje o que eu tenho aqui com os meus filhos é uma grande força.
A minha família é uma benção e por mais difícil que seja eu ainda ouso a falar que eu sou uma das mulheres mais felizes do mundo pelos filhos que eu tenho.
Eu não consigo descrever o meu sentimento de gratidão por ser mãe dessas crianças. Eu sei que Deus tem um propósito para esta fase em que estamos passando e creio que tudo coopera para o bem dos que amam a Deus. Se Deus está permitindo que esse mal, que esse sofrimento esteja acontecendo na nossa família, é para que de alguma forma a gente possa glorificar a Deus com a nossa vida, para que Deus mostre o seu poder sobre a minha família.
Cada um dos meus filhos é um milagre, mas também a educação deles e o sustento deles será um milagre. Deus vai mostrar o seu poder e a sua Glória.
É muito difícil conversar com qualquer pessoa e não expressar a minha gratidão ao São José pelos cuidados com a nossa família, ou à Nossa Senhora que está sempre perto dos meus filhos e de mim.
A questão espiritual influencia muito na mente da gente e no corpo também.
A fé nos levanta e nos faz dar um passo a mais, por mais que a gente esteja tão cansada. Com criança você não sabe a que hora vai dormir, se você vai acordar de madrugada por uma crise de tosse de um deles ou porque algum vomitou ou fez xixi na cama. Você vai precisar dar um banho, trocar aquela cama e logo você tem o horário do bebê para dar de mamar.
Se você limpar aquele vômito com amor, compreendendo que ali tem sacrifício para que aquela criança seja bem cuidada, eu tenho certeza de que fará a diferença para eles quando forem adultos. Eles percebem a doação da mãe, o amor sacrificial, a dedicação. Eu sei que no futuro, os meus filhos poderão dizer que, “por mais difícil que tenha sido a minha vida, eu fui amado” e é isso que eu mais quero para os meus filhos.
Até aqui nós temos as nossas refeições à mesa. Por mais doloroso que seja a falta do pai continuamos unidos. Nós passamos o Dia dos Pais sem o Ezequiel e me dói tanto lembrar o olhar dos meus filhos. Ele não estava em casa para dar e receber os abraços.
O José tem só dois anos, mas é extremamente esperto e às vezes precisa ser contido, precisa que alguém o segure no colo, mas eu tenho o menorzinho de quatro meses para dar colo...Então falta o colo que o Ezequiel dava para o José..., mas eu tenho o Francisco e a Maria, de 9 e 7 anos, respectivamente, então eles podem pegar o bebê, me ajudam e eu acolho o José.
Se a situação fica mais complicada, eu chamo os meus pais que moram a 120 km aqui de Ji-Paraná. O Emílio, de 4 anos, é asmático e os meus pais já vieram me ajudar duas vezes. Tenho amigos, pessoas boas, que se colocam à disposição.
Numa ocasião, o meu filho Emílio teve convulsão e eu estava sem ninguém em casa. Saí para a rua gritando por socorro, enquanto fazia os procedimentos nele, com ele todo roxo. Consegui que alguém ficasse com os demais em casa, enquanto o levava para o hospital. Acontecem situações como essa, e eu vou ter que me virar sem o Ezequiel.
MOMENTOS ESPECIAIS COM OS FILHOS
Desde 2017, eu me dedico à educação dos meus filhos, reservando horários para ensinar em casa. Eu coloco toda a minha energia para me preparar e acompanhar o aprendizado deles, para manter um nível de disciplina de aprendizagem.
Além disso, eu preciso ter um momento com essas crianças de oração, levo eles à Santa missa, porque é lá que busco o meu sustento. É na Eucaristia. Eu mostro aos meus filhos qual é o caminho que eles têm que seguir para se sustentar no futuro.
Pelos meus filhos eu renuncio todos os meus quereres. Eu não quero pensar em mim, eu não quero pensar na dor que eu estou sentindo - torcicolo ou dor no pé que eu quebrei. Como mãe de família numerosa, eu quero levar a verdade e a justiça para que os meus filhos sejam bem-educados, pessoas honradas. Não só bons cidadãos, mas também bons cristãos.
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