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Por que a tese do “golpe” não prosperou?

Hermenêutica jurídica contaminada pela polarização

Sergio Junior
Por: Sergio Junior
17/03/2025 às 23h12
Por que a tese do “golpe” não prosperou?

POR QUE A TESE DO GOLPE NÃO "PROSPEROU"?

 

Um golpe de Estado exige controle efetivo do poder — militar, político ou institucional. Em 8 de janeiro, não houve adesão das Forças Armadas, que têm papel crucial em qualquer ruptura desse tipo no Brasil. Sem apoio militar, a invasão dos prédios não tinha como derrubar o governo ou impedir seu funcionamento.

Os manifestantes não tomaram reféns, não instalaram um governo paralelo nem neutralizaram as forças de segurança. O governo Lula seguiu operando normalmente, com intervenção federal decretada no mesmo dia.

AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA LETAL OU ESTRUTURADA:

A lei (art. 359-L e 359-M do Código Penal) fala em "abolição violenta" ou "tentativa de deposição" com meios concretos. Não houve mortes, tiroteios ou resistência armada significativa. Os objetos encontrados (facões, estilingues, coquetéis molotov) eram rudimentares e não indicam preparo para um confronto capaz de subverter a ordem.

Comparado a eventos como a invasão do Capitólio nos EUA (2021), que teve mortes e armas de fogo, o 8 de janeiro foi mais um quebra-quebra do que uma operação violenta coordenada. Ou comparado a outras tentativas de golpe de Estado. 

 

DESORGANIZAÇÃO DOS MANIFESTANTES:

Testemunhas e vídeos mostram uma multidão caótica, sem comando claro ou hierarquia. 

Um golpe exige coordenação estratégica — alvos definidos, líderes identificados, plano de sucessão. Aqui, o que se viu foi espontaneidade e oportunismo, não uma execução planejada.

Muitos estavam em Brasília havia meses, em acampamentos públicos, sem esconder suas intenções. Isso contrasta com a clandestinidade típica de tramas golpistas.

Invadir os Três Poderes teve impacto simbólico, mas não funcional. Os prédios estavam vazios (era domingo, Lula não estava em Brasília), e o STF, Congresso e Executivo retomaram atividades rapidamente. 

Um golpe real buscaria paralisar as instituições, não apenas danificá-las.

 

INTERPRETAÇÃO SUBJETIVA 

O STF baseou-se em mensagens e falas para inferir a intenção de "derrubar a democracia". Mas provar intenção coletiva é frágil juridicamente — nem todos os presentes tinham o mesmo objetivo. Alguns protestavam contra as eleições, outros vandalizaram por impulso. Enquadrar isso como "tentativa de golpe" depende de suposições, não de atos concretos.

 

ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA?

Que armas?

O art. 288-A exige que o grupo use "armas" para configurar o agravante. No 8 de janeiro, as "armas" eram improvisadas e usadas por poucos, não por um coletivo organizado. Não havia arsenal ou treinamento militar, como em casos clássicos de associação criminosa armada (ex.: PCC).

A maioria foi detida com bandeiras, biblias, celulares ou nada. Estender o termo "armada" a estilingues e facas parece forçar a tipificação.

Associação criminosa implica estabilidade, divisão de tarefas e liderança definida. Os atos de 8 de janeiro foram mais uma explosão coletiva do que uma organização estável. Não há provas de que todos os 2.170 presos formassem um "bando" coeso, com papéis claros.

 

 DANO E DEPREDAÇÃO? SIM!

Vidros quebrados, móveis destruídos, obras danificadas. Isso se encaixa perfeitamente no art. 163 (dano qualificado) e na Lei nº 9.605/1998 (deterioração de patrimônio tombado). Não precisa de malabarismo interpretativo — os atos foram registrados e os prejuízos calculados (R$ 11,4 milhões só no STF).

Punir isso já atende à reprovação social, sem inflar para crimes contra o Estado.

 

DOSIMETRIA DA PENA:

Condenar alguém a 17 anos por quebrar uma janela ou por escrever de batom numa estátua, enquanto homicidas pegam menos, viola o senso de justiça. O dano ao patrimônio e a depredação têm penas previstas (até 3 anos, agravadas), suficientes para o caso. Subir para "golpe" parece desproporcional aos fatos.

 

CRIAÇÃO DE PRECEDENTE PERIGOSO 

Enquadrar protestos caóticos como "golpe" abre brecha para criminalizar qualquer futura manifestação que saia do controle. A lei não pode ser esticada a ponto de perder precisão — isso é relativizar os tipos penais, algo que a sociedade rejeita com razão.

O clima pós-eleição, com o STF sob pressão e acusado de parcialidade, pode ter levado a uma resposta exemplar, mais simbólica do que técnica. Juristas como Marco Aurélio Mello já disseram que não viram "terrorismo" ou "golpe" nos atos. 

 

POLARIZAÇÃO

O clima político contamina tudo. Quem defende os atos é chamado de golpista; quem critica o STF é taxado de negacionista. Isso deixa pouco espaço para um meio-termo racional.

 

Juristas como André Marsiglia já criticaram o STF por "esticar" a lei para punir além do que os fatos sustentam, sugerindo que dano ao patrimônio e incitação ao crime (art. 286) seriam suficientes. A aplicação de artigos como o 359-L e 359-M pode, sim, ser vista como relativização, pois depende de interpretar a intenção dos atos — algo subjetivo e aberto a debate.

 

Fontes: Pesquisas como a Atlas Intel (2024) mostram que 81% dos brasileiros não viram golpe.

Revista Oeste e Rodrigo Constantino.

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