A Medida Provisória 1.247 publicada no dia 31 de julho pelo governo federal, para amparar os produtores gaúchos, nada mais é do que uma jogada de xadrez do Governo Lula para deixar desamparados os agricultores afetados pela enchente de abril/maio no Rio Grande do Sul. A opinião é da agricultora Luciane Renata Agazzi, 34 anos.
No texto da MP há restrições para usufruir do parcelamento de 4 anos a juros de 8% - diga-se de passagem um parcelamento menor do que é previsto pelo Manual do Produtor Rural do Banco Central que regula o crédito rural pelas instituições financeiras. Entre as restrições está o impedimento de beneficiar os produtores enquadrados no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – Proagro ou com cobertura de qualquer seguro de bens e da produção rural. “Como todos os pequenos e médios agricultores são obrigados a fazer seguro ao contraírem empréstimos para plantar, essa MP serve para uma minoria”, diz ela.
O debate sobre o tema é recente, uma vez que o governo federal demorou meses para vir em socorro dos agricultores e quando o fez causou desânimo e revolta. Quem nos conta um pouco desse dilema gaúcho é Luciane, que vive na pele a dor de uma dívida agrícola que veio junto com as águas que devastaram as suas lavouras.
A única saída, na opinião dela, é mover uma ação coletiva contra o governo federal em defesa dos agricultores. O que se quer é uma renegociação da dívida justa que permita a continuidade dos trabalhos. Se não for assim, muitos irão à falência. Ela considera que a maioria dos produtores está abandonada e não tem discernimento para identificar um bom advogado que atue de forma ética em ações individuais.
Se a renegociação da dívida do agro depende de uma ação coletiva resta a pergunta: Qual entidade ou instituição comprará essa briga pelos produtores gaúchos?
PERDAS CONTÍNUAS
Luciane e o marido Rodrigo Cabral Adriano, 40 anos, são empreendedores da soja desde 2018 em Tapes, RS. Arrendaram 88 hectares e desde 2021 vivem o drama do prejuízo ano a ano: três anos foram de seca e agora contabilizam os danos da enchente.
A dívida acumulada pelo casal gira em torno de R$ 750 mil, em três células de crédito, e Luciana conta que o seguro não amparou, o governo não amparou e a dívida está aí para ser equacionada.
“Esta é a realidade não só nossa, mas de todos os pequenos e médios produtores gaúchos afetados com a enchente. Mesmo que vendam tudo o que eles têm, ainda assim não terão o suficiente para quitar a conta no banco”, avalia.
AUDIÊNCIA PÚBLICA EM BRASÍLIA
Luciane representou os agricultores numa audiência pública realizada na Câmara de Deputados em Brasília em 13 de agosto, quando levou a indignação dos gaúchos com a MP 1.247.
A crise é tão grave ao ponto de Luciana conclamar a Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), que reúne representantes de 26 federações estaduais para que faça a intermediação junto ao Governo Federal. O que se quer é a ampliação do prazo de pagamento da dívida em 15 anos, com juros de 3% ao ano, para a maioria dos agricultores afetados pela catástrofe climática. Porém, aos que perderam tudo, que é o caso do Vale do Taquari, o pedido é de anistia das dívidas. A CNA representa 5 milhões de produtores rurais comerciais de todos os portes.
SITUAÇÕES DISTINTAS
“No nosso caso, ainda temos máquinas para trabalhar. Nos faltam os insumos para fazer um novo plantio, porque tudo foi perdido na enchente. Portanto, um parcelamento em vários anos nos daria a oportunidade de arriscar novamente, por termos crédito. Porém, essa não é a realidade da maioria dos produtores do Vale do Taquari, que se encontram sem crédito, e precisam de alguma esperança para recomeçar”, defende.
“O agricultor contrai a dívida com expectativa de colheita, mas o que ele faz quando o clima não permite que ele colha? Literalmente ele não tem mais o grão para pagar a dívida”, lamenta. Segundo explica, toda e qualquer contratação de empréstimo agrícola passa pelas regras do Manual do Crédito Rural, que ampara em cinco ou mais anos de parcelamento, conforme a capacidade de pagamento, em caso de safras frustradas.
“O governo federal está oferecendo para nos ajudar a superar os danos da catástrofe são quatro ano, um a menos do que está previsto no Manual de Crédito Rural, ainda com juro de 8% ao ano, muito acima da capacidade que temos hoje. Com isso, esculhambou ainda mais a nossa vida e o que não era bom ficou ainda pior”, reclama.
“O anúncio do governo federal é de que a MP contempla 93% dos agricultores que sofreram as perdas nesse ano. A informação é mentirosa, porque eu mesma estou excluída, assim como todos os demais que têm o seguro. No meu caso, o seguro negou de forma descarada a cobertura dos prejuízos da enchente. De um dos meus financiamentos, no valor de R$ 180 mil, recebi do seguro apenas R$ 40 mil, alegando problemas de diversas ordens para fazer a cobertura total. Como eu vou pagar os outros R$ 140 mil se não tenho a soja e eu não me encaixo na MP por eu ter seguro? E todos os pequenos e médios produtores rurais gaúchos, para contrair o financiamento, são obrigados a ter seguro.
O GOVERNO ESTÁ FAZENDO A GENTE QUEBRAR
“Sem condições para continuar, sairemos da atividade por não termos amparo fiscal e legal. O Ministério Público Federal deveria intervir nessa situação e as entidades que nos representam deveriam estar mais aguerridas. Precisamos de uma medida coletiva para defender os interesses dos produtores para que se cumpra minimamente as exigências do Manual do Crédito Rural. Há uma visível negligência de quem poderia entrar contra o governo em nossa defesa”, conclui.
QUEM É LUCIANE AGAZZI
Nascida em Aratiba, RS, numa família de produtores de leite, ela ficou no interior até os 18 anos, quando passou a morar na cidade e trabalhar com faxina. Cursou Agronomia na Universidade Federal da Fronteira Sul, em Erechim, e aos 27 anos iniciou o mestrado em Fitotecnia na Universidade Federal de Viçosa, MG.
FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA (FPA)
A MP 1.247 desagradou os parlamentares integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), por não cumprir o prometido para os agricultores do RS afetados pela enchente.
O debate para a construção da MP iniciou com a aprovação do Projeto de Lei 1536/24 na Câmara dos Deputados, de autoria dos deputados Zucco (PL-RS) e Rodolfo Nogueira (PL-MS), que chegou ao Senado em junho deste ano e foi relatado pelo senador Irineu Orth (PP-RS).
Na oportunidade, a proposta recebeu parecer favorável do senador Irineu durante votação no Plenário do Senado Federal, mas foi adiada por acordo de plenário. O líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA), afirmou que o tema poderia ser tratado em medida provisória com o teor do projeto original. Isso não se cumpriu.
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